Acórdão nº 392/22.0YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão392/22.0YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa


Resumo do litígio entre as partes

1.–O litígio entre as partes prende-se com a utilização da palavra “Atlantiko” na marca mista, nominativa e figurativa, da recorrida que contém a palavra “Atlantiko” e foi registada posteriormente à marca nominativa da recorrente “Sabor Atlântiko”, destinando-se ambas a assinalar serviços idênticos de restauração.

2.–A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto e alega que a sentença recorrida infringiu os deveres da boa gestão processual, da justa composição do litígio, do julgamento de mérito, previstos nos artigos , , , , 411º e 607º do Código de Processo Civil (CPC) e invoca a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615.º n.º 1 – d) do CPC.

3.–A este propósito, a recorrente defende que a sentença recorrida devia ter apreciado a questão de mérito, que se prende com o risco de confusão entre as marcas conflituantes e com a invalidade da marca da recorrida, à luz do disposto nos artigos 210.º, 231.º, 232.º e 238.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).

Decisão do INPI e sentença impugnada

4.–A recorrente apresentou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI), um pedido de nulidade, de anulação e de reversão a seu favor, da marca nacional n.º 654472, registada a favor da recorrida, invocando, além do mais, o disposto nos artigos 32.º e 33.º do CPI, o que foi indeferido por decisão do INPI N.º 018/DE.D./2022 de 20.7.2022 (cf. referência citius 104522).

5.–Da decisão do INPI mencionada no parágrafo anterior, a recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), formulando o seguinte pedido:

“(...) deve a decisão do INPI ser revogada [e substituída] por outra que declare a nulidade do registo da marca nacional 654472 ou, assim não entendendo, declare a anulação da mesma marca por violação do artº 232º do CPI, mais cumprindo o n. 2 do artº 33 CPI, o registo reverta totalmente a seu favor ou, não colhendo os ditames do n. 2 do artº 33º, que seja recusado o registo.”

6.–O INPI remeteu ao Tribunal o processo administrativo acompanhado dos elementos de informação a que alude o artigo 42.º do CPI.

7.–Citada, a recorrida respondeu, pugnando pela improcedência da impugnação judicial.

8.–O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 9.1.2023 (referência citius 512482), julgou improcedente o recurso de impugnação judicial, mantendo a decisão que concedeu o registo da marca da recorrida, aqui em crise.

Alegações da recorrente

9.–Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, formulando o seguinte pedido:

“(...) deve a decisão recorrida ser alterada para outra que considere provados os factos 1, 2 e 3 e ordenando que o processo baixe para decisão de mérito em conformidade (...)”.

10.–A recorrente alega, em síntese, que:
  • O Tribunal a quo considerou não provado que a recorrente seja titular do registo da marca nacional nominativa n.º 529271, SABOR ATLANTIKO, porque a recorrente não juntou o respectivo certificado de registo, desconsiderando que o INPI, entidade que detém os registos, na sua decisão, deu por assente que o registo de tal marca foi pedido em 18.4.2014 e concedido à recorrente em 10.7.2014 para “restaurantes: serviço de alimentação e bebidas em restaurante e bares; restaurantes de self-service; restaurantes para turistas”, na classe 43 da classificação internacional de Nice;
  • Foi com base no registo da marca n.º 529271 a favor da recorrente, que o INPI considerou, na decisão impugnada, que a recorrente tinha legitimidade para pedir a nulidade e a anulação da marca mista conflituante n.º 653498 (aqui também abreviadamente designada por ATLANTIKO Ermesinde), concedida à recorrida e se pronunciou sobre o risco de confusão entre as duas marcas conflituantes;
  • Os factos 1 a 3 que o Tribunal recorrido julgou não provados estavam assim assentes na decisão do INPI e não foram impugnados por qualquer das partes;
  • Ao julgá-los não provados, a sentença recorrida infringiu os deveres da boa gestão processual, da justa composição do litígio, do julgamento de mérito, previstos nos artigos , , , , 411º, 607º e 615º- d) do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, 13º, 202.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Alegações da recorrida

11.–A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e invocando, em síntese, que:
  • O facto não provado 1 está sujeito a regras de prova vinculativas que não foram cumpridas;
  • Sobre os factos não provados 2 e 3 não foram apresentados quaisquer meios de prova, documental ou outra;
  • As marcas em conflito distinguem-se porque, sendo a marca da recorrida mista, o elemento figurativo é nela central ao passo que a marca da recorrente é nominativa;
  • Embora exista reprodução da palavra “Atlantiko” isso não gera risco de confusão, porque uma marca usa a palavra “Sabor” e a outra usa a palavra “Ermesinde”, palavras que não têm entre si qualquer semelhança gráfica, fonética ou figurativa;
  • O consumidor dos produtos em questão é normalmente informado e razoavelmente atento;
  • É distinta a impressão de conjunto causada por cada um dos sinais no espírito do público;
  • A palavra “Atlantiko” é um elemento genérico, insusceptível de apropriação pela recorrente e que não goza de distintividade adquirida;
  • Os estabelecimentos comerciais da recorrente e da recorrida estão situados em concelhos diferentes, o que afasta a possibilidade de confusão por parte dos consumidores;
  • Existem outros estabelecimentos de restauração geograficamente distanciados, que usam a expressão Atlantiko ou Atlantik e não geram confusão no espírito dos consumidores;
  • A recorrente alegou a má-fé do registo da marca da recorrida, mas não alegou nem provou, como lhe cabia, as circunstâncias das quais resulta essa alegada má-fé.

Audição das partes nos termos do artigo 665.º n.º 3 do CPC

12.–Notificada para os termos previstos no artigo 665.º n.º 3 do CPC, a recorrente veio alegar, em síntese, que:
  • Deve ser alterada a matéria de facto, como pretende a recorrente, de modo a dar-se como provado que a recorrente é titular do registo da marca n.º 529271 SABOR ATLANTIKO, pedido em 18.4.2014 e concedido em 10.7.2014, na classe 43;
  • As marcas conflituantes, respectivamente, da recorrente e da recorrida, assinalam serviços idênticos, a sua semelhança gera risco de confusão, sendo a marca da recorrente prioritária;
  • Assim sendo, verificam-se os pressupostos da imitação, usurpação ou risco de confusão, devendo o Tribunal da Relação substituir-se ao Tribunal recorrido e declarar a nulidade do registo da marca ATLANTIKO Ermesinde, registada a favor da recorrida, por terem sido violados, na sua concessão, os artigos 210.º, 231.º n.º 6, 232.º e 238.º do CPI.

13.–Notificada para os termos previstos no artigo 665.º n.º 3 do CPC, a recorrida veio pugnar pelo indeferimento dos pedidos de nulidade e anulação da sua marca, alegando, em síntese, que:
  • A recorrente não indicou quais os factos capazes de preencher os requisitos da declaração de nulidade da marca da recorrida, previstos no artigo 32.º do CPI;
  • No que diz respeito à alegada nulidade do registo da marca da recorrida, com base em má-fé, como previsto nos artigos 231.º n.º 6 e 259º do CPI, a recorrente não indicou as circunstâncias que, no momento do registo, permitem concluir que houve registo de má-fé, como exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que interpreta o conceito de má-fé;
  • Quanto ao pedido de anulação da marca da recorrida com base nos artigos 232.º e 238.º do CPC, não está preenchido um dos requisitos cumulativamente exigidos por tais preceitos legais, a saber, o risco de confusão no espírito do consumidor médio dos serviços em causa, uma vez que a marca da recorrida, além do elemento comum ”Atlantiko” contém elementos diferentes da marca da recorrente, quer nominativos, quer figurativos, quer fonéticos, que afastam o risco de confusão;
  • A isso acresce o facto de as partes exercerem a sua actividade em concelhos diferentes, o que exclui o risco de confusão no espírito do consumidor;
  • Quanto ao pedido de reversão, o mesmo deve improceder porque a situação não se enquadra no disposto no artigo 33.º do CPI.

Delimitação do âmbito do recurso

14.–Têm relevância para a decisão do recurso as questões suscitadas nas conclusões, que o Tribunal agrupa como se segue:

A.–Modificação da decisão de facto

B.–Omissão de pronúncia e substituição ao Tribunal recorrido

C.–Registo de má-fé

D.–Imitação, usurpação e risco de confusão

Factos

15.–Nota:será mantida a seguir, entre parêntesis, a numeração dos factos provados e não provados constante da sentença recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.

Factos provados da sentença recorrida que se mantêm

16.–(1)-Em 3 de dezembro de 2020 PARTICULARIDADES & ENCANTO – RESTAURAÇÃO LDA. requereu o registo da marca nacional n.º 654472

para assinalar os seguintes serviços da classe n.º 43 da Classificação Internacional de Nice: serviços de restaurantes, serviços de restaurante e bar, serviços de reservas de restaurantes, serviços de restaurante de comida rápida, serviço de reservas par restaurantes e refeições, serviços de restaurante incluindo instalações de bar licenciadas, serviços de restaurantes que fornecem comida para fora, serviços de restaurante para o fornecimento de comida rápida, serviços de restaurante com venda de comida para fora, serviços de alimentação e bebidas para clientes de restaurantes, serviços de alimentação e bebidas em restaurantes e bares.

17.–(2)-O pedido de registo de marca
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