Acórdão nº 390/23.7GDVFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-12-19

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão390/23.7GDVFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 390/23.7GDVFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 03.07.2023 o arguido AA (nascido a .../.../1986 e melhor identificado nos autos) foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante de € 600,00.
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I.2 Recurso da decisão
O Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto no art.° 3°, n.° 2 do Decreto Lei n.° 2/98 de 3 de Janeiro;
2. O arguido tinha carta de condução brasileira emitida em 11/05/2009 e válida até 04/06/2019;
3. O Brasil faz parte da CPLP e subscreveu a Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949;
4. A legislação brasileira prevê que os títulos caducados - designadamente a carteira nacional de habilitação - possam ser revalidados a todo o tempo;
5. O arguido à data da prática dos factos tinha 36 anos de idade;
6. O arguido é titular de um título de condução emitido pela entidade administrativa competente no Brasil, válido (na medida em que é um título autêntico e que concede licença revalidável), mas caducado e apreendido;
7. O art.° 125°, n.° 5 do C.E. dispõe que: "Os títulos referidos no n° 1 só permitem conduzir em território nacional se os seus titulares tiverem a idade mínima exigida pela lei portuguesa para a respetiva habilitação, encontrando-se válidos e não apreendidos, suspensos, caducados ou cassados por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor";
8. Por sua vez, o art.° 125°, n.° 8 prevê que: "Quem infringir o disposto nos n.os 3 a 5, sendo titular de licença válida, é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500.";
9. Daí que a sua conduta se subsume à prática da contraordenação prevista no artigo 125°, n.°s 5 e 8 do Código da Estrada, sancionável com coima de 300,00€ a 1.500,00€
10. O Tribunal "a quo" fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no art.° 125°, n.°s 1, al. c), 5 e 8 do Código da Estrada e art.° 3°, n.° 2 do DL N.° 2/98, de 3 de Janeiro.”
Pugna pela revogação da sentença e consequente condenação do arguido pela prática da contraordenação prevista no artigo 125°, n.°s 5 e 8 do Código da Estrada (doravante CE).
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I.2 Resposta do arguido
O arguido AA respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, acompanhando as motivações e conclusões do recorrente.
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I.3. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público aderiu ao recurso.
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I.3. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.4. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, face às conclusões apresentadas no presente recurso a única questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a conduta do arguido integra um crime de condução sem habilitação legal ou, apenas, uma contraordenação.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1 Factos Provados
Com relevo para a decisão a proferir resultam provados os seguintes factos:
1. No dia 13 de Junho de 2023, cerca da 13h00, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-..-HV na Estrada Nacional ..., ao Km 284, em ..., concelho de Santa Maria da Feira, sem que fosse titular de carta de condução ou outro documento que o habilitasse a conduzir o mesmo, o que sabia ser obrigatório por lei.
2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que não podia conduzir um veículo automóvel na via pública sem ser titular da respetiva carta de condução, o que, não obstante, fez, mais sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
3. O Arguido é possuidor de uma carta de condução emitida pela República Federal Brasileira, com o registo n.° ..., que se encontra caducada desde 04/06/2019 e está apreendida à ordem do processo n.° 793/22.4GDVFR.
4. O Arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
5. O Arguido encontra-se em Portugal há 8 anos; é técnico de operações, auferindo mensalmente a quantia de € 800,00, vive com a esposa em casa arrendada, pelo valor mensal de € 180,00; tem dois filhos menores de idade, que residem com a progenitora no Brasil e pelos quais paga como pensão de alimentos a quantia de € 200,00; como habilitações literárias o Arguido possui o 12.° ano de escolaridade.
6. No âmbito do processo n.° 793/22.4GDVFR, foi aplicado ao Arguido, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, suspensão provisória do processo que teria o seu termo a 24/06/2023.
7. O Arguido já sofreu uma condenação no âmbito do Processo Sumário n.° 25/23.8GTSJM do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira Juiz 3, foi em 15/03/2023, condenando na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 6,50, pela prática em 06/03/2023 de um crime de condução sem habilitação legal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 24/04/2023

2.2. Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

Motivação de Facto
A consideração da factualidade suprarreferida como provada resulta da análise crítica e ponderada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com as regras da experiência comum e à luz do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.° do Código de Processo Penal.
Para considerar provados os factos enunciados, o Tribunal valorou as declarações prestadas pelo Arguido em audiência de julgamento, confessando integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
Tais declarações foram ainda concatenadas com a prova documental arrolada nos autos.
Quanto às condições socioeconómicas do Arguido, foi tido em conta as declarações deste, que as expôs de forma natural e sincera não emergindo razões para que se questione a veracidade das mesmas.
E, por último, valorou-se o teor do certificado de registo criminal quanto aos antecedentes criminais do Arguido.
3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1 Enquadramento jurídico-penal
Do crime de condução sem habilitação legal
O Arguido vem acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro.
Estatui o art. 3.°, n.° 1 do referido diploma legal que quem conduzir veículo a motor ou equiparado sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada (doravante, CE) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. Aditando o n.° 2 do mesmo preceito legal que se o agente conduzir motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias.
O CE preceitua no seu art. 121.°, n.° 1 que só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito, precisando o n.° 4 de tal artigo que o documento que titula a habilitação legal para conduzir ciclomotores, motociclos, triciclos, quadriciclos, automóveis e veículos agrícolas, exceto motocultivadores operados a pé, designa-se de carta de condução.
Sendo certo que para um sujeito ser considerado habilitado a conduzir veículos, nos termos do art. 121.° do CE tem de cumprir os requisitos exigidos no art. 18.° do Decreto-Lei n.° 138/2012, de 5 de Julho, designadamente ter sido aprovado em exame de condução para a respetiva categoria de veículos (n.° 1, al. c)).
Nos termos do art. 125.° do CE, "além da carta de condução são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes:
a) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau;
b) Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu;
c) Títulos de condução emitidos por outros Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), desde que verificadas as seguintes condições cumulativas:
i) O Estado emissor seja subscritor de uma das convenções referidas na alínea seguinte ou de um acordo bilateral com o Estado Português;
ii) Não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título;
iii) O titular tenha menos de 60 anos de idade;
d) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.° 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de Setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.° 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de Novembro de 1968, sobre circulação rodoviária;
e) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro, desde que em condições de reciprocidade;
f) [Revogada.]
g) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta;
h) Licenças especiais de condução;
i) Autorizações especiais de condução;
j) Licença de aprendizagem".
Mais prevê o n.° 3 do mesmo normativo legal que os titulares das licenças previstas
...

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