Acórdão nº 3873/20.7T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-01-2024

Data de Julgamento23 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão3873/20.7T9FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

No âmbito do processo acima referenciado foi proferido o seguinte despacho:

“Compulsados os autos, temos que:

1. Foi o arguido, nascido a …/…/1981, condenado por sentença transitada em julgado, a 24/01/2023, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), praticado em 25/09/2020, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho.

2. Veio o arguido ora aos autos referir entender que o crime praticado se encontra amnistiado por via da aplicação aos autos da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, considerando a moldura penal aplicável à mesma, devendo ser extinto o respetivo procedimento criminal, sendo que, o entendimento atinente à idade do arguido, com mais de 30 anos, levando à não aplicabilidade do diploma, sempre tornaria o mesmo inconstitucional, porque violador do princípio da igualdade, tornando a norma igualmente desconforme com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, requerendo, pois, que seja o crime em análise amnistiado, com base na supra referida lei.

Pronunciou-se o Ministério Público, referindo entender ser de indeferir o requerido, por falta de fundamento legal, sendo a amnistia uma medida de natureza discricionária, tendo existido amnistias aplicadas ao longo dos anos a determinados grupos específicos, sem se entender pela inconstitucionalidade das mesmas, pugnando, pois, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade no referido diploma.

Cumpre decidir.

Considerando os dados acima referidos, à data da prática dos factos o arguido tinha 39 anos de idade, pelo que, não lhe sendo aplicável o disposto na Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, porquanto nos termos do artigo 1.º da referida Lei, apenas são abrangidas as sanções penais relativas a ilícitos praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade, à data da prática dos factos.

Ora, a proposta de lei n.º 97/XV/1.ª, refere na sua exposição e motivos que “considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento. Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina”.

Face ao exposto, entende-se não se poder concluir, atentos os motivos expostos, pela existência de qualquer violação do princípio da igualdade, não se tratando de distinção arbitrária.

Neste sentido, e nos termos referidos, atendendo-se sempre à larga margem de conformação legislativa da Assembleia da República no que à escolha das situações às quais se aplicam a amnistia e o perdão genérico, e cujos limites, entendemos, não se ultrapassaram no caso, nada mais se pode senão que entender que o artigo 1.º da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, não padece de qualquer inconstitucionalidade, indeferindo-se, pois, o requerido.”

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Discordando da referida decisão, dela recorreu o arguido, tento terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“A norma aplicada ela Meritíssima Juiza quo para não amnistiar o Recorrente do crime de que vem condenado, o artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, é uma norma inconstitucional por violar o princípio da igualdade e da proibição da descriminação negativa (a idade superior a 30 anos), sem qualquer suporte constitucional para o efeito. Sendo que,

A dita norma (limitação a menores de 30 anos), viola grosseira e inequivocamente direito internacional imperativo directamente aplicável no nosso ordenamento jurídico, como é o artigo 21.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ex vi, artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

O crime que o arguido vem condenado, é objectivamente elegível para ser objecto de amnistia nos termos do artigo 4.º da Lei n.º38-A/2023 de 2 de Agosto.

Pelo exposto, e pelas sempre mais Doutas razões de Vossas Excelência e o respectivo Mui Douto suprimento, humildemente entendemos que deverá ser cassada a douta decisão impugnada, substituindo-se por outra que aplique o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 21.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no sentido de ser inconstitucional, logo inaplicável, a limitação de idade imposta negativamente em relação ao Recorrente, apenas e só por este à data dos factos ter mais de 30 anos de idade. E, por conseguinte, que se considere amnistiada a infracção penal de que vem o arguido condenado.”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“A.- O recorrente foi condenado no âmbito dos presentes autos pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 alínea b).º do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade.

B.- Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, o Recorrente solicitou que lhe fosse aplicada a amnistia, arguindo a inconstitucionalidade da Lei, concretamente a limitação da idade dos arguidos/condenados na aplicação da amnistia/perdão, prevista no artigo 2.º n.º 1 da Lei.

C.- Alega o Recorrente que a norma que limita em razão da idade a aplicação da amnistia ou perdão é inconstitucional por violação do artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, quer por violação do principio da igualdade, quer pela violação da proibição de discriminação.

D.- Quanto ao mérito do recurso, somos de nos pronunciar pela sua total improcedência porque:

- as leis de amnistia e perdão têm caracter de clemência, não é um direito dos cidadãos;

- o Estado goza de grande liberdade conformativa no conteúdo das leis de amnistia e perdão, sendo que as suas razões e objetivos não estão concretizadas em lei;

- não podendo ocorrer o arbítrio ou discriminação infundada, o Estado pode escolher o momento da entrada em vigor da amnistia/perdão, que tipos legais ou condutas serão passiveis de amnistia/perdão, qual a abrangência da amnistia/perdão (penal, contraordenacional, disciplinar …), que grupos de indivíduos amnistiar/perdoar (Lei 9/96, de 23 de Março, conhecida pela Amnistia às FP25), isto é, desde que justificada a sua restrição não existe inconstitucionalidade;

- sendo o motivo da amnistia/perdão a presença do Papa em território nacional no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude, o Estado Português decidiu por uma amnistia/perdão (à semelhança de 1967, 1982 e 1991, nas três presenças do Papa em território nacional) e fê-lo para os jovens;

- independentemente da bondade da restrição da aplicação da amnistia a menores de 30 anos de idade, a verdade é que inexiste qualquer inconstitucionalidade nessa restrição porque cabe no âmbito da discricionariedade atribuída ao Estado.

F.- Neste sentido vide Ac. TC. n.º 444/97, n.º 510/98 e 488/2008.

G.- Inexiste qualquer discriminação na Lei 38-A/2023 atento o motivo para conceder amnistias/perdões, ou seja, se o Estado Português quis conceder perdão no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude, ao elaborar uma lei que se aplica de forma abstrata e geral a todos os indivíduos, restringindo os efeitos nos ilícitos de natureza penal apenas aos cidadãos com menos de 30 anos, não viola o artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, deve ser rejeitado o recurso apresentado pelo recorrente.

DECIDINDO NESTA CONFORMIDADE SERÁ FEITA JUSTIÇA!”

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Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P. não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão em causa no presente recurso é a apreciação da alegada inconstitucionalidade material do artº 2º, nº 1, da L. 38-A/2023 de 2/8, com a seguinte redacção:

Artigo 2.º

Âmbito

1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º

No entender do recorrente a referida disposição legal, ao impor o limite de 30 anos aos beneficiários da amnistia, viola o artº 13º da C.R.P. e o artº 21º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Dispõe o referido artº 13º, nº 1, da C.R.P.:

Artigo 13.º

(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Dispõe o referido artº 21º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia:

Artigo 21.º

Não discriminação

1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniõess políticas ou outras, pertença a uma minoria...

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