Acórdão nº 387/19.1GDSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-23

Ano2024
Número Acordão387/19.1GDSTB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum com intervenção de tribunal colectivo nº 387/19.1GDSTB, do Tribunal da Comarca de Setúbal, Instância Central Criminal, efectuado julgamento nos termos da acusação formulada pelo MP, foi o arguido (…..) condenado, pela prática em autoria material e em concurso real e efectivo de:
- um crime de violação, p.p. pelo Artº 164 nº1 al. a) do C. Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
- um crime de roubo, agravado pela reincidência, p.p. pelos Artsº 210 nº1, 75 e 76, todos do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
- um crime de coacção agravada na forma tentada, p.p. pelos Artsº 154 nsº1 e 2, 155 nº1 al. a), 22, 23, 72 e 73, todos do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico destas penas, foi o arguido condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

A- O ora arguido, sem ter a mínima oportunidade de se defender contra a acusação proferida, foi condenado pela prática de um crime de roubo, um crime de violação, e um crime de coacção na forma tentada, na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
B- O arguido nunca foi notificado do despacho de acusação proferido nos presentes autos, e bem assim, da data que designou a audiência de julgamento.
C- As notificações foram remetidas para uma morada que não foi fornecida pelo arguido, muito menos para efeitos de notificações;
D- O arguido é analfabeto, não sabendo ler nem escrever, facto que foi dado a conhecer ao OPC no momento da detenção, e bem assim, ao tribunal.
E- O Tribunal desde o primeiro dia de inquérito sempre teve pleno conhecimento que o arguido era analfabeto. Cfr. Ref.ª citius n.º 4398589
F- No dia seguinte à sua detenção, o arguido foi imediatamente conduzido para o Estabelecimento Prisional de Setúbal, para ali cumprir a pena de prisão à ordem de outro processo, não tendo o ora arguido sido sujeito a primeiro interrogatório para aplicação de medida de coação.
G- Aquando da sua detenção fora de flagrante delito o arguido encontrava-se fisicamente debilitado, tendo sido brutalmente agredido.
H- A única morada fornecida pelo arguido nos presentes autos, perante magistrada do ministério público, foi a Rua (…..), conforme auto de interrogatório, de 08-01-2020. Cfr. Ref.ª citius n.º 89621003.
I- O próprio relatório social, essencial para a determinação da medida da pena, que foi requerido pelo Tribunal “aquo”, foi completamente ignorado porquanto “não se conseguiu notificar o arguido”.
J- A prestação válida de TIR é obrigatória, aquando da constituição de arguido, o que não sucedeu.
K- Em momento algum foi indicado ao arguido o que consistia o TIR e as obrigações dele decorrentes.
L- Nos presentes autos, assistiu-se a uma bárbara violação dos mais basilares direitos de defesa do ora arguido, não podendo o mesmo estar presenta na audiência de julgamento, em função da nulidade da prestação do TIR, onde foi colocada uma morada que em momento algum foi indicada pelo arguido, impossibilitando-o, assim, de defender-se das acusações infames, que traduziram-se numa condenação de 11 (onze) anos de prisão.
M- Culminando com a crassa nulidade prevista na al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, em virtude da violação do artigo 64.º n.º 1 al. d) do CPP;
N- Acresce ainda, que não se infere minimamente, como é que um Tribunal coletivo, na plenitude dos seus poderes em fase de julgamento, pode conceber condenar um cidadão a 11 (onze) anos de prisão, sabendo perfeitamente que não se encontrava com TIR validamente prestado e que não se encontrava notificado do despacho de acusação e da própria data em que seria julgado.
O- Inclusive, quando a própria lei processual penal, dá a possibilidade ao Juiz presidente, no caso dos presentes autos, de ordenar a imediata detenção do arguido faltoso, e até, ordenar a sua prisão preventiva, nos termos do artigo 116.º n.º 2 do CPP.
P- Faculdade esta, que é sistematicamente (e bem) sempre utilizada pelos tribunais.
Q- Mas, estranhamente, no caso dos presentes autos, perante uma pena abstrata de mais de 10 anos de prisão, apenas e só com a versão da assistente, sem qualquer testemunha que tivesse presenciado os factos, o Tribunal entende que ouvir o arguido, realizar o relatório social como mesmo entendeu essencial, passou a ser perfeitamente dispensável.
R- Naturalmente que o recorrente não pode conformar-se com todas as ilegalidades praticadas ao longo do processo, que ironicamente, começaram logo num dos primeiros atos processuais, - a constituição de arguido e prestação de TIR, que foi realizada de forma completamente ilegal, e que culminaram para a prolação de uma decisão ilegal e injusta, que não deu, sequer, a oportunidade do arguido exercer os seus direitos de defesa.
S- Pelo que, não resta outra opção ao arguido que esperar ver reconhecida a violação grosseira do artigo 64.º al. d) do CPP, e subsequente declaração de nulidade prevista no artigo 119.º al. c) do Código Processo Penal, com todas as legais consequências.
Fazendo-se, assim, a necessária e acostumada justiça!!

C – Respostas

Quer o MP, quer a assistente, responderam ao recurso do arguido.

C.1. Resposta do MP

Na sua resposta, o MP deduziu as seguintes conclusões (transcrição):

– No TIR
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