Acórdão nº 380/21.4YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-29

Ano2022
Número Acordão380/21.4YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Por despacho de 4.8.2021 (referência citius 93845/Doc 7), o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI) concedeu à apelante o registo da marca nacional n.º 657456.
2. A apelada, reclamante no procedimento de registo dessa marca, interpôs recurso de impugnação judicial, junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo ou Tribunal de primeira instância), do despacho do INPI mencionado no parágrafo anterior, pedindo a substituição desse despacho por decisão que recuse o registo da marca nacional n.º 657456, da recorrente.
3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 4.2.2022 (referência citius 470479), julgou procedente o recurso, revogando a decisão do INPI que concedeu o registo da marca n.º 657456.
4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a apelante interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por “outra que, debruçando-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes, considere não verificados os requisitos cumulativos do artigo 238.º do CPI e, consequentemente, confirme o registo da marca da Recorrente”.
5. A apelante fundamenta o recurso, essencialmente em dois argumentos: a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, vício previsto no artigo 615.º n.º 1- d) do Código de Processo Civil (CPC); o Tribunal a quo incorre em erro na aplicação do direito, ao julgar verificados os pressupostos da imitação previstos no artigo 238.º o Código da Propriedade Industrial. Alega em síntese que:
- Os públicos e os mercados visados pelas marcas em conflito não são os mesmos, já que a apelada tem colégios de infância em Espanha e não pode exercer actividade em Portugal, enquanto a apelante se dedica ao ensino universitário em Portugal; a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão;
- A diversidade de mercados exclui a concorrência desleal;
- As marcas em conflito são diferentes de um ponto de vista gráfico e verbal;
- A sentença recorrida errou ao julgar que existe risco de associação e de confusão e risco de concorrência desleal.
6. Em abono da sua posição a apelante juntou parecer de jurisconsulto.
7. A apelada, contra-alegou, invocando em síntese:
- A marca da apelada é uma marca da União Europeia que tem efeitos em toda a União e cujo registo tem prioridade em relação à marca da apelante;
- Existe afinidade dos serviços assinalados pelas marcas em conflito já que, em ambos os casos assinalam serviços de formação e educação, pertencentes à classe 41 na Classificação de Nice, assinalando ambas as marcas serviços prestados em estabelecimentos de ensino superior;
- A apelante não logrou fazer prova de que usava em Portugal o elemento CEU como parte de um sinal distintivo (e.g. firma ou denominação) há mais de 25 anos e, portanto, antes do registo da marca da apelada;
- Existe semelhança gráfica e fonética, sendo o elemento nominativo e fonético CEU, o mais importante nas marcas mistas em conflito;
- O EUIPO recusou o registo da marca CEU Business School para assinalar serviços da classe 41 por ser visual e foneticamente semelhante à marca da apelada;
- Sendo a apelante titular da Universidade Autónoma, existe risco de confusão e de associação à mesma origem empresarial como prevê o artigo 238.º n.º 1-c) do CPI;
- Existe risco de concorrência por desvio de clientela ainda que não intencional, como previsto no artigo 232.n.º 1 - h) do CPI.
Objecto da acção de impugnação judicial na primeira instância
8. Afigura-se que, na primeira instância, o litígio incidiu essencialmente sobre dois dos requisitos substanciais relativos que devem verificar-se para que a marca da apelante possa ser registada e que, constituem, correspondentemente, fundamentos relativos de recusa desse registo, invocados pela apelada (reclamante no procedimento de registo), a saber: a novidade relativa da marca da apelante ou o risco de confusão com a marca da apelada; e o risco de concorrência desleal.
9. O Tribunal de primeira instância, tendo apreciado a semelhança entre os sinais em conflito à luz do risco de confusão no espírito do público, concluiu, contrariamente ao que fora decidido pelo INPI, que existe esse risco de confusão. Adicionalmente, o Tribunal de primeira instância julgou existir risco de concorrência desleal, ainda que não intencional, pelo facto de existir risco de confusão. Em conformidade, revogou a decisão do INPI que concedeu o registo da marca da apelante.
Âmbito do presente recurso
10. São as seguintes as questões suscitadas pelas partes nas conclusões
A. Novidade relativa da marca nacional da apelante ou risco de confusão ou associação, no espírito do consumidor, com a marca da União Europeia da apelada.
B. Vício decisório da omissão de pronúncia e concorrência desleal preventiva.
C. Direitos da apelante adquiridos antes do registo da marca da apelada.
Factos provados na sentença recorrida
11. Nota: será a seguir mantida, entre parêntesis, a numeração dos factos provados constantes da sentença recorrida para facilitar a leitura e remissões.
12. A recorrida em 28.1.2021 pediu o registo da marca nacional nº657456,

a qual foi concedida a 4.8.2021, destinando-se a assinalar na classe 41 da Classificação Internacional de Nice «Serviços de Ensino Superior».
13. (2) A recorrente é titular da marca da União Europeia nº 009394743

pedida em 22.9.2010 e concedida em 1.3.2011 para assinalar os seguintes produtos e serviços da Classificação Internacional de Nice:
«9 - Aparelhos e instrumentos científicos, náuticos, geodésicos, fotográficos, cinematográficos, ópticos, de pesagem, de medida, de sinalização, de controlo (inspecção), de salvamento e de ensino; aparelhos e instrumentos de condução, distribuição, transformação, acumulação, regulação ou controlo de electricidade; aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução de som ou de imagens; suportes de registo magnético, discos acústicos; distribuidores automáticos e mecanismos para aparelhos de pré-pagamento; caixas registadoras, máquinas de calcular, equipamentos para o tratamento da informação e computadores; extintores.
16 - Papel, cartão e produtos nestas matérias, não compreendidos noutras classes; produtos de impressão; artigos para encadernação; fotografias; artigos de papelaria; adesivos (matérias colantes) para papelaria ou para uso doméstico; material para artistas; pincéis; máquinas de escrever e artigos de escritório (com excepção dos móveis); material de instrução ou material didáctico (com excepção de aparelhos); matérias plásticas para embalagem (não incluídas noutras classes); caracteres de imprensa; clichés.
38 - Telecomunicações.
41 - Educação; formação; prestação de serviços recreativos; actividades desportivas e culturais.
42 - Serviços científicos e tecnológicos, assim como serviços de investigação e concepção nos domínios atrás referidos; serviços de análise e investigação industriais; concepção e desenvolvimento de equipamentos informáticos e de software.
45 - Serviços jurídicos; serviços de segurança para protecção de bens e pessoas; Serviços pessoais e sociais prestados por terceiros destinados à satisfação de necessidades individuais».
14. (3) A recorrente reclamou do pedido de concessão da marca nº 657456

mas o INPI entendeu não existir confundibilidade dos sinais e concedeu o registo da marca.
15. (4) A recorrida tem a denominação social CE[U] – Cooperativa de Ensino Universitário, C.R.L.
Factos não provados na sentença recorrida
16. Não se provaram factos relativos à notoriedade da denominação social da recorrida e nem sequer da data da sua constituição, pois não foi junta a respectiva certidão.
Apreciação do recurso
Disposições legais relevantes
17. São as seguintes as principais disposições legais que o Tribunal considera relevantes para a decisão de mérito, que serão mencionadas infra:
Regulamento (EU) 2017/1001 sobre a marca da União Europeia ou RMUE
Considerando (3)
Convém promover um desenvolvimento harmonioso das atividades económicas em toda a União e uma expansão contínua e equilibrada através da realização e do bom funcionamento de um mercado interno que ofereça condições análogas às existentes num mercado nacional. A realização de um mercado dessa natureza e o reforço da sua unidade implicam não só a eliminação dos obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços e a instituição de um regime que assegure não haver falseamento da concorrência, mas também o estabelecimento de condições jurídicas que permitam às empresas adaptar à partida as suas atividades de fabrico e distribuição de bens ou de prestação de serviços à escala da União. Entre os instrumentos jurídicos de que as empresas deverão dispor para o efeito, são particularmente adequadas marcas que lhes permitam identificar os seus produtos ou serviços de forma idêntica em toda a União, sem atender a fronteiras.
Considerando (11)
A proteção conferida pela marca da UE, cujo objetivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, deverá ser absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços. A proteção deverá também poder ser invocada em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços. Há que interpretar a noção de semelhança em função do risco de confusão. O risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos fatores, nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser estabelecida com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos e os serviços designados, deverá constituir uma condição específica da proteção.
Considerando (12)
A fim de garantir a segurança jurídica e a plena coerência com o
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