Acórdão nº 372/20.0Y5LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-16

Ano2022
Número Acordão372/20.0Y5LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
RQ___- Multiserviços Unipessoal, Lda. interpôs recurso da decisão proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), datada de 23 de Janeiro de 2020, que a condenou numa coima única no valor de € 2.100,00 em cúmulo jurídico, pela prática de uma contraordenação, prevista e punida pelo disposto no artigo 5º n° 1 alínea a) e 9° n° 1 do Decreto-Lei 156/2005 de 15 de Setembro, consubstanciada na falta de envio das reclamações com o n.° 17867206 e 17867207 e de uma outra contraordenação, prevista e punida pelos artigos 5º nº 4 alínea b) e 9° n° 1 do mesmo Decreto-Lei.
Por sentença proferida em 15 de setembro de 2021 no Recurso de Contraordenação nº 372/20.0Y5LSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 7 do Tribunal da Comarca de Lisboa, este recurso foi julgado procedente e, em consequência, a recorrente RQ___- Multiserviços Unipessoal, Lda. absolvida das contraordenações p. e p. pelos artigos 5º n° 1 alínea a) e 9° n° 1 do Decreto-Lei 156/2005 de 15 de Setembro e pelos artigos 5º nº 4 alínea b) e 9° n° 1 do mesmo diploma.
O Mº. Pº. interpôs recurso desta sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. Antes de mais, não se olvida que a transposição de uma contra-ordenação dolosa para uma contra-ordenação negligente importará sempre alguma alteração factual, uma vez que os factos que traduzem o elemento subjetivo da infração não são totalmente coincidentes.
2. Contudo, salvo melhor opinião, tal alteração será não substancial, porquanto não implica a imputação ao arguido de uma contra-ordenação diversa, nem agrava os limites máximos das sanções aplicáveis — conforme artigo 1°, alínea f) do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41°, n°1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.
3. Na verdade, não se trata aqui de transformar uma conduta atípica numa conduta típica, mas tão somente de transformar o dolo em negligência. E importa não olvidar que a atuação negligente é menos grave que a atuação dolosa imputada na decisão administrativa.
4. Acresce que a alteração dos factos resulta da alegação feita pela própria defesa, pelo que se considera que a sua aceitação em sede de decisão final, não está condicionada à prévia comunicação à arguida, nos termos do disposto no artigo 358°, n° 2 do Código de Processo Penal.
5. Ainda que assim não se entendesse, apenas importaria, salvo melhor opinião, comunicar a alteração à arguida e conceder-lhe o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, nos termos do disposto no artigo no artigo 358°, n°1, do Código de Processo Penal.
6. Pelo exposto, considera-se que deverá ser anulada a douta sentença proferida e determinado que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 358°, n°1 e 2 do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41°, n°1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aditando-se os factos referentes à atuação negligente sem necessidade de contraditório, ou, em alternativa, comunicando-se a alteração à arguida e concedendo-se o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
O recurso foi admitido, mas a requerente não apresentou resposta.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu o seu parecer, no sentido da procedência do presente recurso, pelas razões aduzidas no mesmo e invocando ainda a nulidade da sentença, por ter omitido qualquer pronúncia quanto à existência de negligência.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista no art. 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DO ÂMBITO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes
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