Acórdão nº 368/21.5 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão368/21.5 BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna, no âmbito do Processo Cautelar apresentado por A......, Agente da PSP, requerendo a suspensão da eficácia do Despacho do Ministro da Administração Interna, de 31/03/2021, que o sancionou com a pena de demissão, não se conformou com a Sentença proferida no TAF de Sintra que anulou o referido ato “por erro nos pressupostos de facto e de direito”.

Efetivamente, na própria Sentença de 1ª Instância, depois de ter sido facultado o contraditório às partes, foi decidido que “Verificados os pressupostos processuais de que depende a prolação de Decisão definitiva, nos termos do disposto no artº 121° do CPTA, foram as partes notificadas de Despacho proferidos nesse sentido, não tendo havido oposição.
Assim, e em conformidade com o que consta dos autos, o que cumpre decidir nos presentes autos é a causa principal e não a providência cautelar – artº 121º do CPTA.
(…)
O que importa conhecer é o pedido formulado na ação principal aqui apensa, ou seja, se o ato impugnado deve ser anulado – por violação de lei, erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação do princípio da proporcionalidade, da justiça, da adequação, da necessidade e da igualdade – com as devidas e legais consequências.”

O MAI, inconformado com a Sentença proferida em 4 de dezembro de 2021, veio recorrer da mesma para esta instância, tendo concluído:
“A. A Douta Sentença agora recorrida, salvo douta e melhor opinião, enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, não se encontrando devidamente fundamentada.
B. A Douta Sentença considera que o lapso temporal desde a prática da infração disciplinar até à prolação do despacho punitivo, desmereceria o seu sancionamento disciplinar.
No entanto, o poder disciplinar foi exercido nos termos do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.° 7/90, de 20 de fevereiro, posteriormente revogado pelo Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado em anexo à Lei n.° 37/2019, de 30 de maio.
O procedimento disciplinar encontrou-se suspenso até à conclusão do processo crime, onde o ora recorrido foi julgado pelos mesmos factos, tendo continuado após o transito em julgado da decisão penal.
O despacho punitivo foi proferido dentro dos prazos legalmente previstos, não tendo ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar, nos termos conjugados do n.° 2 do artigo 48.° do EDPSP e do n.° 3 do artigo 121.° do Código Penal.
Como tal, quanto ao efeito do decurso do tempo nas situações jurídicas, o despacho punitivo não padece de qualquer vício, padecendo, outrossim, a Douta Sentença de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não estando devidamente fundamentada.
C. Depois, diz o Tribunal a quo que «não pode o Autor ser sancionado duas vezes pelo mesmo facto, sob pena de violação do Princípio Constitucional ne bis in idem consagrado no art° 29° n° 5 da CRP».
Porém, tal entendimento desconsidera os valores, os princípios, os fundamentos, as funções e os objetivos dos vários ramos de direito, conduzindo a que a Douta Sentença padeça de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
«A decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.»
Assim, o princípio da independência do processo disciplinar face ao processo crime deve ser concatenado com o caso julgado material e o princípio da unidade superior do Estado, através dos quais a Administração encontra-se vinculada aos factos dados como provados na sentença penal condenatória.
Por outro lado, a aplicação de uma sanção penal e uma sanção disciplinar ao ora recorrido pelos mesmos factos não viola o princípio ne bis in idem.
«I - O ilícito disciplinar (que visa preservar a capacidade funcional do serviço) e o ilícito criminal (que se destina à defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade) são dferenciados e autónomos, como diferenciados e autónomos são os processos em que se visa apreciação e punição de cada um deles e, sendo assim, o facto de o arguido ser absolvido em processo crime não obsta, em princípio, à sua punição em processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos e vice versa.
II. — Sendo que os vários ramos do direito têm funções e objetivos próprios e distintos nada impede que os mesmos factos possam desencadear, cumulativamente, sem violação do princípio ne bis in idem responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal.
III. — Nesta conformidade, e por maioria de razão, aquele princípio não será violado se os mesmos factos servirem de fundamento à instauração de procedimento disciplinar e à fixação da respetiva sanção e, juntamente com outros, fundamentarem a apreciação e valoração do mérito e competência profissionais.»
D. Por fim, a Douta Sentença menciona que a pena disciplinar aplicada mostra-se manifestamente desproporcional, não resultando dos factos a impossibilidade de manutenção da relação funcional. Porém, labora em erro.
Resulta do probatório que os factos praticados pelo ora recorrido são qualificáveis como uma infração disciplinar muito grave, atendendo aos deveres violados, ao grau de ilicitude e da culpa, bem como a todas as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar, conforme previsto no artigo 41.° do EDPSP.
Depois, o artigo 46.° prescreve que às infrações disciplinares muito graves são aplicáveis as penas disciplinares de aposentação compulsiva e demissão, sendo que este artigo tem caráter vinculado e não discricionário.
Ora, não tendo o Tribunal a quo procedido à alteração da qualificação jurídica da infração disciplinar, não pode, depois, anular o despacho punitivo, com fundamento na sua desproporcionalidade, porque estamos perante um poder vinculado.
E. Pelas mesmas razões soçobra a afirmação de falta de demonstração da impossibilidade de manutenção da relação funcional.
Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, este Ministério entende que um elemento da Polícia de Segurança Pública, com tudo o que isto implica, que tenha sido condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos artigos 26.°, 143.°, n.° 1, 144.°, alínea c) e 145.°, n.° 1, alínea c) e n.° 2, por referência ao artigo 132.°, n.° 2, alíneas h) e m), todos do Código Penal, não reúne as condições necessárias a ser um elemento das forças de segurança, cuja principal atribuição é manter a ordem pública e assegurar a proteção de todos os cidadãos.
Por conseguinte, a impossibilidade da manutenção da relação funcional é clara e evidente, além de decorrer de um poder vinculado de aplicação da lei.
Não se vislumbra, por outro lado, que o despacho punitivo esteja ferido de erro grosseiro ou seja manifestamente desproporcional à infração praticada.
F. Por tudo o que fica exposto, este Venerando Tribunal Central, enquanto Tribunal de última instância que é, em regra, deve revogar a Douta Sentença recorrida, constituindo uma orientação correta para os tribunais de primeira instância, na apreciação destas questões.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, por provado, e, em consequência, deverá ser revogada a Douta Sentença, ora recorrida, proferida em 3 de dezembro de 2021.”

O aqui Recorrido/A...... veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 6 de janeiro de 2022, concluindo:
“I- Salvo o devido respeito, nenhuma razão assiste ao Recorrente, porquanto, a Douta Sentença em crise, não determina, nem em parte alguma se pronuncia sobre a verificação da prescrição do procedimento disciplinar, bem como o ora Recorrido nunca alegou tal causa de extinção da responsabilidade disciplinar;
II- A Douta Sentença, nesta parte e bem, fundamentou-se em todos os elementos de prova existentes nos autos, mormente no processo administrativo e na factualidade que do mesmo resultou provada;
III- Pois que, os factos que estão na génese do (único) processo disciplinar instaurado ao Recorrido, que culminou com o ato impugnado, datam de 19.01.2011:
IV- Resultando daí que, na data da prática dos factos, o Recorrido tinha apenas 1 ano e 4 meses de polícia;
V- Ora, de acordo com o preceituado na alínea c) do n.° 1 do artigo 39.° do EDPSP: “São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, nomeadamente: c) o pouco tempo de serviço;”;
VI- Sucede que, tal preceito não foi sequer tido em consideração aquando da apreciação jurídico disciplinar dos factos dados como provados no Relatório Final do Sr. Instrutor do processo (cf. Documento 1 da PI do Procedimento Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo - Processo n.° 368/21.5BESNT);
VII- O que bem foi assinalado pela Douta Sentença, porquanto tal inexistência de valoração - em sede de processo disciplinar - inquina o ato impugnado de vicio de violação de lei e erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito que substanciaram a sanção disciplinar aplicada ao Recorrido;
VIII- Por conseguinte, a Douta Sentença recorrida não padece de qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo soçobrar in totum, todos os argumentos aduzidos pelo Recorrente;
IX- Alega o Recorrente que “a douta sentença fez tábua rasa da já longa doutrina e jurisprudência constante sobre esta temática3";
X- Referindo-se o Recorrente ao princípio da independência do processo disciplinar face ao processo-crime que se encontra consagrado no artigo 6.° do EDPSP;
XI- Sucede que, o processo disciplinar - desde a instrução, passando pela fase de Defesa e até ao Relatório Final - teve, apenas e só em...

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