Acórdão nº 3604/22.7YRLSB-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-11

Data de Julgamento11 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão3604/22.7YRLSB-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – Relatório:
JS, assistente nos autos, deduziu incidente de recusa do Exº Juiz de Direito, Dr. …, a exercer funções no Tribunal em epígrafe, ao abrigo do disposto no artigo 45º do Código de Processo Penal (CPP), com fundamento em que:
«1. O Senhor Juiz Requerido é Arguido no processo n.º …. em que o ora Requerente tem a qualidade de Assistente e no âmbito do qual requereu Abertura de Instrução, contra o Senhor Juiz Requerido (…)
2. Foi, de resto, na sequência desse requerimento, que foi determinada a constituição do Senhor Juiz Requerido como Arguido (…)
3. Estes factos e a natureza e a gravidade das acusações que o ora Requerente imputa naquele processo criminal ao Senhor Juiz Requerido determinam que "a sua intervenção neste processo seja considerada suspeita", uma vez que consubstanciam manifestamente, no modo de ver do Requerente, "motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade", nomeadamente para apreciar e decidir o incidente de remoção do estatuto de Assistente promovido pelos Senhores Procuradores da República titulares do Inquérito contra o aqui Requerente (…)
Acresce que
4. O Senhor Juiz requerido prestou depoimento testemunhal na fase de inquérito do processo, que a seu pedido ficou gravado (…)
Ora,
5. Esse depoimento reforça muito essa desconfiança e essa suspeita — todo o depoimento, e nomeadamente o que ali afirmou nos minutos 00:54:03 a 00:54:12
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Pronunciou-se o MMº Juiz:
- especificando a ordem pela qual foram praticados os actos que levaram à constituição do ora requerente como assistente e à sua remoção, a promoção do Ministério Público, no processo de que este incidente é apenso:
- respondendo aos cinco pontos do requerimento nos seguintes termos:
«Sob o ponto 1 é factualmente verdade o afirmado;
Sob o ponto 2 é factualmente verdade o afirmado, cumprindo, com inteireza referir, que, tal requerimento de abertura de instrução, do qual derivou "ope legis" a constituição do Juiz visado como arguido, já foi objecto de decisão instrutória, de não pronuncia nos idos de 06/05/2022 e, do mesmo passo, após várias vicissitudes, referentes à notificação do Senhor JS, também assistente nos referidos autos, após recurso para o STJ, por si feito distribuir, também é factualmente verdade que, por Acórdão de 07/12/2022, já notificado à Defesa do aqui Juiz visado, na mesma data, foi mantida a decisão de não pronuncia, prolatada pelo TRL.
Sob o ponto 4, é verdade que o visado prestou depoimento testemunhal, na fase de inquérito daquele processo 2773/21, que confirma.
Esse depoimento tem uma componente escrita e um registo áudio gravado.
Não sabe o aqui visado se o documento áudio oferecido é cópia fiel do gravado, porque não acedeu a ele.
Lida a transcrição, apresentada pelo Senhor JS, que não consta dos referidos autos, fácil é perceber que, em vários pontos, a mesma não é fidedigna, nem se coaduna com as locuções proferidas pelo aqui visado, mormente no período temporal a que se faz apelo. (…) Logo, continuamos a não vislumbrar em que segmento daquele depoimento de 28/06/2021, prestado perante Magistrada do M.º P.º do DIAP de Lisboa, se reforça a desconfiança que o cidadão aqui Assistente nutre perante o aqui visado quanto à sai imparcialidade para decidir o incidente.»;
- afirmando, entre o mais, que «Ora, a primeira intervenção do signatário nos presentes autos, foi feita em substituição do Juiz Titular, ao abrigo do decidido por despacho do Excelentíssimo Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 07/02/2020, ratificado pela deliberação da sessão de Plenário Ordinário daquele Conselho, realizada em 11/02/2020 e, o disposto no art.º 45.º-A, n.º 1, ai a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais e art.º 86.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Tal primeira intervenção cessou em 29/01/2021 e só foi retomada, como se disse supra, a partir de 06/12/2021, até 03/01/2022, novamente por ordem do Excelentíssimo Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura que, determinou que, o aqui visado, substituísse o Sr. Juiz 2 em todo o seu serviço, ficando o então titular do J2, em exclusividade a tramitar a instrução dos processos 122/13.8 TELSB, 324/14.0TELSB e 5432/15.7TDLSB, até à entrada em funções do novo quadro de magistrados do TCIC, o que veio a acontecer em 04/01/2022.
Pede-se licença para reiterar que, após redistribuição dos processos anteriormente da titularidade do J2, os presentes autos foram novamente distribuídos, em acto presidido, na sequência de escala que passou a existir neste Tribunal em Março de 2021, circunstancialmente, pela Exm.a Juíza Coordenadora deste TCIC Dr.ª Maria Antónia Andrade, em 21/01/2022, ao ora recusando.»;
- concluindo que «não reconhece, portanto, que estas histórias, estes "pedaços de vida", que no exercício da actividade judiciária, meticulosamente se foram recolher ad-nauseam sobre a sua vida e maneira de ser, tenham algo a ver ou possam ser interpretados ou concorrer para uma quebra de imparcialidade na análise dos factos constantes de um requerimento de remoção da qualidade de Assistente, a que faz referência no escrito, como também nada tem o visado a responder às afirmações e juízos de valor que se inferem do escrito do requerimento».
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II- Fundamentação de facto:
1- O ora requerente, na qualidade de assistente, deduziu requerimento de abertura de instrução no processo que correu termos neste Tribunal sob o número … contra o Sr. Juiz ora recusado, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de:
- um crime de abuso de poder, p. e p. no artigo 382.º do CP;
- um crime de falsificação praticada por funcionário, p. e p. n artigo 257.º alínea b) do Código Penal - relativos à entrega do Processo … sem Distribuição e nos demais termos descritos em 9 de setembro e em 18 de novembro de 2014;
- e um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. no artigo 369.º, n.º 1, 2, 3 e 4, do CP.
2- O referido Sr. Juiz foi constituído arguido no referido processo, no seguimento de despacho aí proferido nos seguintes termos: «Considerando que Juiz (…) e MTS passaram a assumir a qualidade formal de arguidos, determino que se proceda à sua constituição formal como arguidos e à sua sujeição a TIR (art.º 58º, n.ºs 2 e 4 e 196º, n.º 1, do Código de Processo Penal».
3- No referido processo foi proferido despacho de não pronúncia do ora renunciado, confirmado em última instância de recurso ordinário pelo Supremo Tribunal de Justiça.
4- Foi proferido despacho de remoção do ora assistente em momento posterior à entrada em juízo do incidente, pelo Juiz ora recusado.
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IIII- Fundamentos de direito:
Os Tribunais são os órgãos de soberania com competência exclusiva para administrar a justiça em nome do povo, em termos de exclusiva sujeição à Lei e ao Direito, com independência e isenção (cf. artigos 32º/1, 202.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa) garantido a mesma CRP o direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisprudencial efectiva (artigo
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