Acórdão nº 3557/22.1T8FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-18

Ano2023
Número Acordão3557/22.1T8FAR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 3557/22.1T8FAR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (requerente) intentou providência cautelar, nos termos do art. 386.º do Código do Trabalho, contra “Pxm – Transportes Rodoviários Urbanos de Faro, S.A.” (requerida), com a finalidade de suspender o seu despedimento.
Citada a “Pxm – Transportes Rodoviários Urbanos de Faro, S.A.”, a mesma não apresentou contestação, pelo que, em 17-11-2022, foi julgada procedente a providência cautelar e, consequentemente, foi declarado suspenso o despedimento.
Notificada a requerida, nos termos dos arts. 98.º-I, n.º 4, al. a) e 98.º-J, do Código de Processo do Trabalho, veio a mesma apresentar articulado motivador do despedimento, pugnando pelo reconhecimento que a sanção de despedimento aplicada ao Autor foi proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, devendo, por isso, ser considerada legítima, razoável e mantida pela presente ação.
A esse articulado, o trabalhador veio responder, contestando e reconvindo, solicitando, a final, que o seu despedimento seja considerado ilícito e, consequentemente, seja a entidade empregadora condenada:
1 – A reintegrar o Autor, ou, caso oportunamente este o decida, a pagar-lhe uma indemnização no valor de €24.358,84;
2 – A pagar-lhe uma indemnização no valor de €1.031,34 pela violação do seu direito de ocupação efetiva; e
3 – No pagamento de juros de mora legais que se vencerem após citação e até integral pagamento.
A entidade empregadora veio responder à reconvenção, solicitando a improcedência, por não provada, da reconvenção, devendo ser absolvida dos pedidos, ou, caso assim não seja decidida a causa, que aos valores das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, sejam deduzidos os rendimentos de trabalho por ele auferidos após o despedimento e que ele não teria recebido não fora o despedimento, bem como o subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído, tudo a apurar em incidente de liquidação.
Proferido despacho saneador, foi admitido o pedido reconvencional, efetuado o saneamento do processo, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova, admitida a prova a realizar e marcado o dia e hora para a audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 30-05-2023, com o seguinte teor decisório:
Em face do exposto julgo a ação improcedente e, em consequência declaro que a R. despediu o A. licitamente pelo que a absolvo do peticionado.
Custas por A., sem prejuízo da isenção de que o mesmo beneficia (cfr.art.527º do CPC e x vi art.1º nº 2 al. a) do CPT).
Fixo o valor da ação em €25 390,18.
Notifique e deposite.
Inconformada com tal sentença, o trabalhador veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. O recurso de apelação é interposto de uma Sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Faro - Juíz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na ação de "Impugnação Jud. Regul. e Licitude do Despedimento" proposta pelo Autor (Recorrente) contra a Ré.
B. O Tribunal a quo considerou o despedimento do Autor como lícito e absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.
C. O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em incorreta aplicação do direito aos factos, especificamente no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade e da coerência.
D. O Tribunal a quo considerou provados alguns fatos relacionados com a conduta do Autor, incluindo a falta de emissão de bilhetes de transporte e a entrega de um bilhete referente a uma viagem anterior a um passageiro.
E. Considerou, ainda, como não provado que o Autor não tivesse a intenção de se apropriar das quantias.
F. Contudo, é pacífico que a não prova de um facto não resulta na prova automática do “facto contrário”.
G. Por isso, o Recorrente argumenta que não foi provado que tivesse agido com dolo ou intenção de reter o valor dos bilhetes.
H. Por esse motivo, considera o Autor que a sua conduta não foi tão grave que tornasse impossível a subsistência da relação de trabalho.
I. O Recorrente destaca que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, e que outras sanções poderiam ter sido aplicadas no lugar do despedimento.
J. O Recorrente critica a absolutização do valor da "confiança" pela Ré e argumenta que a proporcionalidade deve ser considerada, levando em conta critérios objetivos.
K. O Recorrente menciona a jurisprudência e o princípio da proporcionalidade, afirmando que outras sanções deveriam ter sido consideradas antes do despedimento.
L. O Recorrente ressalta que não foram apresentadas provas de que a conduta do Autor afetou negativamente o ambiente de trabalho ou o equilíbrio da organização.
M. O Recorrente conclui que existiam condições para a manutenção da relação laboral entre as partes e, portanto, o despedimento do Autor seria ilícito.
N. Além disso, o Recorrente alega que a falta de coerência disciplinar por parte da Recorrida é a causa da ilicitude do despedimento.
O. A Recorrida refuta essa alegação de violação do princípio da coerência disciplinar.
P. O Tribunal a quo considerou que a falta de coerência disciplinar não se verifica e que a factualidade e as consequências do processo disciplinar são distintas entre o Recorrente e outros trabalhadores por aquele apontados, não havendo incoerência disciplinar.
Q. Não obstante, a coerência disciplinar é relevante na apreciação da justa causa e visa evitar práticas arbitrárias, impondo transparência ao empregador na definição de critérios e interesses decisivos da organização.
R. O poder disciplinar do empregador deve ser exercido segundo critérios de justiça e não de forma arbitrária, conforme referências bibliográficas de Monteiro Fernandes e Jorge Leite e Coutinho de Almeida.
S. A prática disciplinar da empresa é um critério de uniformização disciplinar e visa evitar tratamentos desiguais ou discriminatórios, em conformidade com o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente.
T. A jurisprudência também reconhece que o poder disciplinar do empregador deve ser exercido segundo critérios de justiça, respeitando o princípio da igualdade.
U. Embora haja diferenças objetivas e subjetivas nos casos concretos apresentados pelo Recorrente, questiona-se se essas diferenças justificam a disparidade nos tratamentos disciplinares, mencionando os casos de CC e DD.
V. O Recorrente destaca que, no seu caso, além da omissão de emissão de um bilhete, houve a entrega de outro bilhete referente a uma viagem anterior com recebimento do preço das duas viagens, questionando se isso justifica a diferença de sanção aplicada.
W. O Código de Trabalho prevê diversas sanções disciplinares, incluindo a suspensão do trabalho, que não pode exceder 30 dias por infração e 90 dias por ano civil.
X. É incompreensível que a Recorrida tenha optado pelo despedimento, considerado uma "bomba atómica" das sanções disciplinares, em vez de uma suspensão mais próxima do limite máximo permitido.
Y. Recordando-se, para o efeito, que não se comprovou a intenção de apropriação das quantias recebidas pelo Recorrente.
Z. Com base em tudo o que consta nos autos, entende-se que o Tribunal errou ao decidir pela legalidade do despedimento, considerando que violou os princípios da proporcionalidade e coerência disciplinar.
AA. Portanto, a sentença recorrida deve ser revogada e a Recorrida deve ser condenada conforme solicitado pelo Recorrente.
Assim expostas ao subido escrutínio de Vossas Excelências as alegações e conclusões apresentadas pelo recorrente, vem o mesmo apelar a que se faça, por Vossa mão, a merecida JUSTIÇA!
Pelo exposto, requer-se a admissão do presente recurso e respectivas alegações, e em consequência, que seja revogada a decisão recorrida, com todas as legais consequências.
A entidade empregadora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida.
O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Subidos os presentes autos a este tribunal, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.
Não houve respostas ao parecer.
Foi recebido o recurso neste Tribunal nos seus precisos termos e foram colhidos os vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Violação do princípio da proporcionalidade; e
2) Violação do princípio da coerência disciplinar.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. Em 31 de Outubro de 2019 por acordo escrito realizado entre A. e R. a partir de 4 de Novembro de 2019 esta admitiu aquele ao seu serviço para realizar a atividade de motorista de serviços públicos, com horário móvel, 40 horas por semana, em Faro, mediante a retribuição mensal ilíquida de €805,35 reportando a antiguidade, para efeitos de vencimento de diuturnidades, a 13 de julho de 1999.
2. O A. exercia as funções de motorista de automóveis pesados de passageiros, em regime de agente único, como tal se considerando o regime de trabalho em que, além das funções próprias de motorista, são exercidas, também, as principais tarefas de cobrador bilheteiro,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT