Acórdão nº 35/19.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-05-11

Ano2023
Número Acordão35/19.0T8STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 35/19.0T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca ...
Juízo de Comércio ... - Juiz ...


I. Relatório
AA, residente na Urbanização ..., em ..., intentou a presente “acção especial para fixação judicial do prazo para reembolso de suprimentos”, contra A..., Lda., com sede na Estrada ..., ..., ..., pedindo:
- fosse fixado o prazo de 30 (trinta) dias para a ré proceder ao reembolso dos suprimentos por si efetuados, no valor total de € 371.064,54;
- a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 371.064,54, acrescida dos respetivos juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis, desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que é sócio da ré e foi seu gerente desde a data da sua constituição, em 21/2/1963, até 28/03/2017. Entre 31/12/2011 e 31/03/2017, fez entrega à demandada de diversas quantias a título de empréstimo, cujo total ascende a € 371.064,54, as quais se destinaram a fazer face a dificuldades de tesouraria. Tais empréstimos, que se encontram reflectidos na contabilidade, devem ser qualificados como suprimentos, estando a ré obrigada à sua restituição.
Mais alegou que já solicitou a restituição das quantias emprestadas, o que a demandada ainda não se dispôs a fazer apesar de ter disponibilidade financeira para proceder ao seu reembolso total e imediato, devendo ser fixado o prazo de 30 dias para o efeito.
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Citada a Ré, apresentou contestação, peça na qual se defendeu por impugnação, alegando que o autor, sócio maioritário, sempre foi o seu único gerente, podendo ordenar, conforme ordenou, a contabilização como suprimentos das quantias que discriminou na petição inicial, ou quaisquer outras, sem dar satisfações a ninguém, mas tal não corresponde à verdade. Estão em causa, alegou, receitas extraordinárias da ré, cujos montantes entravam na caixa e diversos, sendo depositados pelo autor na sua conta bancária e, posteriormente, por ele transferidos para a conta da sociedade e afectadas ao pagamento das despesas societárias, pelo que nada lhe é devido.
Acrescentou que não foi celebrado qualquer contrato de suprimento, quer verbalmente, quer por escrito, inexistindo deliberação social tomada em assembleia que ateste a aceitação da sociedade, omissão não suprida pela inscrição dos suprimentos na contabilidade, a que não pode atribuir-se o valor de aceitação.
Conclui que não havendo reconhecimento da obrigação, como não há, não pode proceder-se à pedida fixação judicial de prazo, não devendo ter lugar “convolação processual”, porquanto, atendendo ao pedido concretamente formulado, não existe erro na forma do processo, impondo-se antes a improcedência da acção.
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Frustrada a tentativa de conciliação e dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho a determinar que os autos prosseguissem como acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, com aproveitamento de todo o processado.
Saneado o processo, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência final, no termo da qual foi proferida sentença que, na procedência parcial da acção, decretou como segue:
1) Condenou a ré a restituir ao autor a quantia de € 371.064,54 (trezentos e setenta e um mil e sessenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de suprimentos, acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável aos actos civis, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento (tal como peticionado).
2) Fixou o prazo de reembolso dos suprimentos referidos em 1) nos seguintes termos: reembolso da quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) no prazo de 30 dias; reembolso do remanescente no prazo de seis anos, com um período de carência de um ano, devendo 1/5 da referida quantia ser entregue até final do segundo ano (atento o período de carência), 1/5 até final do terceiro ano e assim sucessivamente até final do prazo.
3) As custas ficaram a cargo do autor e da ré, na proporção do decaimento, fixado em 1/6 para o primeiro e 5/6 para a segunda – artigo 148.º do CIRE e artigo 6.º, n.º 1, do RCP e Tabela I-A anexa.
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Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes concussões:
A. Não existem actas, nem foram feitas Assembleias donde conste a aprovação e as condições em que foram feitos os alegados suprimentos.
B. O artigo 4.º do Pacto Social, cuja cópia consta do Relatório Pericial, exige que para serem considerados suprimentos, terão de ser provados por acta.
C. Ao considerar que existiram suprimentos, a sentença viola o pacto social, pois nem assembleias existiram.
D. Por não ter considerado este ponto, que consta da contestação, a sentença omitiu um dos aspectos plausíveis da melhor solução de direito.
E. A sentença viola assim o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que deve ser interpretado no sentido de que o Juiz deve considerar todas as soluções plausíveis de Direito.
F. A sentença viola igualmente o artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, pois a não existência de Assembleias exigidas pelo Pacto Social, torna as decisões nulas.
G. A Assembleia Geral, constituída pelos sócios, manifesta a vontade a que se chegou no acordo ou na maioria, dos sócios, que é a posição da sociedade.
H. A falta das actas torna nulas todas as alegadas operações contabilísticas alegadas pelo Autor.
I. A nulidade, nos termos do artigo 286.º do Código Civil, é invocável a todo o tempo e é de conhecimento oficioso.
J. A declaração de nulidade das operações contabilísticas ajuizadas, desconsidera a qualificação de suprimentos, que lhe foi dada pela sentença, bem como todo o regime jurídico que lhe foi aplicado.
K. As operações contabilísticas ajuizadas terão assim de ser qualificadas com empréstimos de terceiro, no caso de serem provadas.
L. A sentença não considera em lado nenhum que existiram empréstimos de terceiro. Mas sempre suprimentos, bem como o pedido do Autor se refere a devolução de suprimentos.
M. Os factos dados como provados são fundamentalmente os que constam do Relatório Pericial e da contabilidade da Ré.
N. Estes não são suficientes para provar um empréstimo, pois todo o tratamento é feito como suprimentos.
O. Não estão provados os empréstimos, porque nem sequer foram alegados.
P. A Ré não deve assim nada ao Autor.
Q. A decisão de considerar que a Ré pode devolver de imediato a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros) foi decisão surpresa, sem ter matéria de facto que a fundamente e sem ter sido dada oportunidade à Ré para a contraditar, o que viola o princípio do contraditório, contido no artigo 3.º do CPC, que deve ser interpretado no sentido de dar ser oportunidade à contraparte de se pronunciar.
R. Nos termos do artigo 651.º do CPC, n.º 1, 2.ª parte, pode a Recorrente juntar o documento da concessão do empréstimo, comprovativo de que este dinheiro não pode ser utilizado para pagamento de suprimentos.
S. Não podem ser dados como provados os factos constantes da matéria fixada nas alíneas D), E), G), H), J) e L) dos factos provados.
T. Com a declaração de nulidade, toda a matéria da sentença deixa de fazer sentido e o pedido tem de improceder.
Requereu a final a revogação da sentença e sua substituição por outra que declare improcedente o pedido formulado pelo A.
Contra alegou o A., pronunciando-se pela inadmissibilidade do documento e pela impossibilidade de ser conhecida a invocação do artigo 4.º do pacto social, por constituir questão nova, subtraída portanto aos poderes de cognição deste Tribunal.
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Questão prévia: da admissibilidade do documento junto com o recurso
Com as alegações de recurso apresentou a recorrente o contrato de empréstimo celebrado com o (…) Banco, tendo em vista contrariar parte do facto assente em J), que sustentou a condenação da apelante a restituir ao autor no prazo de 30 dias o montante de € 100.000,00.
Alegou, em ordem a justificar a junção, que se trata de facto procedente das declarações prestadas em audiência pelo seu legal representante. tendo sido surpreendida com a decisão, uma vez que está em causa um empréstimo concedido no âmbito dos apoios criados
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