Acórdão nº 342/19.1PBLRS.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-27

Ano2022
Número Acordão342/19.1PBLRS.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. No âmbito de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juiz 14 do Juízo Local Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 342/19.1PBLRS, após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 17-09-2021, com a refª 408592650, constante de fls. 212 e ss, relativamente ao arguido NMR______ , através da qual o mesmo foi condenado nos seguintes termos (transcrição):
“VII. Decisão:
Face ao exposto, o Tribunal decide:
1 ─ Condenar o arguido, NMR______ , pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante de 935 € (novecentos e trinta e cinco euros), subsidiariamente, 113 (cento e treze) dias de prisão.
2 ─ Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil de fls. 100 e seguintes e, em consequência, condenar o arguido, NMR______ , a pagar à SGHL – SOCIEDADE GESTORA DO HOSPITAL DE LOURES, S.A., o montante de 95,91 € (noventa e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento e contados desde a data da notificação ao arguido do pedido de indemnização civil.
3 ─ Condenar o arguido, NMR______ , nas custas, com a taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC’s.
Deposite (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).
Remetam-se boletins ao registo criminal (artigo 374º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal).”
II. Inconformado com a sua condenação, veio o arguido interpor recurso em 18-10-2021 (refª 30553843), junto a fls. 233 e ss, através do qual oferece as seguintes conclusões:
“I – DA DECISÃO RECORRIDA
A) O Digníssimo Tribunal a quo, decidiu, por Sentença que ora se recorre, condenar o Arguido:
i. pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples,
ii. no pagamento do pedido de indemnização civil, julgado procedente por provado;
iii. nas custas, com a taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC’s.
B) O que, com o devido respeito, não se pode aceitar, porquanto não foi produzida prova que sustente a Decisão que ora se recorre, existindo ainda um erro notório na apreciação da Prova.
II – DOS FACTOS
- DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL –
C) O Digníssimo Tribunal a quo dá como provado, nomeadamente os factos 2 a 8, com fundamento nas declarações prestadas em Audiência de Julgamento pelo Arguido, pelo Ofendido, bem como pelas testemunhas , assim como o teor de fls. 6 e 9, 10 a 12 e 21.
D) Sucede que os referidos Depoimentos implicam uma Decisão diferente da proferida.
E) Desde logo, cumpre atender à motivação de facto, cujos trechos que aqui importa se transcrevem:
i. “O Arguido, prestando declarações sobre os factos, afirmou que não desferiu nenhuma cabeçada nem socos no ofendido (o que não corresponde à verdade, uma vez que o Arguido confessou, por diversas vezes que deu um e apenas um soco ao Ofendido).
Explicou que estavam em Santos e lá se criou este conflito entre os dois. (…) no decurso da qual o ofendido chegou a dizer que praticava artes marciais. Depois, viu o ofendido a vir na sua direção, sentiu-se ameaçado e agiu em autodefesa, dando um soco ao ofendido sendo que, mal fez isto, começaram-se a juntar amigos dele e começaram a bater -lhe a si e ao seu amigo.”
ii. “O ofendido, NR______ , referiu (…) que não foi o seu grupo de amigos que provocou, mas houve agressões mútuas. Não se lembra de o arguido o agredir.”
iii. “TS____, referiu que (…) Já todos tinham consumido álcool e os ânimos exaltaram-se. Houve provocações da parte de ambos, mas acha que começaram com o arguido. Depois cá fora do bar é que se gerou uma confusão, com a intervenção de indivíduos que nem sabia lá estarem. (…) O início da luta não conseguiu assistir porque estava ao lado de um dos amigos. (…) Não viu as agressões entre o arguido e o ofendido.
Sabe que o NR______ praticou uma arte marcial no passado, mas não sabe qual.”
iv. “PB_________, disse que (…) as coisas descambaram, o NR______ foi agredido e depois foram todos agredidos. (…). Não sabe se o NMR______ agrediu mais o NR______ porque também estava na confusão e não viu. (…) Sabe que o ofendido já praticou artes marciais(…).
v. “JD______ , referiu que no dia e hora refe ridos na acusação, houve uma confusão, tendo várias pessoas batido nas pessoas do seu grupo de amigos que eram poucos. (…). Não viu como começou a confusão. Não viu se o arguido agrediu o NR______ porque deixou de o ver.”
F) Após a sumula dos Depoimentos supra transcrita, o Digníssimo Tribunal a quo, refere que “logrou o Tribunal convencer -se de que o arguido desferiu uma cabeçada no ofendido, quer porque a mesma foi presenciada pela testemunha PB_________, quer porque as lesões apresentadas pelo ofendido no próprio dia dos factos são com tal agressão coincidentes.”
G) Continuando, “(…)ficou o Tribunal convencido de que o arguido agrediu aquele com socos na face, boca e membro superior direito, sendo certo que o arguido admitiu ter desferido um soco no ofendido, afirmando que o fez em legítima defesa, não invocando, porém, para tal, qualquer facto que, por si só, justificasse essa suposta legítima defesa.”
H) Note-se desde logo que o Arguido confessou, por diversas vezes, que deu um (e apenas um) soco ao Ofendido, conforme se transcreverá infra, sendo certo Ofendido não conseguiu identificar quem o agrediu e como foi agredido.
I) Por outro lado as Testemunhas TS____ e JD______ , não viram qualquer agressão perpetrada pelo Arguido.
J) Assentando assim a convicção apenas no Depoimento da Testemunha PB_________, que salvo o devido respeito, não merece mais credibilidade que as demais Testemunhas e que o próprio Arguido que, repita-se, confessou uma única agressão.
K) Note-se no entanto que o Depoimento de PB_________ não é isento, porquanto refere sempre que foi o Arguido que provocou o tumulto, no entanto não se recorda das provocações. Apenas sabe que o NR______ não provocou o Arguido…. Ora se desconhecia em absoluto do que falavam e o que deu origem ao conflito, como pode responsabilizar o Arguido?!? Certamente será uma convicção sua, mas que não resulta da narração dos factos.
L) Pelo que, o Arguido não aceita nem concebe, que a factualidade vertida nos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, tenha sido de facto provada, nem a conclusão de que as lesões apresentadas pelo Ofendido foram causadas pelo Arguido, através de socos na face, boca e membro superior direito.
M) Uma vez que de todos os Depoimentos resulta que existiram agressões mútuas entre o grupo de Amigos do Arguido e do Ofendido.
N) Pelo que, o Digníssimo Tribunal a quo tinha necessariamente de equacionar se as referidas lesões não foram resultado de agressões de terceiros, que se juntaram à “rixa” e permanecendo em dúvida o real responsável pelas agressões, impunha-se que o Digníssimo Tribunal a quo, em estrito cumprimento do Principio de in dúbio pro reu, concluísse de forma diferente.
O) O Arguido declarou também, por diversas vezes que sentiu medo, uma vez que o Ofendido lhe tinha dito em tom ameaçador que era praticante de artes marcais, por ser de estatura mais alta, e que este se dirigiu e temeu que lhe batesse. E só por estes factos, motivado pelo medo, desferiu um soco no Ofendido, quando este se aproximou, convicto que o iria agredir, em Legitima Defesa.
P) Esta prática de Artes Marciais, foi confirmada por todas as outras Testemunhas, pelo que desde logo é credível o Depoimento do Arguido.
Q) Nestes termos, desde já se Requer a V.Exas., Venerandos Desembargadores, se Dignem Declarar Nula a Decisão de que ora se Recorre, porquanto a mesma padece de contradição insanável entre a Fundamentação de Facto e a Matéria de Facto dada como provada.
- DOS DEPOIMENTOS –
R) O Arguido confessa ao longo do seu depoimento que de facto, desferiu um soco na face do Ofendido, contextualizando contudo que o fez motivado pelo medo e em legítima defesa. Porquanto o Ofendido já o havia ameaçado, referindo que praticava artes marciais e por aquele ser de maior estatura e que posteriormente, os grupos de amigos de ambos envolveram-se em confrontos.
00:16 – Arguido – (…), e o NR____ até chegou a dizer que praticava, a meio da discussão, ameaçou-me dizendo que praticava artes marciais e eu vi o NR____ a vir na minha direcção e senti-me ameaçado e reagi em autodefesa e dei-lhe um soco na face, na face esquerda, se não estou em erro.
01:21 – Arguido – Depois vejo-o a vir na minha direcção, senti-me ameaçado e em autodefesa, dei-lhe um soco. A partir do momento que lhe dei um soco, os Amigos dele juntaram-se, vieram para cima de mim, …, eu até me afastei nessa altura, gerou-se ali uma confusão.
01:42 – Arguido – Dei-lhe um soco e mal lhe dei um soco, começou-se a juntar imensa gente, do grupo dele, começaram-me a bater a mim e ao meu Amigo, (…) eu até me afastei e não tive mais contacto com o NR____.
02:06 – Arguido – Eu também estou arrependido do que fiz, ambos já tínhamos estado nos copos, já devíamos ter bebido a mais, acho que foi uma situação que devíamos ter ponderado melhor e evitado as agressões.
03:50 – Arguido – Não, nunca o tinha visto o NR____.
04:47 – Arguido – Quando o NR____ veio falar comigo (…), foi nessa altura, começamos a discutir, ele ameaçou-me, e eu senti-me, vejo a vir na minha direcção e pensava que me ia agredir e dei-lhe um soco primeiro, para me defender, como ele era mais alto.
06:03 – Arguido – Sim, estávamos a beber (…), sim, sim.
06:25 – Arguido – Aproximou-se para me ameaçar, e dei-lhe um soco sim.
06:48 – Arguido – como eu já tinha referido (…) antes da conversa, (...) informou de uma maneira ameaçadora que praticava artes
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