Acórdão nº 34/22.4T8PRD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-03-2022

Data de Julgamento22 Março 2022
Ano2022
Número Acordão34/22.4T8PRD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 34/22.4 T8PRD.P1
Comarca do Porto Este – Juízo de Família e Menores de Paredes – Juiz 1
Apelação
Recorrentes: AA e BB
Recorrido: Ministério Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Os autores AA, de nacionalidade romena, e BB, de nacionalidade portuguesa, intentaram a presente ação de processo comum contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que se declare que são unidos de facto há mais de três anos para efeito da aquisição pela autora da nacionalidade portuguesa.
A Mmª Juíza “a quo”, na sua primeira intervenção no processo, proferiu o seguinte despacho:
“AA e BB instauraram a presente ação de processo comum contra o Estado Português, pedindo que se declare que são unidos de facto há mais de 3 anos, para efeito de aquisição pela autora da nacionalidade portuguesa.
Ocorre, no caso vertente, exceção dilatória, de conhecimento oficioso, impeditiva do prosseguimento dos autos, e da qual se pode conhecer de imediato, uma vez que seria manifestamente desnecessário o cumprimento do contraditório, dada a simplicidade e a natureza da questão que se suscita (art.º 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil).
O artigo 60.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estatui que a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código.
Dispõe o artigo 37.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), em consonância com o n.º 2 do artigo 60.º do Código de Processo Civil que, na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.
No que concerne à competência em razão da matéria, o regime regra está consagrado nas normas dos artigos 64.º e 65.º do Código de Processo Civil e do artigo 40.º da LOSJ, segundo as quais os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Nos termos do artigo 117.º, n.º 1, da LOSJ, compete aos juízos centrais cíveis, além de outras competências, a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00 (alínea a) e as demais competências conferidas por lei (alínea d), enquanto os juízos locais cíveis têm uma competência residual (artigo 130.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[1]).
Aos juízos de família e menores, por seu turno, incumbe julgar as causas elencadas nas diversas alíneas dos artigos 122.º, 123.º e 124.º, da LOSJ, constando da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º, as ações relativas ao estado civil das pessoas e família (alínea g)).
No caso vertente, a ação instaurada é uma causa de simples apreciação positiva, para reconhecimento de uma situação de união de facto, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, de acordo com a previsão do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril), que preceitua que o cidadão estrangeiro que viva em união de facto há mais de três anos com um nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, mediante declaração, desde que essa situação esteja reconhecida em ação própria.
Neste mesmo preceito legal se estabelece que essa ação de reconhecimento da situação de união de facto deve ser proposta no tribunal cível.
À data dessa alteração introduzida pela mencionada Lei Orgânica n.º 2/2006, segundo a estrutura e o regime de organização judiciária vigente, então definido na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro), já eram os tribunais comuns (e cíveis) os competentes para conhecer do mérito das ações relativas ao reconhecimento da união de facto, assim se tendo renovado, na Lei da Nacionalidade, essa atribuição de competência material.
Não existia então na atribuição de competências aos tribunais de família e menores aquela que hoje consta da alínea g) do n.º 1 do artigo 122.º da LOSJ, pelo que, mesmo que sem a alteração da referida lei orgânica na Lei da Nacionalidade, a competência para o julgamento daquelas ações cabia sempre a um tribunal cível.
Sucede que o legislador optou por ser específico e, de entre os diferentes tribunais judiciais, definiu na Lei da Nacionalidade que seriam os tribunais cíveis os competentes, o que se encontrava de acordo com a aplicação das regras gerais da LOFTJ, não constituindo esta definição uma exceção às respetivas regras.
Mas, como vimos, com a aprovação da LOSJ pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, surgiu uma nova atribuição de competências dos tribunais judiciais e a competência para julgar ações sobre o estado das pessoas e família passou a ser dos tribunais de família e menores, devido ao aditamento constante da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ.
Contudo, na Lei da Nacionalidade nada mudou, mantendo-se a atribuição de competência específica aos tribunais cíveis, constante do artigo 3.º, n.º 3.
Sendo esta uma norma especial, não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu com a entrada em vigor da LOSJ, prevalecendo sobre a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), desse diploma legal.
O legislador especificamente atribuiu competência para o julgamento desta ação aos tribunais cíveis, suplantando as regras gerais de competência dos diferentes tribunais judiciais especializados constantes da LOSJ, por força da aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, que introduziu alterações à Lei da Nacionalidade.
Nesta conformidade, a competência para o julgamento das ações de reconhecimento das situações de união de facto com duração superior a três anos, como requisito para a aquisição da nacionalidade portuguesa, por declaração, pertence aos tribunais cíveis, não se aplicando a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ.
Logo, ao abrigo do preceituado nos art.ºs 96.º, a), 97.º, n.º 2, 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, a), e 578.º do Código do Processo Civil e 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, deste tribunal e, em consequência, absolvo o réu da instância.
Custas pelos autores – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil.
Fixo à causa o valor de €30.000,01.”
Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os autores que finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – A ação intentada com vista à obtenção do reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para efeitos dos nºs 2 e 4, do artº 14º, do DL n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), integra a previsão do artº 122º, n.º1, alínea g) da Lei da Organização do Sistema Judiciário;
II. É que, ao aludir a referida alínea g) do nº 1 do art.122º da lei 62/2013, a acções relativas ao estado civil das pessoas, o legislador utilizou tal expressão – na sua acepção mais restrita – atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, e, com o sentido e desiderato de abranger toda e qualquer acção que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida. (sic Sumário acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11-12-2018, processo 590/18.1T8CSC.L1-6).
III. A presente ação destina-se ao reconhecimento da situação de união de facto em que vivem os requerentes, com vista a aquisição de nacionalidade Portuguesa.
IV. Dispõe o artigo 65º do C.P.C. que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
V. Também a Lei 62/2013 de 26.08, em perfeita consonância com a CRP, respetivamente no seu artigo 211, n.º 2 diz que “Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas”.
VI. Os tribunais de família e menores de juízos de competência especializada preparam e julgam as causas elencadas no artigo 122º da LOSJ.
VII. O artigo 14º nºs 2 e 4 do D.L. nº 237-A/2006 de 14/12 dispõem que “O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto”.
VIII. Ora tendo de se observar as condições análogas às dos cônjuges, tudo nos remete para o âmbito do direito da família, subentendendo-se por analogia a aplicabilidade da al. g) do artigo 122º da LOSJ.
IX. Assim ao aludir a al. g) do artigo 122º da LOSJ, a ações relativas ao “estado Civil” das pessoas, o legislador utilizou tal expressão na sua acepção mais restrita, atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas
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