Acórdão nº 3388/16.8T9PDL-A.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-03-2022

Data de Julgamento10 Março 2022
Ano2022
Número Acordão3388/16.8T9PDL-A.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



I.RELATÓRIO


1.1.Nos autos de instrução nº 3388/16.8T9PDL que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada - Juízo Instrução Criminal, por despacho de 8.10.2021, o Sr. Juiz de Instrução rejeitou parcialmente o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido EMPP______.
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1.2.Inconformado com esse despacho, dele recorreu o arguido EMPP______, extraindo da sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
1)- A faculdade concedida pela lei, através da instrução, de colocar em crise a acusação deduzida, apenas poderá ser conseguida através da sustentação em debate contraditório do conjunto, em bloco, das razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação constantes do requerimento de abertura de instrução, e do oferecimento de novos elementos de prova, ou da discussão da sua inadmissibilidade legal, ou seja, através da ponderação de todos os argumentos e provas da ilegitimidade investigatória, da inexistência de dolo, da inocência do Arguido ou da não participação nos factos que lhe são imputados.
2)- Considerar que a lei permite rejeitar, discricionariamente, parte das razões invocadas no requerimento de abertura de instrução, ou que consinta em não se discutir a invocada inadmissibilidade de determinados meios de prova, e ainda que, uma vez assim decidido, contra a lei, permitisse consagrar a irrecorribilidade do despacho que, dessa forma, atingiu o conteúdo tão essencial das garantias de defesa consagradas no art° 32°, n° 1, da CRP, seria uma inconcebível limitação dos direitos dos arguidos.
3)- O requerimento apresentado para a abertura da Instrução não pode sofrer reduções de conteúdo, de forma arbitrária e sem suporte legal e, mais grave, violando norma expressa que o impede (cfr n° 3 do art° 287° do CPP)
4)- É direito do arguido e uma das suas garantias de defesa, que o conteúdo essencial do seu requerimento de abertura de instrução seja apreciado de forma plena e não cerceada, visando a não comprovação da acusação em ordem à não submissão da causa do julgamento.
5)- E é ainda seu direito fundamental que uma vez postos em causa esses seus direitos fundamentais, sobretudo quando esse descumprimento lhe trás um manifesto prejuízo, se lhe reconheça consagração legal da possibilidade de recorrer, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.
6)- A 'investigação autónoma' conferida ao Juiz de instrução está balizada pelos princípios constitucionais das 'garantias de defesa' do n° 1 do art° 32° da CRP, devendo o conteúdo da Instrução ser delimitado pelo requerimento apresentado e a seleção de actos de instrução nortear-se sempre pelas próprias finalidades da instrução.
7)- Por outro lado, a decisão do Meritíssimo juiz de Instrução ora impugnada só será legal se o acto por si praticado, for aquele que a lei o autoriza a praticar. No caso sub Júdice, ao rejeitar liminarmente parte do conteúdo do requerimento instrutório do arguido, já defendemos a sua ilegalidade por violar, nomeadamente, o n° 3 do art° 287° do CPP e, num segundo momento, e em última instância, entender-se que este acto ilegal não poderia ser impugnado, violaria a Constituição da República Portuguesa, mormente as garantias de defesa consagradas no n° 1 do art° 32°.
8)- E estas garantias de defesa consagradas no n° 1 do art° 32° englobam todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação.
9)- Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas.
10)- Um dos pressupostos da garantia de defesa do processo criminal é, precisamente, o direito dos arguidos requererem a abertura de instrução, configurada esta pelo conjunto de actos que a terem lugar e dominados pela mesma ideia comum que caracteriza esta fase do processo penal: a comprovação da acusação em ordem à submissão ou não da causa a julgamento.
11)- E, se com um acto decisório configurado como gozando de 'total discricionariedade' e dependente apenas da livre resolução do tribunal, sem possibilidade de ser sindicado em sede de recurso, se negar os actos de instrução requeridos pelo arguido, estaremos a deixar o caminho aberto para o livre arbítrio e, de forma directa e sem quaisquer rodeios, frustrar um dos direitos consagrados aos arguidos no âmbito do processo penal: o de efetuarem a comprovação da acusação em ordem à submissão ou não da causa a julgamento.
12)- O permitir-se, na instrução, que o arguido esgrima a sua defesa, apresente a versão dos factos que lhe são imputados e os possa refutar, carreando para os autos elementos de prova que ilidam aquela recolhida em fase de inquérito, é a consignação cabal das garantias de defesa consagradas no n° 1 do art° 32°, da CRP.
13)- Levar o princípio da investigação autónoma do juiz do caso submetido a instrução ao extremo da livre discricionariedade sobre os atos de instrução a praticar é, em concreto, atingir o conteúdo essencial das garantias de defesa consagradas no art° 32° da CRP.
14)- Por ultimo, esse entendimento de que o douto "despacho saneador" que descumpriu as normas supra referidas, e permitiu, na prática, rejeitar o requerimento de abertura da instrução em parte substancial do seu argumentário, sem que tal se suportasse em norma processual e, mais grave, sem que ao arguido fosse possível "inverter" o destino decisório traçado, que obviamente acabou contagiando a douta decisão de pronuncia, não pudesse vir a ser declarado nulo e sem efeito por via de recurso, e substituído por outro que aceite a totalidade das razões de facto e de direito do requerimento instrutório, é interpretação manifestamente inconstitucional dos art.ºs 287 n° 2 e 3, 308 n° 1 "a contrario" e 310° todos do CPP.
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1.3.Respondeu o Mº Pº pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido
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1.4.Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Sr. Procurador-geral Adjunto sufragado os argumentos invocados pelo MP da 1ª instância.
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1.5.Foi cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
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1.6.Após os vistos legais foi o processo submetido à conferência.
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IIFUNDAMENTAÇÃO

2.1.-Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
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2.2.-Em face das conclusões formuladas a questão a decidir consiste em saber da admissibilidade legal da rejeição parcial do requerimento de abertura de instrução deduzida pelo arguido em face da prolação do libelo.
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2.3.-A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
Vem o coarguido EMPP______, em tempo e tendo legitimidade e interesse em agir para tal [art. 287º/ 1 (corpo) do Código de Processo Penal (CPP)], requerer a abertura de instrução relativamente à acusação pública contra si deduzida de 02.07.2021, imputando-lhe a prática: em coautoria (com a arguida Santa Casa da Misericórdia de Nordeste), como instigador, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 256º/ 1/ d) e e) e 11º/ 7 e 12, ambos do Código Penal (CP); em coautoria (com a mesma arguida) de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º/ 1, 218º/ 2/ a), 202º/ b) e 11º/ 7 e 12, todos do CP; e, em autoria material e na forma tentada, um crime de extorsão, p. e p. pelos arts. 223º/ 1 e 3/ a), 204º/ 2/ a), 202º/ b), 23º/ 1 e 2 e 73/ 1, todos do CP, alegando, em suma: (i) que AD____ foi ilicitamente arrolada como testemunha, na acusação, porquanto detém a qualidade de arguida; (ii) que o presente processo se arrima em queixas anónimas, fora dos parâmetros legais, o que consubstancia uma nulidade que afeta todo o processado; (iii) e um conjunto de factos consistentes em contraversões dos episódios narrados nos pontos II a IV da acusação relativos a MS____ e a SP____.
Apreciando liminarmente.
No caso dos autos, à luz do disposto nos arts. 286º/ 1 e 290º/ 1, ambos do CPP, esta fase processual facultativa (art. 286º/ 2 do CPP) tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de acusação pelos factos narrados no libelo acusatório, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento (sendo por isso, também este, o objeto da instrução).
Nesta conformidade, a atividade do juiz de instrução criminal dirige-se, tão só e apenas, ao acerto ou desacerto da decisão do Ministério Público, traduzindo-se a comprovação judicial na confirmação, corroboração ou demonstração de que a acusação é, ou não, nas palavras do autor Pedro Daniel dos Anjos Frias, “o fruto são de um pomar, se é decorrência dos factos apurados e dos meios de prova recolhidos no inquérito e aí analisados pelo Ministério Público”. Neste contexto, a discordância de facto do arguido, face à
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