Acórdão nº 337/21.5JDLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-05

Data de Julgamento05 Março 2024
Ano2024
Número Acordão337/21.5JDLSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum coletivo n.º 337/21.5JDLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra, em que são arguidos AA e BB, melhor identificados nos autos, foi proferido acórdão a 09.10.2023, que decidiu nos seguintes termos (transcrição):
Condenar AA pela prática, como autor material e em concurso real, de:
- um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; (situação descrita no ponto 7.º dos factos provados)
- vinte e seis crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um; (situações descritas nos pontos 9.º a 28.º dos factos provados)
Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art.º 77.º do Código Penal, condenar AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Suspender a execução desta pena de prisão por um período de 5 (cinco) anos, acompanhado de regime de prova, devendo o arguido cumprir o plano de readaptação social a efectuar, devendo ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.
Absolver AA da prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (situação descrita no ponto 8.º dos factos provados).
Condenar AA, em conformidade com o disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 6 (seis) anos.
Condenar AA, em conformidade com o disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 6 (seis) anos.
Condenar BB pela prática, em autoria material, por comissão por omissão, e em concurso real, de vinte e seis crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um; (situações descritas nos pontos 10.º a 28.º dos factos provados)
Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art.º 77.º do Código Penal, condenar BB na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Suspender a execução desta pena de prisão por um período de 5 (cinco) anos, acompanhado de regime de prova, devendo a arguida cumprir o plano de readaptação social a efectuar, devendo ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social, da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, e comunicar-lhes ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.
Condenar BB, em conformidade com o disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 6 (seis) anos.
Condenar BB, em conformidade com o disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 6 (seis) anos.
Condenar BB, em conformidade com o disposto no art.º 69.º-C, n.º 3, do Código Penal, na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais, pelo período de 6 (seis) anos.
Condenar solidariamente AA e BB, ao abrigo do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a CC da quantia de 10.000€ (dez mil euros).
Condenar os arguidos AA e BB no pagamento de 4 (quatro) UC de taxa de justiça e demais custas, cada um.
2. Não se conformando com a determinação da medida da pena operada pelo tribunal a quo relativamente ao cúmulo jurídico realizado a ambos os arguidos, veio o Ministério Público interpor recurso da decisão proferida, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. No douto despacho que ora se recorre foram os arguidos AA, condenado pela prática, como autor material e em concurso real, de 1 (um) crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e 26 (vinte e seis) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um. Nos termos do artigo 77.º do Código Penal, foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhado de regime de prova e BB, condenada, pela prática, como autor material, por comissão por omissão, e em concurso real, de 26 (vinte e seis) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um. Nos termos do artigo 77.º do Código Penal, foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhado de regime de prova.
2. Não podendo o Ministério Público conformar-se com tal decisão do cúmulo jurídico, porquanto considera tal pena inadequada e insuficiência face ao caso dos autos e que aqui se recorre.
3. O douto Acórdão não pode, a nosso ver, colher aplauso, pois temos por líquido dos factos dados como provados (27 crimes quanto ao arguido e 26 crimes quanto à arguida); da medida concerta da pena fixada a cada crime, cotejado com as regras da experiência comum e as regras do cúmulo, previstas no artigo 77.º do Código Penal, impunha que se aplicasse aos arguidos uma pena de prisão superior a 5 anos.
4. Com base nas regras do cúmulo jurídico vertidas nos termos do artigo 77.º do Código Penal:
i) Ao arguido AA:
O limite máximo será a soma de todas as penas, que dá um cálculo de 92 anos e 6 meses de prisão (1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, o que equivale a 18 meses de pena de prisão a somar aos 26 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um, o que equivale a 42 meses x 26=1092:12= 91 anos). Uma vez que, o limite máximo não pode ultrapassar os 25 anos, temos que, será este o seu limite máximo.
O limite mínimo é 3 anos e 6 meses ou 42 meses de pena de prisão por ser a pena mais elevada concretamente aplicada.
ii) À arguida BB:
O limite máximo será a soma de todas as penas, que dá um cálculo de 91 anos de prisão (26 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um, o que equivale a 42 meses x 26=1092:12= 91 anos). Uma vez que, o limite máximo não pode ultrapassar os 25 anos, temos que, será este o seu limite máximo.
O limite mínimo é 3 anos e 6 meses ou 42 meses de pena de prisão por ser a pena mais elevada concretamente aplicada.
5. Dentro da referida moldura legal do cúmulo, a determinação concreta da medida da pena será efetuada nos termos do artigo 71º do Código Penal. Assim, como tem sido defendido pela doutrina, a culpa fixará o limite máximo inultrapassável da pena, enquanto a prevenção geral de reintegração fornecerá uma moldura de prevenção dentro da moldura legal (limite mínimo), acabando a pena concreta por ser encontrada, dentro destes limites, de acordo com as exigências de prevenção especial de ressocialização.
6. Em face dos limites suprarreferidos, temos que o meio da pena entre os dois seria os 14 anos e 3 meses, ou 171 meses (25 anos (= 300 meses) – 42 (3 anos e 6 meses) = 258:2= 129; 300-129=171 e 42+129=171).
7. É deste meio da pena encontrado que deve o julgador partir para fixar o quantum em termos de cúmulo, atendendo aos factos e a personalidade do arguido e aos critérios do artigo 71.º do Código Penal que conforme o caso, operará o desconto ou a soma, mediante existam atenuantes ou agravantes.
8. Tem-se por entendido que este “meio” - no caso concreto os 14 anos e 3 meses - dá a ideia ao julgador da média culpa dos arguidos.
9. Ora, se atendermos, que a pena concretamente aplicável em momento algum, pode ultrapassar a medida da culpa (40.º, n.º 2, do Código Penal), concluímos que, no caso dos autos e uma vez que, no douto Acórdão, considerou a culpa dos arguidos mediana, o limite máximo da pena a considerar seria desse modo os 14 anos e 3 meses.
10. Por outro lado, devemos atender que o limite mínimo – no caso concreto de 3 anos e 6 meses - equivale ao mínimo de garantia das necessidades de prevenção geral que o presente caso requer, que como referiu o douto Acórdão são “fortíssimas exigências de prevenção geral”.
11. Pelo que, temos uma diferença de 10 anos e 9 meses (diferença entre os 14 anos e 3 meses e os 3 anos e 6 meses) entre estes limites da pena em cúmulo jurídico, comparativamente com o 1 ano e 6 meses (diferença entre os 5 anos e os 3 anos e 6 meses) da pena aplicada no douto Acórdão que aqui se recorre.
12. Em face do
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