Acórdão nº 334/11.9PFAMD-A.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-07

Ano2023
Número Acordão334/11.9PFAMD-A.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal

I.
Nos presentes autos de recurso em separado provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, juízo local criminal de Sintra – Juiz 2, veio o Ministério Público recorrer do despacho judicial proferido em 31/05/2022 com a referência citius 13786182, não se conformando com o seu teor e apresentando as seguintes conclusões:
1 – Por douta sentença, transitada em julgado a 28/05/2012, foi o arguido AA condenado pela prática de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de um regime de prova – cfr. Sentença com a “Ref. Citius” n.º 17665330, de 08/05/2012 e Boletim de Registo Criminal com a “Ref. Citius” n.º 22572419, de 12/06/2013.
2 - Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho de 23/09/2016, transitado a 30/11/2017, revogou-se a suspensão da execução da pena e determinou-se o cumprimento da pena de 1 ano e 2 meses de prisão - cfr. Despacho com a “Ref. Citius” n.º 1019191745 de 30/11/2016 e Boletim de Registo Criminal com a “Ref. Citius” n.º 105030028, de 07/02/2017.
3 - Mais se verifica que, por despacho de 25/09/2018, determinou-se a emissão dos competentes mandados de detenção, por se considerar que o arguido se encontrava devidamente notificado, à luz do AUJ n.º 6/2010, de 21/05/2010 - cfr. Promoção com a “Ref. Citius n.º 114498755 de 17/09/2018; Despacho com a “Ref. Citius” n.º 115037609, de 25/09/2018 e Mandados de Detenção com a “Ref. Citius” n.º 115856964 de 30/10/2019.
4 - Todavia, uma vez que o arguido se eximiu, culposamente, ao cumprimento da pena de prisão e não se logrou proceder à sua detenção, o TEP declarou o arguido contumaz, em 07/07/2020 - cfr. Despacho com a “Ref. Citius” n.º 17083770, de 08/07/2020.
5 - Posteriormente, em 06/05/2022, o arguido apresentou-se em Tribunal, prestando novo TIR, pelo que o TEP declarou cessada a contumácia e o Ministério Público promoveu que se emitissem novos de mandados de detenção– cfr. TIR com a “Ref. Citius” n.º 137350118, de 06/05/2022, Ofício com a “Ref. Citius” n.º 21160287, de 30/05/2022 e Promoção com a “Ref. Citius” n.º 12693570, de 15/05/2022.
6 - Acontece que, por despacho de 31/05/2022, a M.ma Juiz do Tribunal a quo considerou “não notificado o despacho proferido a 23.09.2016 e que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido, pelo que o mesmo ainda não transitou em julgado.”, determinando que se procedesse “à “comunicação para anulação do registo do trânsito do referido despacho.” – cfr. Despacho com a “Ref. Citius” n.º 13786182, de 31/05/2022.
7 - Mais entendeu “declarar extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao Arguido AA nos presentes autos”, determinando que se solicitasse “a devolução dos mandados de detenção não cumpridos.” – cfr. Despacho com a “Ref. Citius” n.º 13786182, de 31/05/2022.
8 - É deste despacho que recorremos, por entendermos que a M.ma Juiz do Tribunal a quo não poderia revogar o despacho anterior, já devidamente transitado em julgado, assim como também não podia declarar prescrita a pena de prisão, por ainda não se encontrar decorrido o respectivo prazo de prescrição.
Senão, vejamos:
9 – O despacho de 23/09/2016, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, foi notificado ao arguido, por via postal simples, para a morada do TIR, com base no entendimento expresso no AUJ n.º 6/2010.
10 – O arguido não interpôs recurso de tal despacho, pelo que o mesmo já não é susceptível de recurso ordinário ou de reclamação e considera-se devidamente transitado em julgado (cfr. arts 613º, nº 1 e 3 e 628.º, ambos do CPC, ex vi do art. 4º, do art. CPP).
11 – Assim, considerando-se o arguido validamente notificado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, emitiram-se os competentes Mandados de Detenção e o TEP declarou o arguido contumaz, nos termos do disposto no art. art. 138º, n.º 4, al. x), do CEPMPL.
12 – Nestes termos, uma vez transitada em julgado a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, já não podia ser declarada a eventual irregularidade ou nulidade da notificação a que se fez referência no despacho recorrido e, consequentemente, já não se podia dar sem efeito aquela decisão.
13 - Com efeito, tal declaração não podia ter lugar depois do termo do procedimento, ou seja, depois de a decisão transitar em julgado, sob pena de violação do caso julgado.
14 – É que uma vez alcançada a qualidade de imutabilidade, o teor da decisão proferida passa a ter “força obrigatória” dentro do processo e também fora dele, nos termos do designado caso julgado formal e material (cfr. art.ºs 620º, nº 1 e 630º nº 2, ambos do CPC, ex vi do art.º 4º, do art.º CPP).
15 - Neste conspecto, cumpre salientar que o caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica e destina-se a evitar uma contradição prática de decisões, obstando a decisões concretamente incompatíveis, pelo que tem protecção constitucional (cfr. art.º 29º, n.º 5, da CRP).
16 – Face ao exposto, salvo sempre o máximo respeito pelo despacho da M.ma Juiz do Tribunal a quo, o certo é que, ao decidir em sentido diametralmente oposto ao anteriormente decidido e depois de esgotado o seu poder jurisdicional, constitui uma clara violação da excepção do caso julgado.
17 – A nível Jurisprudencial, tem-se entendido que o despacho proferido nestas condições, com violação do caso julgado e depois de esgotado o poder jurisdicional do juiz, é juridicamente inexistente - vide Acórdão TRL de 13/10/2021, Proc. n.º 84/12.5TELSB-V.L1-3 e Acórdão TRP de 22/05/2019, Proc. nº 109/14.3T9LRA.P1, ambos in www.dgsi.pt.
18 - No que concerne à eventual prescrição da pena de prisão, cumpre referir que o prazo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução, enquanto pena de substituição, fica suspenso durante o prazo de suspensão da pena (cfr. art.º 125º, n.º 1, al. a), do CP), pelo que a contagem do prazo de prescrição só se inicia com o trânsito da decisão que revoga a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. art.º 122.º n.º 2 do CP).
19 – Ora, in casu, verifica-se que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena transitou em julgado a 30/11/2017, sendo que o TEP declarou o arguido contumaz em 07/07/2020, pelo que ocorreu uma nova causa de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, nos termos do disposto nos arts. 125º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e art.º 126º, n.º 1, al. b) e n.º 2, ambos do CP.
20 – Face ao exposto, forçoso é concluir que ainda não decorreu o prazo de prescrição da pena de prisão aplicada nestes autos, pelo que devem emitir-se novos Mandados de Detenção, de modo a que o arguido cumpra a pena de prisão em que foi condenado.
*
Nestes termos devem Vossas Excelências dar total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida.
Vossas Excelências, porém, e como sempre, farão
JUSTIÇA!
(...)
O recurso foi admitido nos seguintes termos: “(…)Por estar em tempo, ter legitimidade e interesse em agir, e estar acompanhado da motivação que contendo conclusões, admito o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho proferido a 31.05.2022, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, de acordo com o disposto nos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 406.º n.º 2, 407.º n.º 1, alínea d), 408.º n.º 1 a contrario, e 411.º n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal.
Notifique, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 411.º, n.º 6 e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
Mais notifique o Ministério Público para, em 10 dias, vir esclarecer quais as peças processuais que considera relevantes para a instrução do recurso, uma vez que subirá em separado.(…)”
O arguido apresentou resposta ao recurso apresentado pelo MºPº, a folhas 186 e seguintes e seguintes.
Neste Tribunal o digno Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer através do qual adere ao recurso apresentado pelo MºPº na primeira instância.
Foi cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P.
O processo seguiu os seus termos legais.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) e c ), do Código de Processo Penal.

Será de referir que no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).

A questão suscitada e a apreciar no presente recurso reconduzem-se à pretensão do recorrente e de acordo com as conclusões ínsitas no recurso:
- Revogação do despacho recorrido que julgou prescrita a pena aplicada ao arguido.

Decidindo diremos:
A decisão recorrida tem o seguinte teor (sublinhados nossos):
I. Da (in)validade da notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão
Compulsados os autos, verifica-se que o Arguido AA foi condenado, por sentença datada de 08.05.2012, transitada em julgado em 28.05.2012, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, acompanhada de um regime de prova assente num plano individual de readaptação social, a elaborar
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT