Acórdão nº 333/21.2YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-07

Ano2022
Número Acordão333/21.2YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A recorrida requereu o registo, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI), de duas marcas nacionais, a marca PRIMARE WINES PAPA PEIXE, com o n.º 645224e a marca PAPA PEIXE, com o n.º 649147.
2. A recorrente reclamou contra esses pedidos de registo invocando a prioridade das suas três marcas da União Europeia (a seguir designadas pelo seu elemento nominativo PAPA FIGOS), para assinalar produtos idênticos ou afins, a imitação dessas marcas e a possibilidade de concorrência desleal.
3. O INPI indeferiu a reclamação e concedeu o registo das marcas da recorrida, mencionadas no parágrafo 1, respectivamente, por despachos, de 7.1.2021 (cf. referência citius 92643/Doc. 9, que concedeu a marca PRIMARE WINES PAPA PEIXE) e de 15.2.2021 (cf. referência citius 92646/Doc. 5, que concedeu a marca PAPA PEIXE).
4. A recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 22.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), apresentou ao INPI um pedido de modificação da decisão que concedeu à recorrida o registo da marca PRIMARE WINES PAPA PEIXE, tendo tal pedido de modificação sido indeferido por decisão do INPI de 15.7.2021 (referência citius 92643/Doc. 18).
5. Das decisões do INPI acima mencionadas, a recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo ou Tribunal de primeira instância), nos termos do artigo 38.º do CPI, pedindo a revogação das decisões de concessão de registo e a sua substituição por decisão judicial que recuse o registo das marcas da recorrida.
6. Citada, a recorrida, não deduziu oposição.
7. O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 18.1.2022 (referência citius 468270), julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do INPI que concedeu o registo das marcas em crise.
8. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que recuse os registos das marcas nacionais n.ºs 645224 e 649147, acima indicadas.
9. A recorrente invocou, em síntese, argumentos que o Tribunal agrupa como se segue:
Modificação da decisão sobre a matéria de facto por aplicação do efeito da revelia
- O facto alegado artigo 33 da petição inicial tem relevo para a decisão da causa e devia ter sido considerado provado, por força do artigo 567.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) uma vez que a recorrida, apesar de citada, não contestou; pelo que, a decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada de acordo com as regras aplicáveis à revelia, acrescentando-se-lhe o seguinte facto provado:
A Recorrida pretende usar a marca “PAPA PEIXE” nos rótulos a seguir retratados - Doc. n.º 1 junto no INPI aos pedidos de modificação da decisão):











Erro quanto à decisão de direito
- A recorrente é titular de tês marcas da União Europeia, que contêm o elemento nominativo PAPA FIGOS, uma delas nominativa e as outras duas complexas, combinando o elemento nominativo com figuras de pássaros, que assinalam produtos idênticos ou afins aos assinalados pelas marcas concedidas à recorrida (bebidas alcoólicas, incluindo vinho) e que gozam de prioridade de registo;
- Ao usar a palavra PAPA a recorrida usurpou a denominação de fantasia das marcas da recorrente criando risco de confusão;
- As marcas da recorrente são notórias, o que agrava o risco de confusão, tendo por isso a sentença recorrida violado o disposto no artigo 234.º n.º 1 – b) segunda parte do CPI (Código da Propriedade Industrial) ou, pelo menos, o disposto no artigo 232.º n.º 1 – b) segunda parte do CPI;
- O Tribunal a quo não aplicou o princípio da interdependência dos elementos que compõem as marcas, ao proceder à sua análise comparativa e, por isso, violou o disposto no artigo 238.º do CPI;
- Existe risco de concorrência desleal atendendo à confusão entre as marcas e à intenção da recorrida usar rótulos com a figura de pássaros, pelo que, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI.
10. A recorrida não contra-alegou.
Delimitação do âmbito do recurso
11. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, suscitadas pelos argumentos vertidos nas conclusões:
A. Modificação da decisão sobre a matéria de facto
B. Risco de confusão entre os sinais em conflito e protecção devida às marcas notórias
C. Concorrência desleal preventiva
Factos provados constantes da decisão recorrida
12. Nota: será mantida a indicação das alíneas atribuídas aos factos provados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.
13. a) Por despacho de 8.7.2021, e na sequência de pedido de modificação da decisão formulado pela recorrente, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, decidiu manter a concessão de 7.1.2021, do registo da marca nacional 645224 - “PRIMARE WINES PAPA PEIXE”.
14. b) Por despacho de 8.7.2021, e na sequência de pedido de modificação da decisão formulado pela recorrente, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, decidiu manter o registo da marca nacional 649147 - “PAPA PEIXE”, concedida em 15/2/2021.
15. c) A marca referida em a), destina-se a assinalar “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja); preparações para produzir bebidas alcoólicas; bebidas alcoólicas exceto cerveja; cidra; cidras; preparações alcoólicas para fazer bebidas”, da classe 33 da Classificação Internacional de Produtos e Serviços (Acordo de Nice).
16. d) A marca referida em b), destina-se a assinalar “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja)” da mesma classe 33 - cf. teor da decisão constante do processo de registo, remetido aos autos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
17. e) A recorrente é titular da Marca da União Europeia n.º 014178388, “PAPA FIGOS”, pedida em 29.05.2015 e concedida em 30.10.2015, para assinalar “bebidas alcoólicas (exceto cervejas) nomeadamente: vinhos, licores e vinhos espumosos” (classe 33.ª) – Doc. que a recorrente junta como n.º 6.
18. f) A recorrente é titular da Marca da União Europeia n.º 015984255, pedida em 29.05.2015 e concedido em 30/10/2015, para assinalar “bebidas alcoólicas (exceto cervejas) nomeadamente: vinhos, licores e vinhos espumosos” (classe 33.ª), com a seguinte configuração:

– Doc. que a recorrente junta como n.º 7.
19. g) A recorrente é titular da Marca da União Europeia n.º 015984231, pedida em 27.10.2016 e concedida em 06.04.2017, para assinalar “bebidas alcoólicas (exceto cervejas) nomeadamente: vinhos, licores e vinhos espumosos” (classe 33.ª), com a seguinte configuração


– Doc. que a recorrente junta como n.º 8.
20. h) Dá-se por reproduzido o artigo intitulado «O Papa Figos, mais um grande tinto da Casa Ferreirinha» - cf. Doc. n.º 1, junto com a reclamação da recorrente junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
21. i) Dá-se por reproduzido o artigo intitulado «PAPA FIGOS, UM VINHO A VOAR ALTO» - cf. Doc. n.º 2, junto com a reclamação da recorrente junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
22. j) Dá-se por reproduzido o Catálogo “VINHOS E SABORES DE PORTUGAL”, do “Pingo Doce”, no qual o vinho “Papa Figos” é colocado “à cabeça” no “TOP 10 – cf. Doc. n.º 3, junto com a reclamação da recorrente junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
23. k) O vinho tinto “PAPA FIGOS” foi premiado como o melhor vinho português na edição 2019 do International Wine Challenge (IWC) https://reserva85.com.br/degustacao/avaliacao-de-vinhos/papa-figos
Facto provado aditado em resultado da modificação da decisão sobre a matéria de facto
24. A Recorrida pretende usar a marca “PAPA PEIXE” nos rótulos a seguir retratados:




Factos não provados
25. De acordo com a sentença recorrida não existem nenhuns com relevo para a decisão a proferir.
Quadro legal relevante
26. É o seguinte o quadro legal relevante para a decisão do recurso:
Regulamento (EU) 2017/1001 sobre a marca da União Europeia ou RMUE
Considerando (11)
A proteção conferida pela marca da UE, cujo objetivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, deverá ser absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços. A proteção deverá também poder ser invocada em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços. Há que interpretar a noção de semelhança em função do risco de confusão. O risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos fatores, nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser estabelecida com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos e os serviços designados, deverá constituir uma condição específica da proteção.
Artigo 4.º
Sinais suscetíveis de constituir uma marca da EU
Uma marca da UE pode consistir em sinais, nomeadamente em palavras, incluindo nomes de pessoas, ou em desenhos, letras, algarismos, cores, na forma dos produtos ou da embalagem dos produtos, ou em sons, desde que esses sinais possam:
a) distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas; e
b) ser representados no Registo de Marcas da União Europeia («Registo»), de um modo que permita que as autoridades competentes e o público identifiquem de forma clara e precisa o objeto da proteção concedida ao titular da marca.
Artigo 9.º
Direitos conferidos por uma marca da UE
1. O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.
2. Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da
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