Acórdão nº 3308/22.0T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-28

Ano2023
Número Acordão3308/22.0T8STR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de Inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo de Instrução Criminal de Santarém - J 2,

AA e

BB,

irmãos e assistentes nos autos, requereram a abertura da instrução ao abrigo do disposto no artigo 287º do Código de Processo Penal, pretendendo imputar:

- a CC, sua mãe, um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. d) e nº 2 do CP e

- a DD, padrasto, dois crimes de ameaças e 2 crimes de injúrias, p. e p. respectivamente, pelos artigos 153º e 181º do CP.

Para tanto requerendo a constituição de DD como arguido e indicando prova a ser produzida em instrução.
O MP havia arquivado o inquérito – despacho de 25-03-2022 – quanto ao crime de violência doméstica denunciado.
Tal pretensão foi rejeitada pelo despacho da Mª Juíza de 23/05/2022 que, ao abrigo do nº 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal, rejeitou o requerimento de abertura da instrução por inadmissibilidade legal por ausência de elementos objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica e declarou a nulidade insanável do despacho de arquivamento quanto ao arguido DD e aos dois crimes de ameaças e 2 crimes de injúrias.

Assumindo-se nos autos como Assistentes, por não se conformarem com o despacho da Mmª Juíza de 23-05-2022 – e respectiva aclaração (ref. Citius ...36 e ...85) que não admitiu o requerimento de abertura de instrução formulado por ambos, vieram do mesmo interpor recurso, com as seguintes conclusões:

1.ª Os Assistentes denunciaram junto do M.P. que teriam sofrido cada um deles, 1 crime de violência doméstica, p.e.p. pelos artigos 152.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do Cód. de Proc. Penal.
2.ª E também, cada um deles, 1 crime de ameaça e de injúria, p.e.p., respetivamente pelos artigos 153.º e 181.º, tendo manifestado pelo menos o Assistente AA o desejo de procedimento criminal.
3.ª Os crimes de violência doméstica terão sido praticados pela Mãe de ambos, CC, e, os de ameaça e de injúria, pelo Companheiro desta, DD, tudo conforme auto de notícia e autos das respectivas inquirições dos Assistentes, a fls..
4.ª Os crimes que terão sido cometidos pelo Senhor DD foram em consequência daqueles que foram primeiramente praticados pela Arguida CC, estando conectados entre si (artigos 24.º, al. d), e 30, a contrario sensu, ambos do Cód. de Proc. Penal).
5.ª Por despacho datado de 25.03.2022 (ref.ª Citius ...29), o M.P. proferiu despacho de arquivamento.
6.ª Em 15.04.2022, por não se conformarem com tal despacho, os Assistentes requereram a abertura de instrução.
7.ª Por despacho datado de 23.05.2022 (ref.ª Citius ...36), o douto Tribunal “a quo” julgou verificada a nulidade insanável de falta de promoção do M.P., prevista no artigo 119.º, al. b), do Cód. Penal, determinando a nulidade de todos os actos processuais subsequentes.
8.ª No entanto, e nesse mesmo despacho, é decido indeferir o RAI apresentado pelos Assistentes, por inadmissibilidade legal, uma vez que considerou o douto Tribunal “a quo” que os mesmos não alegaram elementos que preenchessem os crime de violência doméstica que terão sido cometidos pela Arguida CC.
9.ª Tal situação originou dúvidas aos Assistentes, tendo sido pedido esclarecimentos ao douto Tribunal “a quo” sobre o alcance do seu teor, tendo o mesmo esclarecido que a nulidade insanável apenas teria efeitos quantos aos crimes que terão sido praticados pelo Senhor DD (ref.ª Citius ...85).
10.ª Os Assistentes não se conformam com tal decisão.
11.ª Pois tendo sido declarada uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119.º, al. b), do Cód. de Proc. Penal, não pode o douto Tribunal “a quo” declarar os actos processuais subsequentes nulos e apreciar na mesma o mérito do RAI.
12.ª E isto porque há uma íntima relação entre si e o despacho de arquivamento que o antecede.
13.ª Caso contrário poderíamos vir a ter 2 despachos de arquivamento e 2 requerimentos de instrução formulados pelos mesmos Assistentes.
14.ª E isto no mesmo processo, o que não faria sentido nem está previsto na Lei.
15.ª Até porque o referido RAI faz referência tantos aos crimes praticados pela Arguida CC como pelo Senhor DD.
16.ª Não fazendo sentido a posição assumida pelo douto Tribunal “a quo”, ainda mais quando é o próprio despacho que refere primeiramente que todos os actos subsequentes são nulos, derivada da declaração da nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. b), do Cód. de Proc. Penal, mas que depois ainda assim conheceu do mérito do RAI.
17.ª A posição perfilhada pelo douto Tribunal “a quo” violou assim o disposto nos artigos 119º., al. b), e 122.º, ambos do Cód. de Proc. Penal, verificando-se ainda uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 410.º, do mesmo diploma legal.
18.ª Razões pelas quais, e face ao supra exposto, deverá o despacho ora recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que confirme a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. b), do Cód. de Proc. Penal, mas que determine a nulidade de TODOS os actos subsequentes ao despacho de arquivamento proferido pelo M.P., incluindo o RAI, remetendo-se os autos aos serviços do M.P para que seja sanada a nulidade em causa, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
19.ª Ainda que assim não fosse, os Assistentes também não se conformam com o despacho ora recorrido na medida em que alegaram tanto o elemento objectivo como o subjectivo, por referência aos crimes de violência doméstica que terão sido praticados pela Arguida CC.
20.ª Pois desde logo os Assistentes mencionaram no artigo 68.º do RAI que “Mais uma vez a Arguida agiu com o único propósito de destabilizar os Assistentes e de lhes infligir pressão psicológica.”
21.ª Assim como nos artigos 69.º a 74.º alegaram a dependência económica dos mesmos em relação à Arguida.
22.ª E, nos artigos 81.º e 82.º, alegaram ainda:
1) “A Arguida e o Denunciado agiram sempre de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punida por Lei”.
2) “Em suma, e face ao supra exposto, cometeu a Arguida 2 crimes de violência doméstica, p.e.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do Cód. Penal e, o Denunciado DD, 2 crimes de ameaça e 2 crimes de injúrias, p.e.p., respectivamente, pelos artigo 153.º e 181.º, ambos do Cód. Penal.”
23.ª Pelo que os Assistentes alegaram devidamente os elementos típicos dos crimes que imputam à Arguida CC no RAI que apresentaram.
24.ª E, em consequência, não poderia o douto Tribunal “a quo” ter rejeitado o RAI, por inadmissibilidade legal.
25.ª Razões pelas quais, e face ao supra exposto, o douto Tribunal “a quo” violou com a sua decisão o disposto nos artigos 283.º, n.os 1, al. b), 2 e 3, do Cód de Proc. Penal, e 20.º da C.R.P., devendo, em consequência, V.as Ex.as revogar o despacho ora recorrido, substituindo-o por outra que admita o RAI apresentado, seguindo-se os ulteriores termos legalmente previstos.

*

Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de ... defendendo a improcedência do recurso, sem conclusões, mas de onde se pode retirar o seguinte, em termos conclusivos:

1ª – A primeira questão a dirimir no recurso interposto pelos assistentes AA e BB consiste em saber se os efeitos da declaração de nulidade insanável, declarada no douto despacho proferido em 23.05.2022, referência ...36, devem, ou não, obstar ao conhecimento do mérito do RAI apresentado pelos mesmos quanto à questão dos crimes de violência doméstica em relação aos quais foi proferido pelo Ministério Público despacho de arquivamento dos autos.
2ª - Embora se possa dizer que existe alguma conexão entre os factos que se reportam aos crimes de violência doméstica e os alegados crimes de injúria e de ameaça, os mesmos, em concreto, são perfeitamente autónomos.
3ª - São imputados a pessoas diversas, assumem natureza e verificação distinta: os factos atinentes ao crime de violência doméstica são imputados à mãe dos assistentes e não têm uma verificação isolada, diferentemente dos que são atribuídos ao companheiro da mãe, DD, que correspondem a duas situações pontuais.
4ª - Tendo o Ministério Público conhecido da factualidade e dos elementos probatórios no prisma dos crimes de violência doméstica, das ofensas corporais ou outros, quanto à responsabilidade jurídico – penal da arguida tem de concluir-se que essa problemática foi conhecida e apreciada, na fase de inquérito pela autoridade judiciária competente.
5ª - Logo, as questões suscitadas no RAI quanto à problemática da violência doméstica podem ser apreciadas autonomamente, como o foram, sem serem afetadas pela declaração de nulidade insanável.
6ª - Conclui-se, pois que, dada a autonomia das referidas problemáticas jurídico – penais nada obsta, em concreto, a que a questão da inadmissibilidade do RAI em relação à problemática da violência doméstica tenha ficado definitivamente decidida, sem embargo dos autos voltarem para trás para suprimento da nulidade insanável declarada nos autos.
7ª – Importa, em seguida responder à questão sobre o RAI apresentado pelos assistentes contém ou não os aspetos atinentes ao elemento subjetivo, intelectual e volitivo, dos crimes de violência doméstica que aqueles pretendem sejam indiciariamente imputados à respetiva progenitora CC, devendo, em consequência o mesmo ser admitido e não considerado legalmente inadmissível com fundamento no disposto no art. 287º, nº3 do CPP.
8ª - Não se verifica, pois qualquer contradição nos fundamentos do despacho recorrido.
9ª - Contém ou não o RAI apresentado pelos referidos assistentes os aspetos atinentes ao elemento subjetivo, intelectual e volitivo, dos crimes de violência doméstica que aqueles pretendem sejam indiciariamente imputados à respetiva progenitora CC, devendo, em consequência o mesmo ser admitido e...

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