Acórdão nº 3165/19.4T8VCT.1.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-09

Ano2023
Número Acordão3165/19.4T8VCT.1.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Em 28-1-2022, AA instaurou contra V..., Lda., no Juízo Central Cível ..., execução de sentença, nos próprios autos, para pagamento de quantia certa (€1.890,34), correspondente ao valor da nota justificativa das custas de parte, porquanto a executada, notificada para esse efeito, apenas lhe pagara €408.
Juntou, como título executivo, a sentença e a nota justificativa de custas de parte.
Em 31-01-2022, foi aberta conclusão à Mmª Sra. Juiz titular do processo “atento o título executivo e a finalidade do mesmo- cobrança de custas de parte”.
Na sequência foi proferido despacho de indeferimento liminar, cujo teor é o seguinte:
– «Dos autos resulta que a presente execução assume a natureza de uma execução por custas de parte, a qual tem por base um título executivo complexo que integra não só a sentença condenatória, mas também a nota justificativa (como resulta, nomeadamente, do art.º 25.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Judiciais), não sendo, por isso, aplicáveis as regras da execução de sentença.
Para determinar o regime processual aplicável à execução por custas de parte, importa ter presente que “as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil” (art.º 26.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Judiciais). Ou seja, a execução por custas de parte é uma execução por custas, como resulta do preceito transcrito e também, nomeadamente, do art.º 36.º do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, não se está em presença de qualquer dos casos previstos nos artigos 536.º (repartição de custas ocorrendo “circunstâncias supervenientes” que conduzam à impossibilidade ou inutilidade da lide) ou 542.º (condenação por litigância de má-fé) do Código de Processo Civil, mas o pagamento das custas de parte devidas pelos autores (ora executados) ao réu (ora exequente) na sequência da sentença que absolveu este último do pedido.
Ora, nos termos do art.º 131.º da LOSJ, na redacção que era dada pela Lei nº40-A/2016, de 22 de Dezembro, “a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”. Sucede, entretanto, que a redacção actual, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, excluiu expressamente as custas da previsão legal, dispondo agora que “a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”.
Pelo exposto e nos termos dos art.ºs 65.º, 96.º, 97.º, 99.º, n.º 1, 577.º, al. a) e 734º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, julga-se este Tribunal incompetente em razão da matéria, com o consequente indeferimento liminar do requerimento executivo. Custas pelo Exequente.
Valor: o indicado no requerimento executivo.»
*
Inconformado com o assim decidido, o exequente interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que judiciou pela verificação de incompetência absoluta em razão da matéria, e pela consequente rejeição liminar do requerimento executivo.
II. A Apelante está convicta de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que judicie pela verificação das nulidades assacadas, pela competência do Tribunal a quo e determine a prossecução dos autos de execução ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, que determine a remessa do processo para o Juízo de Execução competente, ou ainda, caso seja diverso o entendimento, a substitua por uma outra que, caso judicie pela incompetência absoluta do Tribunal a quo, determine a remessa dos autos ao abrigo do disposto no artigo 99.º n.º 2 do CPC para o tribunal que se considere materialmente competente.
III. Na pretérita data de 25-01-2022, o aqui Apelante lançou mão da competente ação executiva tendo por título executivo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetida no âmbito do processo que sob o n.º 3165/19.... correu os seus termos no Juízo Central Cível ... a quo, e não liquidada pelos ora Apelados, tendo sido a ação executiva proposta no Tribunal que proferiu a decisão, designadamente no Juízo Central Cível ....
IV. Nessa sequência, a Mma. Juiz a quo, por mote próprio, proferiu despacho que judiciou pela incompetência material do Tribunal a quo, judiciando pelo consequente indeferimento liminar do requerimento executivo, porquanto, no entendimento do Tribunal a quo, “Ora, nos termos do art.º 131.º da LOSJ, na redacção que era dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, “a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”. Sucede, entretanto, que a redacção actual, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, excluiu expressamente as custas da previsão legal (…)”.--- Pelo exposto e nos termos dos art.ºs 65.º, 96.º, 97.º, 99.º, n.º 1, 577.º, al. a) e 734º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, julga-se este Tribunal incompetente em razão da matéria, com a consequente rejeição requerimento executivo.”, decisão relativamente à qual não podemos assentir, porquanto não se afigura consentânea ao enquadramento legislativo em vigor.
Das nulidades da decisão- da violação da norma jurídica ínsita no artigo 3.º n.º 3 do CPC e correspondente nulidade:
V. Na pretérita data de 31-01-2022, decidiu a Mma. Juiz a quo judiciar pela incompetência absoluta do Tribunal a quo em razão da matéria, para conhecer da ação executiva em apreço, em sede de despacho liminar, sendo que, em momento algum foi o ali Exequente e aqui Apelante notificado para, querendo, se pronunciar quanto à intenção de proferir decisão a decretar tal incompetência e judiciar pela consequente rejeição do requerimento executivo.
VI. O aqui Apelante não poderia razoavelmente expectar tal decisão, pois que, se por um lado, não se encontrava, tampouco, atendendo à forma sumária do processo aplicável in casu, processualmente prevista a sujeição a despacho liminar, por outro, não se verificava qualquer incompetência absoluta em razão da matéria, independentemente das alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março.
VII. Consagra a norma jurídica ínsita no artigo 3.º n.º 3 do CPC, que o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, estipulando o princípio da proibição de decisões- surpresa e violação do contraditório, que enforma o ordenamento jurídico português.
VIII. In casu, ocorreu a violação de tal princípio, atendendo a que a Mma. Juiz a quo decidiu questão de direito sem possibilitar à ali Exequente a sua pronúncia sobre tal questão, sendo que, a inobservância do contraditório, constitui omissão que influiu diretamente na decisão da causa.
IX. Pelo que, salvo devido respeito por mais douto entendimento, ocorre nulidade processual inquinadora da decisão proferida, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC, atendendo à omissão de ato que a lei prescreve e que influiu diretamente na decisão da causa.
X. Veja-se, a este propósito, em similitude de circunstâncias com a situação sub judice, mormente a violação do princípio do contraditório em virtude da decisão de rejeição de requerimento executivo sem prévia audição da Exequente, o entendimento propalado pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 28-01-2021, pela relatora Margarida Almeida Fernandes, segundo o qual “II- Ocorre violação do contraditório quando é proferida decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 do C.P.C. sem prévia audição da exequente.”.
XI. Veja-se ainda, a sapiência propalada pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 19-04-2018, pela relatora Eugénia Cunha, nos termos do qual “(…)5- A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico.”, bem como o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 05-12-2017, pelo relator Arlindo Oliveira, nos termos do qual “Viola o princípio do contraditório a decisão sobre a competência, em razão da matéria, proferida no despacho liminar sem que à exequente tenha sido dada a oportunidade de sobre ela se pronunciar, constituindo uma “decisão-surpresa”.
XII. Outrossim, ocorreu violação/inobservância do princípio do contraditório, que conduziu à prolação de decisão-surpresa, consistindo em omissão de ato que a lei prescreve e que influiu na decisão da causa, correspondendo a nulidade processual nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC, que, se tornou evidenciada em despacho/sentença, tornando nulos os atos subsequentes, designadamente o próprio despacho/decisão a quo, nulidade que desde já se argui para os devidos efeitos legais, - sobre esta mesma questão já se pronunciou o douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 24-09-2021, no processo n.º 759/19.1T8PTL.G1, que determinou que “(…) Isto é, estando em causa uma...

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