Acórdão nº 3163/21.8T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-26

Ano2023
Número Acordão3163/21.8T8STR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. A R. Generali Seguros, SA., interpôs recurso do despacho saneador, proferido nos autos de processo comum a que o presente apenso se reporta, em que são AA. AA, BB e CC, que, em sede de audiência prévia, julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade e de prescrição, que invocara na contestação e do despacho que admitiu o aditamento de duas novas testemunhas, mas que indeferiu o pedido de notificação das mesmas, determinando que fossem a apresentar pela parte.

2. A recorrente pretende a alteração das decisões recorridas nos termos e com os fundamentos que sintetizou nas seguintes conclusões do recurso:
1.ª O despacho saneador recorrido violou as normas dos artigos 30º, 595º, n.º 1 e 598ºdo CPC, arts. 306º e 498º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Civil, art. 77º do Código Penal e art. 210º-A do Código do Registo Civil.
2.ª O Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a excepção de ilegitimidade por entender que a qualidade dos Autores, enquanto herdeiros de DD (pai), decorria da habilitação de herdeiros de EE (avó), uma vez que os Autores CC e BB aqui constavam como únicos sucessores, concluindo-se, ao abrigo do disposto no art. 2133 n.º 1, al. a) do Código Civil, que os AA., filhos e mãe, seriam os únicos herdeiros de DD.
3.ª Salvo melhor entendimento, a prova da qualidade de herdeiros faz-se pela respectiva Habilitação de Herdeiros, que sempre se afiguraria necessária nos presentes autos, porquanto ainda que se pudesse admitir tal raciocínio e documento como bastante para a demonstração da legitimidade dos AA CC e BB, o mesmo já não será bastante para aferir a legitimidade da Autora AA.
4.ª Assim, a título de exemplo, bastaria que esta Autora tivesse repudiado à herança de DD, para que lhe faltasse legitimidade para deduzir os pedidos cuja fundamentação é essa qualidade de herdeira.
5.ª Pelo exposto, sem prejuízo de melhor entendimento, não resulta da documentação junta aos autos prova bastante da legitimidade processual dos AA., impondo-se que fosse junta a competente Habilitação de Herdeiros do falecido DD, para dessa forma atestar a qualidade de herdeiros que legitime a sua intervenção, o que, não se promovendo, viola o disposto nos artigos 30º do Código Processo Civil e 210º-A e seguintes do Código do Registo Civil.
6.ª Prosseguindo, também não se conforma a Recorrente com a decisão que julgou improcedente a excepção de prescrição, que, salvo melhor entendimento viola o disposto nos artigos 306º e 498º do Código Civil.
7.ª Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 306º, n.º1 do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, o qual, no caso dos autos, face ao despacho proferido no âmbito do processo crime, com data de 5 de fevereiro de 2018, em que o Tribunal (Processo comum singular n.º 636/11.4GEALR), perante a não instauração do incidente de habilitação de herdeiros (por óbito de DD), decidiu a remessa da apreciação do pedido de indemnização para os Tribunais Civis, tem que se considerar este o momento determinante para o início de novo prazo de prescrição.
8.ª Sendo evidente, que a partir desse despacho, o titular do direito encontrava-se em condições de exercer a sua pretensão indemnizatória nos Tribunais Civis, conforme douta decisão da Relação de Évora, no Acórdão de 22.11.2018, disponível em www.dgsi.pt que aqui nos permitimos citar: “Tendo o tribunal criminal remetido a decisão do pedido cível de indemnização, para os “tribunais civis” - decisão aceite pelo demandante -, o início da contagem do prazo de prescrição coincide com a data do despacho de “remessa”, e não com a do seu trânsito em julgado.”
9.ª Acresce que, a extensão do prazo de prescrição prevista no artigo 498º, n.º3 do Código Civil, tem como pressuposto que subjacente ao direito dos Autores esteja um facto ilícito que constitua crime para o qual a lei estabeleça prazo mais longo, encontrando-se demonstrado nos autos (certidão junta com a contestação), que o aludido processo crime terminou com a absolvição do Arguido.
10.ª Tendo transitado em julgado a decisão de absolvição do condutor do veículo cuja responsabilidade era garantida pela Recorrente, afigura-se que o condutor não foi condenado nem lhe foi imputada a prática de qualquer crime, pelo que não existe fundamento para a extensão do prazo de prescrição prevista no art. 498º, n.º 3 do Código Civil.
11.ª Em sentido semelhante, afigura-se relevante chamar à colação o douto Acórdão desta Relação de Évora, de 23.06.2009, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu:
(…) Ora, tendo a presente acção sido deduzida em separado apenas por razões de excepção, em conformidade com o disposto no art. 72° do mesmo diploma, jamais faria sentido que neste âmbito, findo que se mostra o processo-crime, se pudesse vir a tomar posição – ainda que meramente para efeitos de apreciação da aplicação do respectivo prazo de prescrição, de natureza criminal - sobre a verificação de "todos ao elementos essenciais do crime" (objectivos e subjectivos), ou seja, sobre a existência de crime.
Desta forma, não tendo sido provada a existência do crime imputado pelo M.P. aos réus, no âmbito do processo próprio (processo crime) que já decorreu, não pode agora vir o apelante (M.P., em representação do Estado) fazer a prova do mesmo, sendo certo que
nesta acção apenas está em causa a apreciação da responsabilidade meramente civil dos réus(…)”
12.ª Salvo melhor entendimento, tendo sido o condutor do veículo - cuja responsabilidade se encontrava transferida, por via de contrato de seguro, para a Recorrente – absolvido da prática de crime por referência aos factos em discussão nos presentes autos, não poderão os Autores/Recorridos beneficiar da extensão do prazo de prescrição que tem como pressuposto a existência de crime (art. 498º.n-º3 do Código Civil) – que já foi objecto de julgamento e decisão.
13.ª Logo, considerando que o despacho que determinou a remessa da apreciação do pedido de indemnização para os Tribunais Civis data de 05.02.2018, tendo sido notificado às partes em 06.02.2018 (cfr. requerimento dos AA. referência 42440405, de 01.06.2022), afigura-se evidente que o novo prazo de prescrição se iniciou a 07.02.2018 e terminou a 07.02.2021, pelo que há muito estava terminado quando a Recorrente foi citada em 25.01.2022.
14.ª Sem prescindir e sem conceder, ainda que se considerasse que o início da contagem do novo prazo apenas ocorre com o trânsito em julgado da decisão absolutória proferida no processo crime, este ocorreu em 21.06.2018, pelo que sempre terminaria a 21.06.2021.
15.ª Assim, aquando da entrada da petição inicial, em 02.12.2021, já o direito a que os AA. se arrogam se encontrava prescrito, pelo que, deveria o douto Tribunal a quo ter considerada procedente a excepção de prescrição deduzida pela Recorrente, concluindo pela sua imediata absolvição do pedido, pelo que, não o tendo feito, no modesto entender da Recorrente, violou/fez uma incorrecta interpretação do disposto no art. 498º, n.º 3 do Código Civil.
16.ª Salvo melhor entendimento, o enquadramento como o efectuado, não só contraria o Principio Constitucional que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (art. 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), como abre caminho para um precedente perigoso, de que basta:
- apresentar uma queixa crime (ainda que infundada);
- ou alegar factualidade que, em abstracto, seja susceptível de preencher os elementos objectivos e subjectivos de determinado tipo legal de crime,
Para automaticamente ver aplicado/beneficiar numa ação cível de um alargamento do prazo prescricional previsto no art. 498º, n.º 3 do Código Civil.
17.ª Por mero dever de patrocínio e à cautela sempre se dirá não se aceitando o entendimento defendido pela Recorrente, no mínimo e no limiar, sempre se impunha determinar que a decisão sobre a prescrição fosse então relegada para final, dependente da prova a efectuar pelos Autores sobre a existência de crime (apesar da absolvição).
18.ª Ao decidir nos termos em que o fez, e conforme supra alegado, violou o douto despacho recorrido, entre outros, o disposto nos artigos 595º, n.º 1 do CPC, 306º e 498º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil e 77º do Código Penal, impondo-se a sua revogação e concluindo-se pela prescrição do direito dos Autores, com a correspondente absolvição da Recorrente.
19.ª Por último, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo fez ainda uma incorrecta interpretação do artigo 598º do CPC ao determinar que as testemunhas aditadas ao rol pela Recorrente, em sede de audiência prévia, não seriam notificadas pelo Tribunal, como requerido, impondo-se a apresentação das mesmas pela Recorrente nos termos do disposto no art. 598º, n.º 3.
20.ª Ora, a faculdade conferida pelo artigo 598º n.º1 do CPC, de alteração do requerimento probatório em sede de audiência prévia, tem implícita a possibilidade de as partes alterarem o rol de testemunhas, nomeadamente aditando testemunhas.
21.ª O art. 598º, n.º 3 estabelece que é incumbência das partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior, sendo que este número anterior (n.º 2) prevê a alteração ou aditamento de testemunhas até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, não se aplicando à alteração ao rol feita em audiência prévia (n.º 1).
22.ª Pelo exposto, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do artigo 598º do CPC, e deveria ter determinado, a par da admissão do aditamento ao rol, a notificação, pelo Tribunal, das testemunhas arroladas pela Recorrente em audiência prévia, a saber: os dois militares da GNR a notificar no Posto de Trânsito da GNR de Almeirim, e cuja apresentação, de todo o modo, sempre se afiguraria inviável para a Recorrente.
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