Acórdão nº 315/15.3PFPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-03-2023

Data de Julgamento08 Março 2023
Ano2023
Número Acordão315/15.3PFPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 315/15.3PFPRT.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. Por despacho de 02/02/2022, proferido no Processo n.º 315/15.3PFPRT, em que foi arguido, e agora condenado, AA, que corre termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 7, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido o seguinte:
Julgamos, pois, que a execução da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão.
Nisso expressamente consentiu o arguido, assim como as pessoas com quem o mesmo irá coabitar (conforme resulta das declarações juntas aos autos e colhidas pela DGRSP), motivo pelo qual a pena aplicada passará a ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a executar nos termos previstos nos artigos 1º, al. b) e 19º, nº 2 da Lei nº 33/2010, de 2/9, na residência sita na Rua ..., ..., Penafiel.
Notifique.”
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1º Nos presentes autos de processo comum singular, o arguido AA foi condenado, por sentença cumulatória datada de 08.09.2017, transitada em julgado em 18.10.2017, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão efetiva.
2º Em face de requerimento do arguido nesse sentido, por força do despacho recorrido (fls. 522 a 523 vº, ref.ª 442488768) datado de 02.12.2022, o Tribunal a quo determinou que o remanescente daquela pena – 1 ano, 5 meses e 28 dias - passasse a ser executado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a executar nos termos previstos nos art.ºs 1.º, al. b), e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2020, de 2/09.
3.º Porém, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CEPMPL, a competência para apreciação de tal questão, salvo melhor opinião, cabe ao Tribunal de Execução de Penas.
4.º Assim, ao proferir tal despacho (subsequente à sentença que determinou a medida e espécie da pena aplicada ao arguido – já transitada em julgado – e ao despacho que homologou a liquidação da referida pena, determinando a modificação desta) o Tribunal a quo extravasou a sua competência material.
5.º Por violar as regras de competência material, a decisão recorrida enferma de nulidade insanável, tendo violado o disposto nos artº.s 10.º, 18.º e 119.º, al. c), do CPP., e 138.º, n.º 2, do CEPMPL.
6.º O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão. Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação [Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, 182, nota 1].
7. O desconto previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 43.º é aquele que é passível de ser feito e valorado logo no momento da prolação da decisão condenatória e não posteriormente, após o cumprimento parcial da pena de prisão.
A não ser assim, a possibilidade de cumprimento em regime de permanência na habitação ali prevista ficaria dependente não de um juízo do Tribunal da condenação mas do momento em que fosse efetuada a liquidação da pena (tantas vezes dependente de circunstâncias fortuitas).
8.º O Tribunal a quo lançou mão do disposto no artigo 43.º, n.º 1, al. b), do CP fora das condições e momento em que poderia ser aplicado, pois quaisquer alterações da forma de cumprimento de uma pena de prisão que se encontra em execução, como é caso em apreço, são reguladas pelo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12/10.
9.º A posição do Tribunal a quo é violadora do caso julgado formado pela sentença cumulatória datada de 08.09.2017 (a qual afasta expressamente a possibilidade de penas de substituição, designadamente, que permitissem o cumprimento fora de meio prisional) e acaba por criar um regime ad hoc concorrente com o da liberdade condicional e, inclusivamente, com o próprio regime da modificação da execução da pena de prisão plasmada no CEPMPL, à revelia do seu pressuposto subjectivo de aplicação exclusivamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada – art.ºs 118.º e 120.º, do CEPMPL.
10.º A aplicação da pena de substituição prevista no art.º 43.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, depende da verificação dos pressupostos formais da medida concreta da pena de prisão efetiva (não superior a dois anos) – que, nos termos supra expostos, se reitera não estar verificado – e do consentimento do condenado e do pressuposto material da “adequação às finalidades da punição. A escolha desta pena de substituição, como de qualquer outra, é determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva, quer de prevenção geral quer especial” [Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., 183], que no caso também se não verifica.
11.º No caso vertente, não se provou nenhum dos factos alegados pelo arguido no seu requerimento de fls. 513 a 515 – desde logo, por nenhuma prova ter sido oferecida -, os quais, de resto, se reconduzem a situações psicológicas insuscetíveis de demonstração, meras intenções e, sem quebra do devido respeito, “palavras de circunstância”.
12.º Dos elementos constantes do processo não se vislumbram que razões preventivas poderiam conduzir a aplicar a pretendida pena de substituição, sendo certo que o despacho recorrido também não faz, salvo o devido respeito, a necessária ponderação dessas exigências de prevenção geral e especial (note-se que duas das condenações em cúmulo se referem a crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, o qual pode ser praticado a partir do domicílio).
13.º A decisão recorrida violou as normas dos art.ºs 10.º, 18.º e 119.º, al. c), do CPP., 118.º, 120.º 138.º, n.º 2, do CEPMPL, e 43.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
Termos em que se entende dever ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se nula a decisão recorrida ou, subsidiariamente, determinando-se a sua revogação e a substituição por
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