Acórdão nº 311/20.9GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-28

Ano2023
Número Acordão311/20.9GHSTC.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Local Criminal de …- Juiz…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 311/20.9GHSTC, foi o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a …-…-1947, natural de …, divorciado, tubista, residente na Rua de …, …, absolvido e condenado nos seguintes termos:

- Absolvido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal;

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos 181.º e 184.º, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, nas penas de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 12,00 (doze euros), por cada um;

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, que será acompanhada de um regime de prova, a elaborar pela DGRSP da respetiva área de residência;

- Condenado pelos crimes de injúria agravada na pena única de 145 (cento e quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz o total de € 1.740,00 (mil, setecentos e quarenta euros);

- Condenado no pagamento a DD da quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais;

- Condenado no pagamento a EE da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de danos não patrimoniais.

***

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“i. As forças policiais devem ser rigorosas e competentes no cumprimento das suas missões;

ii. Não resultou provado que o arguido conduzisse sem fazer uso do cinto de segurança, motivo invocado pelos militares da GNR para a interpelação que fizeram;

iii. O arguido foi confrontado com a imputação por parte de três militares da GNR da prática de uma contraordenação estradal – não fazer uso do cinto de segurança – o que negou liminarmente, fazendo desenvolver em si um profundo sentimento de injustiça, classificando a abordagem como “perseguição”;

iv. O arguido, um homem de 75 anos de idade, com dificuldade em lidar com situações de stress, com o quarto ano de escolaridade, confrontado com uma acusação injusta e falsa, empurrou um militar da GNR e verbalizou a injustiça que sentiu - «Isto é uma perseguição… Vocês não me vão multar… Eu tenho tudo legal. A mim ninguém me vai multar. Se tivéssemos na Guiné já tinha tratado de vocês. Dá cá a merda dos documentos oh meu cabrão. Se fosse na Guiné já te tinha fodido oh preto do caralho.»;

v. O arguido agiu sob emoção violenta, resultante de lhe imputarem um comportamento que não tinha adotado, que lhe toldou e motivou a sua atuação;

vi. O tribunal a quo reconhece, em sede de fundamentação, que «a diferença física absolutamente manifesta entre o arguido e os três militares, não permite concluir que estes temessem fisicamente aquele»;

vii. Os próprios militares ficaram surpreendidos com a atitude do arguido, como bem se faz notar na sentença a quo – «[...] aliás, neste passo quer EE quer FF aludiram à circunstância de terem sido surpreendidos pela agressão perpetrada pelo arguido.».

viii. Não fora a evidente alteração emocional do arguido, nunca teria encetado qualquer comportamento físico atenta a evidente desproporcionalidade para com os militares da GNR;

ix. O comportamento físico do arguido mais não pode ser entendido do que sendo uma explosão de frustração e impotência face à “acusação” falsa que lhe era feita, agindo ao abrigo do direito de resistência consagrado no artigo 21.º da Constituição da República Portuguesa;

x. Considerando a análise critica da prova feita na douta sentença e a sua fundamentação, não poderia ter sido dado como provado que: i)O arguido agiu da forma descrita com a intenção de ofender o corpo, a saúde, honra e bom nome profissional do senhor Militar da GNR EE, resultados que logrou alcançar. ii)O arguido agiu, deliberadamente, com intenção de atingir, fisicamente, o ofendido EE, bem como quis e conseguiu provocar no ofendido EE lesões e dores físicas, o que concretizou, não obstante saber que este era Militar da GNR, devidamente, fardado, que se encontrava no exercício das suas funções de Militar da GNR e de força pública e agiu por causa do exercício dessas funções;

xi. Da matéria de facto provada, para efeitos de imputação da prática dos crimes de injúria agravada, pelos quais o arguido foi condenado, teve-se como assente que no decurso de uma abordagem policial, imputando ao arguido a não utilização de cinto de segurança, que o arguido afiança ser falso, sentiu-se injustiçado e debateu-se, invocando que era mentira o que lhe diziam, que tinha tudo legal e que estava a ser perseguido;

xii. Para que se tivesse verificado, em função das afirmações feitas pelo arguido, um crime de injúria, necessário seria que pelo menos uma daquelas expressões consistisse numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração, o que não sucede;

xiii. As expressões não contendem com o conteúdo ético da personalidade moral dos visados nem atingem valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal, não atingindo aquele que é o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana – tão pouco sob um ponto de vista racial atento o contexto emotivo em que são proferidas;

xiv. No contexto em que foram proferidas, as palavras «preto do caralho» «cabrão» «fodido», não têm outro significado que não seja a mera verbalização das palavras obscenas, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação dos visados;

xv. As expressões proferidas pelo arguido e os comportamentos por si adotados, terão de ser analisados sob o prisma da intenção ou não de atingir e lesar a honra e o corpo dos senhores militares da GNR, ou se consubstanciam um mero ato de desabafo dentro do quadro de emoção exacerbada experienciada por aquele;

xvi. Não podia ser considerado provado que o arguido, Quis e conseguiu ofender a honra, a reputação e consideração social e profissional destes ofendidos, quer na sua vertente, estritamente, pessoal como na de Militares da GNR.

xvii. Impunha-se a absolvição do arguido relativamente aos crimes de injuria agravada e ofensa à integridade física qualificada que lhe vinham imputados e, bem assim quanto aos pedidos de indemnização deduzidos.

xviii. A sentença revidenda viola o disposto no artigo 21.º da Constituição da República Portuguesa, e o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal;

xix. Enfermando dos vícios das alíneas b) e c) do artigo 410.º do mesmo diploma legal, revelando erro na apreciação de prova e, bem assim, contradição entre a fundamentação e a decisão condenatória alcançada;

xx. Sem prescindir, não resultando provado o alegado motivo da interpelação por parte dos militares da GNR, bem ao contrário, mostra-se contextualizado e motivado o comportamento do arguido, relevante em termos de culpa para a fixação das penas a aplicar;

xxi. Pecando o tribunal a quo por excesso nas penas fixadas ao arguido;

xxii. No que concerne os crimes de injuria agravada, em face da moldura penal aplicável e da factualidade, a multa a aplicar ao arguido não devia ir além de vinte dias por cada um;

xxiii. No que concerne o crime de ofensa à integridade física qualificada, pelos mesmos fundamentos, impunha-se a substituição de pena de prisão por pena de multa, a fixar pelo mínimo;

xxiv. Decidindo como fez, a sentença revidenda viola o disposto nos artigos 40.º, 45.º e 71.º, todos do Código Penal.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que que absolva o arguido ou, subsidiariamente, que lhe aplique penas mais reduzidas.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1 - Limitando-se a recorrente a dizer que considera incorrectamente julgada a factualidade dada como provada, por discordar da versão acolhida pelo Tribunal, para tal transcrevendo parcialmente o depoimento do ofendido, apreciando-o na generalidade, mas sem indicar as concretas provas e as concretas passagens em que funda a oposição e que impõem decisão diversa da recorrida, não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

2 - Não sendo caso de convidar a recorrente a aperfeiçoar as conclusões formuladas – até por se estar perante deficiências substanciais da própria motivação – não tendo cumprido os requisitos do artigo 412.º, n.º 4 do C.P.P., deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto pretendida.

3 - Caso assim não se entenda – o que não se concede – sempre se dirá que, conforme jurisprudência dos tribunais superiores, a reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando, do respectivo reexame, se concluir que as provas impõem uma decisão diversa; o que não é o caso presente.

4 - Examinando a motivação do recurso, afigura-se que descura por completo os parâmetros de apreciação dos invocados...

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