Acórdão nº 3102/21.6JAPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-28

Ano2023
Número Acordão3102/21.6JAPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 3102/21.6JAPRT.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro



Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1 Após realização da audiência de julgamento no processo nº 3102/21.6JAPRT, que corre termos no Juízo Central Criminal de Vila do Conde, Juiz 6, por acórdão proferido a 13/02/2023, foi decidido o seguinte:
“Por tudo o exposto, o Tribunal Coletivo:
Julga parcialmente procedente por provada a acusação pública deduzida contra o arguido AA pela prática de:
- um crime de rapto, previsto e punido pelo art.º 161 n.º 1 b) do Código Penal (ofendida BB), condenando-o na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de rapto na forma tentada, previsto e punido pelo art.º 161 n.º 1 b), 22 e 23 do Código Penal (ofendida CC), condenando-o na pena de 1 ano de prisão;
- Absolve o arguido do crime consumado de rapto, previsto e punido pelo art.º 161 n.º 1 b) Código Penal, na pessoa da ofendida CC
- Condena o arguido, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 3 anos de prisão.
- Suspende a execução da pena de 3 anos de prisão pelo período de 3 anos, subordinando a suspensão à condição de, em 3 anos, o arguido pagar a cada uma das ofendidas BB e CC a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros).”
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição apenas das que poderão traduzir um resumo das razões do pedido, nos termos do art.º 412º, nº 1, do CPP):
“A. Foram dados como provados factos que não correspondem à verdade material em virtude de uma incorreta interpretação e valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
B. Foram incorretamente julgados os pontos 7, 13, 14 e 15 dos factos dados como provados (identificados no separador “2.1.1. – Factos Provados”), impondo-se a modificação dos mesmos.
(…)
H. O Tribunal a quo desconsiderou factos e provas sem qualquer motivação ou fundamento válido, decidindo contra o Recorrente, com uma valoração puramente subjetiva e arbitrária, sem fundamento concreto e objetivo, desconforme à Constituição da República Portuguesa, violando o disposto no seu art.º 32.º, n.ºs 1 e 2.
I. Impõe-se que o Tribunal ad quem afira da arbitrariedade da decisão violadora dos critérios legais impostos ao julgador na valoração da prova.
J. Ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova produzida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 124.º n.º 1, 125.º, 126.º e 127.º, todos do Código de Processo Penal (CPP).
*****
Caso assim não se entenda, o que não se concede, então a ofendida fugiu momentos após ter sido introduzida no veículo sem que o Recorrente tenha conseguido dominá-la, como se passa a analisar.
*****
K. O facto dado como provado no ponto 13. é contraditório com o ponto 7.
L. Ao considerar-se que a ofendida fugiu sem intervenção direta do Recorrente (apesar de estarem ambos no mesmo espaço exíguo e este ter superioridade física sobre a ofendida), então é porque a ofendida não chegou a estar dominada e efetivamente privada da sua liberdade.
M. Não é suficiente a transferência da vítima de um local para o outro para a consumação do crime de rapto, mostrando-se igualmente necessário o domínio fático efetivo do agente sobre a pessoa, sem que ele seja posto em causa pela vítima ou por terceiro.
(…)
O. Na falta do domínio fático efetivo do Recorrente sobre a ofendida BB, o crime por si praticado teria sido na forma tentada.
P. Deverá ser dado como não provado que o Recorrente privou da liberdade a ofendida BB e, em consequência, deverá ser alterado o facto dado como provado e constante no ponto13.
*****
Q. Deverá ser dado como provado, nos pontos 13. e 14., que o Recorrente renunciou voluntariamente à sua pretensão e que a atuação da ofendida CC em nada foi decisiva para a sua libertação.
(…)
U. Existe contradição entre a matéria dada como provada entre os pontos 12., 13. e 14., bem como há errada apreciação dos factos e da prova produzida, que levará à necessária modificação da matéria de facto dada como provada.
V. Não existe correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova produzida, pelo que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 124.º n.º 1, 125.º, 126.º e 127.º, todos do CPP, uma vez que face à prova produzida apenas se poderia dar como provado que o Recorrente desistiu e libertou a ofendida CC, devendo nos pontos 13. e 14. dar-se como provado que o Recorrente renunciou voluntariamente à sua pretensão e que a atuação desta ofendida em nada foi decisiva para a sua libertação.
(…)
X. Nunca o Recorrente poderia ter sido condenado pelos crimes de rapto, independentemente de estes revestirem a forma consumada ou tentada.
(…)
DD. O Tribunal a quo deveria ter dado como não provado o tipo subjetivo do crime de rapto.
EE. O Tribunal a quo ao consignar que o Recorrido agiu perante as ofendidas “com o propósito de as constranger a manter contactos de natureza sexual” sem afirmar os factos objetivos e concretos donde emerge aquela asserção, limita-se a proferir uma conclusão, um juízo de valor sobre os factos, desacompanhado das premissas donde aquela se pudesse extrair.
FF. Em caso de dúvida, deveria o Tribunal a quo lançar mão do princípio Constitucional do “in dubio pro reo” porque não é ao arguido que cumpre provar a sua inocência, ou seja, não lhe incumbe provar que não tinha o propósito de constranger as ofendidas a manter contactos de natureza sexual para ser absolvido.
GG. A insuficiência da prova produzida para a decisão, indicia a verificação do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2 al. a) e c) do CPP.
HH. O Tribunal a quo violou não só o art.º 161.º do Código Penal (CP), ao ter proferido decisão condenatória sem que o tipo legal de crime se encontrasse preenchido, como também o artigo 127.º do CPP (livre apreciação da prova), e ainda o art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença de condenação).
JJ. Com uma correta valoração das provas, conclui-se que os factos apenas ocorreram em virtude de um período muito conturbado e de instabilidade emocional que o Recorrente vivenciou.
KK. Pouco tempo antes dos factos ocorrerem, o Recorrente tentou suicidar-se, recorreu a acompanhamento psiquiátrico e tomou medicação para tratamento da depressão e perturbações da ansiedade (Cipralex e Lorsedal).
(…)
OO. Não é razoável pensar-se que o comportamento do Recorrente estava imbuído de intenção libidinosa e que pretendia atentar contra a liberdade e autodeterminação sexual da ofendida junto à estação de comboios da ... e naquele preciso momento (recorde-se que o Recorrente entrou com a ofendida para a carrinha em vez de tentar fechá-la no veículo e levá-la para um sítio ermo).
(…)
RR. Como supra referido, o Recorrente não teve o domínio fático sobre a ofendida BB, motivo pelo qual, no máximo, o crime cometido apenas teria sido cometido na forma tentada.
(…)
SS. Se se considerar que o Recorrente teve o domínio fático sobre a ofendida BB, então a saída da mesma da carrinha apenas foi possível em sequência da ação e vontade expressa do Recorrente para o efeito, o que equivale a renúncia voluntária à sua pretensão e, consequentemente, deverá o Tribunal ad quem considerar a aplicação do preceituado no art.º 161.º, n.º 3 do CP (pena especialmente atenuada).
TT. O Recorrente deverá, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 24.º do CP, ser absolvido do crime de rapto, na forma tentada, cometido contra a ofendida CC, atento o Tribunal a quo ter dado como provado que o mesmo desistiu dos seus intentos (ponto 12.).
UU. O Tribunal a quo violou o art.º 161.º e 24.º do CP.
(…)
VV. O Recorrente deverá ser absolvido de ambos os crimes pelos quais foi condenado.
*****
Caso assim também não se entenda, o que não se concede,
*****
WW. As medidas das penas encontradas para o Recorrente são objetivamente excessivas.
XX. Caso se entenda que o Recorrente chegou a ter o domínio fático sobre a ofendida BB, então, o Tribunal a quo ao decidir que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação da atenuação especial da pena, violou o disposto nos artigos 50.º, 71º, 72.º e 161.º, n.º 3, todos do CP e, ainda, o art.º 374.º, n.º 2 do CPP.
YY. Caso se entenda que o Recorrente não chegou a ter o domínio fático sobre a ofendida BB, então, o mesmo apenas poderá ser punido por tentativa de rapto, nos termos do previsto nos art.º 161.º n.º 1, alínea b), e artigos 22.º e 23.º, todos do CP.
ZZ. Independentemente do entendimento relativamente ao domínio fático do Recorrente contra ofendida BB, admite-se como razoável uma pena de prisão nunca superior a 1 (um) ano.
(…)
BBB. Face ao juízo de prognose favorável ao Recorrente, a pena de prisão referida em YY. deverá ser substituída por pena de multa, admitindo-se como razoável 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 5,00/dia, no montante global de € 500,00.
CCC. Caso o Tribunal ad quem entenda não ser de substituir a pena de prisão referida em YY. por pena de multa, deverá a mesma pena ser suspensa na sua execução pelo período de um ano, face aos fundamentos já aduzidos no Acórdão ora recorrido.
DDD. A suspensão da pena não deverá ficar condicionada a qualquer pagamento às ofendidas.
(…)
FFF. Tanto mais que a quantia fixada é manifestamente exagerada atenta a capacidade económica do Recorrente (recebe o salário mínimo nacional, paga uma prestação de alimentos no montante de €130,00 ao seu filho menor, e tem de suportar as normais despesas domésticas).
GGG. A circunstância descrita em EEE. coloca o Recorrente numa situação de eventual incumprimento, impossibilitando-o de beneficiar de uma suspensão que o Tribunal a quo entendeu ser suficiente para o afastar da criminalidade e que a mesma satisfazia as expectativas da comunidade.
HHH. Caso o Tribunal ad quem entenda ser exigível que a
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