Acórdão nº 3080/22.4T8CSC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-14

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão3080/22.4T8CSC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

J, divorciado, intentou no Juízo de Família e Menores de Cascais contra A, solteira, residente na mesma morada do autor, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da sua progenitora M, uma acção que qualificou de declarativa de simples apreciação, pedindo que se declarasse:
(i) A existência da união de facto entre o autor e a referida progenitora desde 1992; (ii) Que a fracção [que identifica e que é a morada do autor], [era] a casa de morada da família dos membros da união de facto; (iii) que o autor é titular do direito real de habitação exclusivo sobre a fracção urbana supra descrita por período equivalente àquele que durou a união; (iv) que o autor é titular do direito exclusivo do uso do recheio da referida fracção, pelo mesmo período; enfim, (v) Que [se] ordene o averbamento do direito real de habitação do autor na Conservatória do Registo Predial.
Entre o mais juntou aos autos uma certidão predial relativa a um edifício constituído em propriedade horizontal, num prédio com 252m2 de área total/coberta, com 24 fracções, sendo a fracção em causa nos autos a fracção N, de que também junta certidão predial, constando que fica no 4.º andar esquerdo.
A ré contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria. Diz: Por força do disposto no artigo 122/1-b da Lei da Organização do Sistema Judiciário, em matéria de união de facto, apenas estão sujeitas à jurisdição dos juízos de família e menores os processos de jurisdição voluntária, ou seja, só aos casos de atribuição da casa morada de família, com os fundamentos indicados no artigo 990/1 do Código de Processo Civil. Com a presente acção, o autor pretende ver reconhecido um direito real de habitação sobre um imóvel e o direito de uso sobre o respectivo recheio, com fundamento no disposto no artigo 5 da Lei 7/2001, de 11/05 (LUF). Pelo que a acção é da competência do Juízo Local Cível de Cascais, nos termos do disposto no artigo 130/1 da LOSJ. A incompetência do tribunal em razão da matéria constitui uma incompetência absoluta (artigo 96 do CPC) e a excepção a ela respeitante é dilatória e de conhecimento oficioso (artigos 576/1-2, 577/-a e 578, todos do CPC), e implica absolvição da ré da instância (artigos 99/1 e 578/2 do CPC.
Diz deduzir também a excepção peremptória de inexistência dos direitos invocados pelo autor. Isto porque o artigo 5/3 da LUF, faz depender a exclusividade dos referidos direitos da compropriedade, pelo membro da união de facto sobrevivo, sobre os referidos bens, imóveis ou móveis. Ora, o autor não invoca, na sua PI, o direito de compropriedade, quer sobre o imóvel, quer sobre o recheio.
Conclui, nesta parte, no sentido da absolvição da instância por procedência da excepção da incompetência ou pelo absolvição do pedido devido à excepção da inexistência dos direitos invocados pelo autor.
O autor foi notificado para responder à excepção da incompetência e fê-lo impugnando-a (mais ou menos nos termos que depois desenvolve no recurso que se segue).
Por despacho de 20/03/2023, o Juízo de Família e Menores julgou-se absolutamente incompetente para a tramitação e decisão dos presentes autos e, ao abrigo do disposto nos artigos 96-a, 99/1 e 590/1 do CPC, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
O autor recorre deste despacho, concluindo que o tribunal a quo incorreu em erro de direito e que a decisão recorrida devia ser revogada e substituída por outra que declare a competência material dos juízos de família e menores de Cascais para decidirem do mérito da causa.
No corpo das alegações disse, em síntese, que:
A competência material dos tribunais se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida e da natureza das normas que disciplinam a relação jurídica que está na base do litígio. Com a presente acção, o apelante pretende o reconhecimento judicial da união de facto. Os outros pedidos são dependentes da procedência do pedido principal; a jurisprudência dos tribunais superiores tem decidido, quase maioritariamente, no sentido de atribuir competência aos juízos de família e menores para preparar e julgar as acções que visem o reconhecimento judicial das situações de união facto. Nos termos do art. 122/1-g da LOSJ, compete aos juízos de família e menores preparar e julgar ‘”Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”. O conceito de família, ínsito na referida alínea, integra as situações de união de facto, que compaginam uma modalidade de relação ligada de forma clara ao estado civil das pessoas e da família. Sendo pacífico que os juízos de família e menores são competentes, ope legis, para decidirem sobre a atribuição da confiança dos animais de companhia a um dos cônjuges, mal andaria o direito português se deles afastasse a competência para reconhecerem a protecção legal da casa que o art. 5/1 da LUF, designa “de morada da família.” Acresce que a decisão de indeferimento adoptada pelo tribunal a quo teve lugar após a contestação da acção pela ré; ora, o único despacho admissível, no caso sub specie, seria o de absolvição da instância; mal andou o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a petição inicial, uma vez que tal decisão é apenas admitida após a
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