Acórdão nº 3007/16.2T9CSC.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-19

Data de Julgamento19 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão3007/16.2T9CSC.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório:


No processo comum singular nº 3007/16.2T9CSC do Juízo Local Criminal de Cascais (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido D. , tendo sido condenado, por sentença datada de 18.11.2021, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171º, n.º 3, al. a) do Cód. Penal, por referência ao art. 170º do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova, nos termos conjugados dos arts. 50º, n.º 1, 2 e 5 e 53º, n.º 1, 2 do Cód. Penal”.

Na sentença foi ainda decidido não aplicar ao arguido as “penas acessórias previstas nos arts. 69º-B, n.º 2 e 69º-C, n.º 2, ambos do Cód. de Processo Penal e não condenar o arguido no pagamento de uma indemnização à vítima, nos termos do art. 82º-A do Cód. de Processo Penal.

Por não concordar com o teor da decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, restrito à questão da não aplicação das penas acessórias ao arguido, formulando as seguintes conclusões:
1.–Nos presentes autos, o arguido D. foi acusado e sujeito a julgamento, findo o qual veio a ser condenado, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a) do Código Penal (por referência ao artigo 170.º do Código Penal), na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova.
2.–Pese embora as penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal constassem ao mesmo imputadas na acusação proferida, entendeu o tribunal que, em face da factualidade dada como provada, a mesma não exigia a sua aplicação e, consequentemente, conclui no sentido de o arguido ser apenas condenado na pena principal.
3.–Visa-se, assim, através do presente recurso a análise apenas da questão referente à não aplicação das penas acessórias ao arguido, ainda que se conclua que o mesmo praticou um dos crimes constantes dos normativos identificados nos artigos 69.ºB e 69.º-C e que o fez contra vítima menor.
4.–Em primeiro lugar, não poderá deixar de se considerar o elemento literal da norma, na qual o legislador faz distinguir, por entender que as situações não podem ser aferidas de forma idêntica, as situações de vítimas menores – em cuja pena acessória faz constar o vocábulo ‘é condenado’ – das situações de vítimas não menores – onde se lê ‘pode ser condenado’.
5.–Em segundo lugar, não poderá deixar de se atender à alteração que produziu o aditamento das referidas normas constantes nos artigos 69.º-B e 69.º-C, que não poderá ser desprendida das finalidades visadas, de protecção da vítima e reforço das exigências de prevenção geral que os ilícitos em causa impõem.
6.–Por último, ainda que se possa afirmar, como o fez a sentença, de que as circunstâncias factuais dadas como provadas não demonstram a necessidade de aplicação das penas acessórias – situação isolada, falta de antecedentes do arguido, acto dado como provado consubstancia uma situação de carácter exibicionista -, sempre se dirá que, ainda assim, caso se entenda ser de aplicar uma pena, terá também de se aplicar as consonantes penas acessórias.
7.–A determinação de tais penas acessórias e, nomeadamente, o período durante o qual as mesmas vigoram deverá ser fixado em consonância com os critérios legais previstos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.
8.–Concluindo-se no sentido da aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, n.º 2 e 69.º-C, n.º 2, ambos do Código Penal, atendendo às circunstâncias factuais dos autos e aos critérios estabelecidos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, devem tais penas ser fixadas no seu limite mínimo, pelo período de 5 anos.
9.–Assim, em face do exposto, deve a sentença de que ora se recorre ser revogada, na parte em que afasta a aplicação das penas acessórias à situação concreta dos presentes autos, por se mostrar violadora dos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal e substituída por outra que condene o arguido pelas referidas penas acessórias, num período fixado em 5 anos.”

O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.

Notificado em conformidade com o disposto no artigo 411º, nº 6 do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.

Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Colhidos os «vistos» e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*

II–QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença proferida nos autos – a única questão a examinar e decidir prende-se com a invocada obrigatoriedade da aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal.
*

III–DA DECISÃO RECORRIDA

Com interesse para a decisão do presente recurso, consta da sentença recorrida (transcrição):

“Factos Provados

Apreciada a prova produzida em audiência de julgamento, resultaram como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1)–No dia 7 de Setembro de 2016, pelas 17H30, o arguido encontrava-se no areal da praia de Carcavelos, área deste município.
2)–Em tais circunstâncias, a vítima E.M. , nascida em 20 de Janeiro de 2006, encontrava-se a praticar surf nas águas daquele areal.
3)–O arguido entrou então na água, e abeirou-se da vítima, declarando-lhe, em português, “boa onda”.
4)–Então, dirigindo-se à vítima, o arguido baixou os calções que envergava, e expôs o seu pénis, assim pretendendo que a vítima presenciasse tal conduta do arguido e olhasse o pénis do arguido, o que de pronto sucedeu.
5)–Ao proceder da forma descrita, exibindo o seu pénis à vítima E.M. , o arguido bem sabia e não podia ignorar que perturbava e importunava a vítima na esfera da sua autodeterminação sexual, o que quis e logrou, pondo em crise o seu direito a circular na via pública sem que seja exposta à exibição indesejada de órgão sexuais de terceiros.
6)–O arguido previu e não podia deixar de ter previsto que a vítima podia ter idade inferior a 14 anos, atendendo à sua morfologia corporal e apresentação, o que lhe foi indiferente, não o coibindo de proceder da forma descrita.
7)–Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Provou-se ainda que:
8)–O arguido tem o 12º ano de escolaridade.
9)–Exerce a profissão de empresário na área da agricultura em Santarém e aufere o rendimento mensal de €600,00.
10)–Reside sozinho, em habitação arrendada, da qual despende o valor mensal de €400,00 e cerca de €35,00 nas despesas mensais correntes de água e electricidade.
11)–Não tem filhos.
12)–O arguido não regista quaisquer antecedentes criminais.

Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.”
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IV–FUNDAMENTAÇÃO

Como acima se referiu, a única questão suscitada perante este Tribunal de recurso prende-se com a obrigatoriedade de aplicação das penas acessórias de proibição do exercício de funções (artigo 69º-B do Código Penal) e de proibição de confiança de menores e inibição do exercício de responsabilidades parentais (artigo 69º-C do Código Penal) – cuja imposição fora pedida na acusação deduzida pelo Ministério Público e que o Tribunal recorrido recusou – estando fora de dúvida que o arguido foi condenado por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A do Código Penal (no caso, o crime de abuso sexual de crianças previsto no artigo 171º, nº 3, alínea a), que remete para a descrição típica do crime de importunação sexual, previsto no artigo 170º) e que a vítima era menor.

Cumpre apreciar.

De acordo com o disposto no artigo 69º-B, nº 2 do Código Penal, “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A, quando a vítima seja menor”.
Por seu turno, o artigo 69º-C, nº 2 do Código Penal, estabelece que “É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A, quando a
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