Acórdão nº 2993/21.5YRLSB-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-16

Ano2022
Número Acordão2993/21.5YRLSB-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – RELATÓRIO
A - A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal veio
requerer, ao abrigo do disposto nos art.ºs 15.º e 16.º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, a execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pelo Ministério Público do Tribunal da Comarca de Bobigny, França, para entrega de VR______ , de nacionalidade portuguesa, nascida a 28 de Fevereiro de 1975, no Brasil, filha de, que foi detida no dia 20 de dezembro de 2021, pelas 09.45 horas, em Lisboa, para cumprimento da pena de 5 (cinco) anos de prisão, imposta pela sentença proferida a 5 de julho de 2019, pela 13ª Câmara Correcional do Tribunal de Grande Instância de Bobigny, já com força executiva, tendo a requerida sido julgada à revelia por factos que constituem a prática de sete crimes, sendo quatro de proxenetismo agravado, previstos e punidos pelos artigos 225°, n.°s al.1 3°, 4°, 5C, 7, al. 1, 9, 10, 20, 21, 24, 25, dois crimes de tráfico de seres humanos, p. e p. pelos art.°s 225, 4-2&1, all 1°, 225-4-1&1, 225-20, 225-21, 225-24, 225-25, 225-4-2&1, e um crime de associação criminosa, previsto e punível pelos art.°s 450-1 al 1, al. 2, 450°-3 e 450-5, para todos do Código Penal Francês
B - Os factos por cuja autoria a Requerida VR______ foi julgada e
condenada são os seguintes:
«Entre 1 de janeiro de 2015 e 17 de outubro de 2017, em Pantin, Créteil, villeneuve-Saint Georges, Courbevoie, no Departamento de Seine-Saint Denis, na região de Ile de France e em Portugal, a Sra. VR_____ lucrou com a prostituição de A___, B___, C___, D___, E___, F___, G___, H___, I___, J___, L___, M___, N___ e outros indivíduos não identificados, (cerca de quinze).
Estas pessoas dedicam-se regularmente à prostituição, com as circunstâncias adicionais de que as infrações foram cometidas contra múltiplas pessoas, por múltiplas pessoas agindo como autores ou cúmplices, sem constituírem um grupo organizado, sendo o contacto estabelecido através de uma rede de comunicação eletrónica e contra uma pessoa incitando à prostituição aquando da sua chegada a França.
A Sra. VR_____ entre 1 de janeiro de 2015 e 17 de outubro de 2017, nos mesmos locais também esteve envolvida num grupo ou acordo criado com intenção de planear, caraterizado por múltiplas ações concretas, uma infração penal de segundo nível punível, com dez anos de prisão ao participar numa rede estruturada que implicava a vinda de mulheres para França e depois organizar a prostituição dessas mulheres.
A Sra. VR_____ entre 1 de janeiro de 2015 e 17 de outubro de 2017, nos mesmos locais, em troca de uma indemnização ou qualquer outro benefício ou promessa de indemnização ou benefício, recrutou, transportou, transferiu, alojou ou hospedou uma pessoa de modo a disponibilizar essa pessoa a um terceiro, mesmo que não identificado, a fim de que as infrações de proxenetismo pudessem ser cometidas contra essa pessoa, com as circunstâncias acrescidas de que as infrações foram cometidas contra várias pessoas aquando da sua chegada a França.
Neste caso VR_____ geriu nomeadamente as listas dos serviços de prostituição, geriu as prostitutas com autoridade e recrutou rotineiramente novas prostitutas para a rede, os endereços IP Portugueses identificados nestes processos foram registados em nome de LP___, o filho de VR_____ .»
C - Detida em 20.12.2021, em Lisboa, foi a Requerida ouvida neste Tribunal no dia seguinte, 21.12.2021, declarando então não consentir na sua entrega ao Estado requerente e, bem assim, não renunciar ao benefício da regra da especialidade, tendo sido proferido despacho que manteve a sua detenção e lhe concedeu prazo para deduzir oposição.
D - No prazo que, para tanto, lhe foi concedido, a Requerida deduziu
oposição à execução do mandado, com o seguinte teor:
«1 – Como se infere do presente MDE foi a arguida/requerente interpelada
e confrontada nos serviços de aeroporto de Lisboa, face a um pedido de detenção europeu postulado por parte do Estado de França.
2– Nesta condição, a prima facie, o Portugal, enquanto Estado da Execução, não pode deixar de indagar da regularidade formal, material e substancial e se for o caso dar-lhe execução, agindo com base no princípio da reciprocidade, ou bem dizendo do princípio reconhecimento mútuo, basilados na Lei número 65/2003, de 23 de agosto e Lei Quadro número 20002/584/JAI, do Conselho 13.06.
3– Ocorre porém, que a Lei em comento, não tem aplicação erga omines se aplicando contra tudo e contra todos e, assim procedendo violando inúmeros princípios processuais e constitucionais do quais não pode prescindir o judiciário.
4– Ainda neste mesmo norte, são inúmeras as prerrogativas a serem
avaliadas e direitos e condições da detenta que precisam ser considerados antes de dar plena valia ao MDE.
5– Assim, a pesar da referência à força executiva do mandado, o que
determinaria a sua execução com base no princípio da confiança entre os Estados, a verdade é que tal assim não pode ser considerado face as realidades fáticas que se apresentam no momento e a análise deste sapiente magistrado.
6– Como se demonstrará, daqui por diante, estão verificados todos os pressupostos obrigatórios e facultativos para ensejar a recusa de execução do mandado de detenção europeu, tudo como se demonstrará.
7- Como dito no MDE julgada à revelia, por consequência há e não pode haver ou constar dos autos no Estado de emissão do MDE qualquer notificação pessoal ou por interposta pessoa à arguida da existência de procedimento judicial criminal em andamento e contra si, da mesma forma que não há qualquer indicação de que a arguida tenha sito noticiada do dia, local e horário do julgamento que culminou com a decisão que deu origem ao MDE contra o qual se insurge nesta feita.
8- Ainda nos autos não pode constar, como de fato não consta, qualquer
comprovação de que a arguida tenha recebido informação oficial da data e local previstos para o julgamento do caso primitivo ou de origem do MDE.
9 – Logo, não foi a arguida/Requerida VR______ , jamais, notificada de
que qualquer acusação corri contra si, quer pelo Estado Francês, quer opor outro Estado inclusive o Português.
10 – Os fatos carreados de 1 a 9, corroborados pelos que se seguiram
demonstram de forma inconteste de que a requerida VR______ não tinha qualquer conhecimento de julgamento previsto e realizado e de que pesava contra si e menos ainda da possibilidade de sentença condenatória e da existência de MDE, na verdade nem mesmo o conhecimento de que podendo contra si ser prolatada sentença condenatória mesmo não estando presente ao julgamento tinha a Requerente tal conhecimento, “(al.a)., do nº 1 artigo 12-A, Lei nº 65/2003 de 23 de agosto
11 – Como demonstrado não pode existir qualquer evidência nos autos da
notificação ou conhecimento de processo que contra si corre.
12 – o até aqui demonstrado por si já demonstra suficientemente elementos
ensejadores de ilidir o cumprimento do MDE, mas pasme o julgador, isto é apenas a ponta do iceberg, senão vejamos:
13 - Mas, igualmente nos autos do país de origem, não pode existir
qualquer evidência do processo que contra si corre:
14 - O texto do MDE deixa claro que não há nos autos do país de emissão qualquer evidência de que Requerida VR______ tenha nomeado ou outorgado mandato a defensor e menos ainda constituído algum a defende-lhe os interesses, neste mesmo texto também não se chega se que a ilação de que o Estado Francês tenha lhe constituído defensor, assim e sobe esta luz pode-se afirmar que nos autos de emissão não há qualquer elemento que condução a existência de um defensor designado para a defesa desta e menos ainda de que tenha sido efetivamente representada por este defensor em audiência de julgamento. “al. b) do n. 1 do artigo 12. -A, da Lei 65/2003.”
15 - Da mesma forma a Requerida não foi notificada da decisão final e nem
do direito a novo julgamento, também não foi esta notificada do direito a recurso, razão que até a presente data lhe impediu no todo e qualquer forma de defesa e a reapreciação do mérito da causa.
16 - também nos autos, não há qualquer indício ou mesmo evidência de que
em algum momento do processo, o nome, da pessoa procurada, tenha renunciado ao direito de contestar o feito, menos ainda o de que renunciava expressamente a este direito,
17 - ainda neste mesmo sentido, não há nos autos qualquer evidência ou
mesmo indício de que a Requerida tenha renunciado ao direito de fazer ou juntar provas, que por si, podem conduzir o feito a decisão completamente diversa e distinta da decisão inicial. “al. c) do n. 1 do artigo 12-A, da Lei n 65/2003 de 23 de agosto.”
18 - Ainda e também não foi a Requeria notificada pessoalmente a decisão, e que não existem garantias expressas de que após a sua entrega ao Estado Francês, ou Estado de Emissão, do direito que lhe assiste à realização de novo julgamento e ou a recurso que permita reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, que podem conduzir a decisão completamente distinta da decisão inicial e da mesma forma a aplicação de novos prazos. “al. d) do n. 1 do artigo 12-A, da Lei n 65/2003 de 23 de agosto.”
19 - DA RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO DO MANDADO
20 - Estão verificados alguns dos pressupostos para a recusa facultativa de
execução do Mandado de Detenção Europeu, em conformidade o disposto na “alínea g) do n 1 do artigo 12 da Lei 65/2003 de 23 agosto”.
21 - Importa Atender que o Mandado de Detenção Europeu com pena
aplicada que envolve crime que a Requerente alega não ter cometido e de fato não os cometeu na medida em que a Requerente VR______ , se encontra e se encontrava no período indicado e ainda no momento em território português, tendo desde a época, altura, nacionalidade e residência portuguesa e esta última em Portugal.
22 - Neste
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