Acórdão nº 2968/22.7T8ALM.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-28

Ano2023
Número Acordão2968/22.7T8ALM.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório


AAA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra ESTADO PORTUGUÊS, alegando, em síntese, que foi admitido e manteve-se ao serviço do R., ao abrigo de denominados contratos de avença, desde 2 de Outubro de 2002 até 31 de Maio de 2013, tendo nesta data sido celebrado entre as partes um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, que entrou em vigor em 1 de Junho de 2013. Se a relação contratual entre o A. e o R. tivesse reflectido formalmente a realidade material logo em 2 de Outubro de 2002, através da celebração de contrato de trabalho em funções públicas, à data de 1 de Julho de 2013 o A. teria direito à remuneração correspondente ao escalão remuneratório 5, índice remuneratório 27 da categoria profissional de Técnico Superior. Naquele período, o A. exercia as suas funções e tinha uma relação com o R. nos exactos termos em que tal ocorria com os colegas funcionários públicos, conforme descreve de modo concretizado, pelo que se deve concluir que o A. tinha materialmente um contrato de trabalho com o R.. Se a designação formal da relação contratual coincidisse desde o primeiro momento com a realidade material subjacente dum contrato de emprego público, o A. teria tido uma progressão na carreira, que concretiza, em virtude da qual seriam devidas diferenças retributivas entre o que auferiu e o que devia ter auferido, entre 2002 e 2021, no valor global de 88.183,71 €, e, na presente data, teria progredido para o escalão 5 da categoria profissional de Técnico Superior, com remuneração mensal de 1.819,38 €. De acordo com o disposto no art. 10.º, n.ºs 1 e 6, do DL n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo art. 1.º da Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, aplicável ao tempo da celebração do contrato original entre A. e R., a celebração de contratos de prestação de serviços por parte da Administração só podia ter lugar nos termos da lei e para execução de trabalhos com carácter não subordinado, sendo nulos todos os contratos de prestação de serviços, qualquer que fosse a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual tivessem estado em execução. Existia, pois, uma relação laboral no mencionado período de 2 de Outubro de 2002 a 31 de Maio de 2013, durante a qual não foram pagos subsídios de férias nem de Natal, nos valores de 6.390,78 € cada, já incluídos na acima referida quantia de 88.183,71 €, nem o subsídio de refeição que era pago a todos os seus colegas nos termos dos diplomas legislativos invocados, no valor global de 10.510,21 €, tendo ainda, desde 2011 a 2013, se verificado uma diminuição unilateral da retribuição auferida pelo A..

Termina, formulando pedido no sentido de:

a)-Ser declarada a existência e execução de um contrato de trabalho entre o A. e o R. desde 2 de Outubro de 2002;
b)-Ser o R. condenado no pagamento das diferenças salariais, relativas aos anos civis de 2 de Outubro de 2002 a 31 de Maio de 2013, no montante de 88.183,71 €, montante a que deverá acrescer o pagamento de juros de mora à taxa legalmente aplicável;
c)-Ser o R. condenado no pagamento do subsídio de férias devido desde 2 de Outubro de 2002 a 31 de Maio de 2013, no montante de 6.390,78 €, montante a que deverá acrescer o pagamento de juros de mora à taxa legalmente aplicável;
d)-Ser o R. condenado no pagamento do subsídio de Natal devido desde 2 de Outubro de 2002 a 31 de Maio de 2013, no montante de 6.390,78 €, a que deverá acrescer o pagamento de juros de mora à taxa legalmente aplicável;
e)-Ser o R. condenado no pagamento do subsídio de refeição no valor global de 10.510,21 €, montante a que deverá acrescer o pagamento de juros de mora à taxa legalmente aplicável;
f)-Ser o R. condenado a integrar o A. no escalão remuneratório 5, índice remuneratório 27 da categoria profissional de Técnico Superior, com a equivalente remuneração mensal de 1.819,38 €.

O R. apresentou contestação onde, além do mais, invoca a incompetência em razão da matéria do tribunal do trabalho, sustentando que é competente o tribunal administrativo, em virtude da natureza administrativa da avença celebrada, ou, assim não se entendendo, o tribunal cível.

O A. apresentou resposta em que pugna pela não verificação da referida excepção dilatória.

Foi proferido despacho saneador, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, o Tribunal julga procedente a exceção de incompetência material do Juízo Trabalho, deduzida pelo Réu, julgando-se esta instância materialmente incompetente para apreciar e decidir estes autos, uma vez que se trata de matéria da competência dos tribunais administrativos e fiscais, absolvendo-se consequentemente o Réu da instância.»

O A. veio interpor recurso do despacho saneador, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O R. apresentou resposta ao recurso do A., pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2.–Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se o tribunal do trabalho é competente em razão da matéria para a apreciação da presente acção.

3.–Fundamentação

3.1.-Os factos a atender são os decorrentes doRelatório.
3.2.-Nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.

Por seu turno, nos termos conjugados do art. 4.º, n.º 1, al. o) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e do art. 12.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público.

Em conformidade, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais esclarece no n.º 4, al. b) do citado art. 4.º que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.

Refere-se na decisão recorrida:
«A Constituição da República Portuguesa, estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” - artigo 211º, nº 1 - e que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais” - artigo 212º, nº 3.
Constituem os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Será, portanto, através da consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais
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