Acórdão nº 279/22.7Y4LSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-18

Ano2023
Número Acordão279/22.7Y4LSB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SUBSECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO

Nos presentes autos que seguiram a forma de recurso de impugnação Judicial interposto por Clube Albufeira- Gestão Imobiliária e Turistica , Ldª, da decisão da Secretaria-Geral do Ministério da Administração interna, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, juízo local de Albufeira- Juiz 3, veio o MºPº recorrer da decisão / despacho nos termos do artº 64º nº1 e 2 do RGCO, através da qual, declarou extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional contra Clube Albufeira —Gestão Imobiliária e Turística, Lda.

O MºPº não se conformando com tal decisão veio interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão de declarar extinto o procedimento contra-ordenacional por prescrição;

2. No caso dos autos, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido 3 anos, cfr. art. 27.º, al. b) do RGCO;

3. Ressalva-se contudo, os períodos em que o procedimento contra-ordenacional estiver suspenso, cfr. disposto no art. 27.º-A do RGCO e as interrupções, cujas causas se encontram plasmadas no art. 28.º do mesmo diploma legal;

4. Contudo, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, no caso, 4 anos e 6 meses;

5. No período compreendido entre 09.03.2020 e 03.06.2020 (86 dias) e de 22.01.2021 e 06.04.2021 (73 dias), cf. artigos 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.05, tudo no total de 160 dias, ou seja, 5 meses e 10 dias, ocorreu a suspensão do prazo de prescrição, porquanto tais normas impuseram a paragem também deste procedimento contra-ordenacional e prazos em curso, quer na Administração, no Ministério Público e nos Tribunais;

6. Tal imposição pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e posteriormente, pela Lei nº 4-B/2021, configura uma causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos dos art. 27º-A, n.º 1, al. a), do RGCO;

7. Saliente-se pois, que tal causa já era contemplada na lei em momento anterior à prática dos factos, não colocando assim em causa o princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem se sobrepondo à aplicação do regime penal mais favorável ao arguido, devendo aqui ser aplicada;

8. Pelo que, o Tribunal a quo ao não considerar como causa de suspensão a imposição legal de paragem do procedimento contra-ordenacional, violou o critério contido no art. 27.º-A, n.º 1, al. a) do RGCO;

9. Deverá pois, nesta parte, ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que considere verificada tal causa suspensiva e seja ordenada a prossecução dos autos para julgamento.

O recurso foi admitido na 1ª instância através de despacho judicial com a referência citius nº 129553534.

A arguida respondeu nos termos legais em 12/10/2023.

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal, proferiu parecer com a referência citius nº 8641395, pugnando pela procedência do recurso deduzido pelo MºPº na instância.

O processo prosseguiu nos termos legais, tendo sido cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal. Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questão:

- A causa de suspensão da prescrição já era comtemplada na lei em momento anterior à prática dos factos, não colocando assim em causa o princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem se sobrepondo à aplicação do regime penal mais favorável ao arguido, devendo aqui ser aplicada;

- O Tribunal a quo ao não considerar como causa de suspensão a imposição legal de paragem do procedimento contra-ordenacional, violou o critério contido no art. 27.º-A, n.º 1, al. a) do RGCO, devendo tal despacho ser revogado e os autos prosseguirem para julgamento;

Conhecendo, dir-se-á desde já:

É do seguinte teor o despacho / sentença recorrido:

Decisão por despacho

Art. 64º nos 1 e 2 do RGCO

CLUBE ALBUFEIRA — GESTÃO IMOBILIÁRIA E TURÍSTICA, LDA interpôs, nos termos de fls. 70,

Recurso de impugnação judicial da decisão da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) que, em 20/01/2022, a condenou pela prática em 02/05/2018, de contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 37º nº 1 al. c), 21º nº 1, 37º nº 1 al. h), 27º nº 5, da Lei 34/2013, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio (regime do exercício da actividade de segurança privada).

Apresentado o recurso, a autoridade administrativa enviou os autos ao Ministério Público, que os tornou presentes ao juiz.

Os elementos do processo são suficientes para, no momento presente, decidir a causa.

Prescrição do procedimento

De acordo com o art. 27º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações, RGCO) o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 24.93,99 e inferior a (euro) 49879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Lê-se, no que ora importa, no art. 28º do RGCO, o seguinte:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

Como é sabido, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição, com a duração normal (arts. 32º do RGCO e 121º nº 2 do Código Penal).

Estatui por seu lado o art. 27º-A do RGCO que a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se (para além dos casos especialmente previstos na lei) durante o tempo em que o procedimento (alínea a) não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; (alínea b) estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público para prossecução de crime até à sua devolução à autoridade administrativa (nos termos do artigo 40º daquele diploma); e (alínea c) estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. Nos últimos dois casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses (nº 2 do referido preceito legal).


*

Assinale-se que as normas supervenientes aos factos respeitantes à pandemia COVID-19 (designadamente as da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março), sobre suspensão de prazos não influem no caso sub iudice, uma vez que os factos imputados ao arguido não ocorreram no período de vigência desse diploma.

Ao caso tem aplicação, outrossim, a regra geral do art. 3º nº 2 do RGCO sobre a sucessão de leis no tempo, que impõe que, havendo norma com alcance contraordenacional superveniente, se aplicará ao caso o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao visado do processo. À data dos factos imputados (02/05/2018) o prazo de prescrição do procedimento não ficava suspenso, pois inexistia então a Lei nº 1-A/2020 — eram-lhe aplicáveis tão-somente as causas de suspensão do art. art. 27º-A do RGCO. Posteriormente passou a haver uma causa superveniente de suspensão da prescrição, imposta pela Lei nº 1-A/2020 (não prevista antes no mencionado art. 27º-A do RGCO).

No confronto entre os distintos regimes suspensivos, manda a regra que rege a sucessão de normas contraordenacionais no tempo que se aplique ao caso o regime anterior, que é concretamente mais favorável ao Recorrente.

Sufragando entendimento semelhante, na jurisprudência1, cfr. por exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa2 de 21/07/2020 e 24/07/2020.

1 Para casos penais, assinale-se, mas cujos fundamentos podem ser transpostos, mutatis mutandis, para as contraordenações, ante a manifesta identidade de regimes de aplicação temporal das leis que regem um e...

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