Acórdão nº 278/17.0PCCBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-09-27

Ano2023
Número Acordão278/17.0PCCBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA LOUSÃ)



Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1. O DESPACHO RECORRIDO

… foi proferido despacho com a referência n.º 91635098, datado de 23 de Junho de 2023, com o seguinte teor (transcrição):
«Veio o TEP de Coimbra solicitar informação sobre se se está a diligenciar pela realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao condenado no presente processo 278/17.... e no processo 179/15.....
O Ministério Público, junto deste Juízo, pronunciou-se no sentido de que existe uma situação de conhecimento superveniente de concurso de penas apenas entre os processos 294/16.... e 179/15...., para o que é competente este último, …,
Conferido contraditório ao arguido, pronunciou-se no sentido de que há lugar a situação de cúmulo jurídico entre o presente processo 278/17.... e os processos 294/16.... e 179/15.... …
Nos termos do disposto nos art.ºs 77.º e 78.º, do Código Penal, para verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, exige-se, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, ou seja, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, conforme, aliás, tem sido uniformemente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Daí que, como também tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o cúmulo dito por arrastamento não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art.º 77.º, n.º 1, do Código Penai, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, pelo que, como tal, não deve ser aceite, …

Ora, o arguido foi alvo de condenações de 2007 a 2009.
Posteriormente, foi alvo das seguintes condenações:
Processo Data dos Factos Data da Sentença Data do Trânsito
294/16.... - 04/10/2016 - 06/10/2016 - 07/11/2016
179/15.... - 14/05/2015 - 06/04/2017 - 15/05/2017
278/17.... - 09/03/2017 - 13/09/2017 - 13/10/2017
106/19.... - 08/05/2019 - 19/06/2019 - 19/06/2020
…, sendo evidente não relevarem para o caso concreto as condenações mais antigas de 2007 a 2009, atentemos nas demais condenações e nas regras supra expostas.
O primeiro trânsito em julgado ocorreu a 07.11.2016 (processo 294/16....).
Apenas os factos referentes ao processo 179/15.... foram cometidos anteriormente ao referido trânsito (14.05.2015).
Existe, assim, uma situação de conhecimento superveniente de concurso de penas entre os referidos processos, mas as penas aplicadas nos mesmos são de diferente natureza (processo 294/16.... – pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir; processo 179/15.... – pena de prisão cuja suspensão veio a ser revogada).
O trânsito seguinte a considerar ocorreu 13.10.2017 (processo 278/17....).
Antes desse trânsito inexistem factos a considerar, pois os referentes aos processos 294/16.... e 179/15.... já integram a situação de cúmulo anterior e os referentes ao processo 106/19.... datam de 08.05.2019, ou seja, são posteriores ao referido trânsito, pelo que a pena aplicada quanto aos factos referentes ao processo 106/19.... é de cumprimento sucessivo.
Assim, não há lugar a cúmulo jurídico das penas aplicadas ao condenado no presente processo 278/17.... e no processo 179/15...., …, nem há lugar a cúmulo jurídico das penas aplicadas ao condenado no presente processo 278/17.... e nos processos 294/16.... e 179/15...., …, pois os factos referentes ao primeiro datam de 09.03.2017 e, como tal, são posteriores ao primeiro trânsito em julgado ocorrido a 07.11.2016, apenas os referentes ao processo 179/15.... tendo sido cometidos anteriormente.
Destarte, a pena aplicada nos presentes autos não se encontra em relação de cúmulo jurídico com nenhuma das penas aplicadas ao condenado AA nos demais processos constantes do seu certificado de registo criminal, pelo que nenhum cúmulo jurídico de penas cumpre realizar no âmbito dos presentes autos.
».


2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu do despacho em causa, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«I- O recorrente, encontra-se em cumprimento de pena desde 15.02.2022 e sofreu mais duas condenações: no âmbito do processo 179/15...., por factos praticados em 15/05/2015 que consubstanciaram o crime de incêndio, na aplicação da pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por acórdão datado de 06/04/2017, transitado em julgado em 15/05/2017. Esta suspensão a pena veio a ser revogada por decisão transitada em julgado em 18/04/2023; e no âmbito do processo 278/17...., por factos praticados em 08/03/2017, que consubstanciaram o crime de violência doméstica, na aplicação da pena de 2 anos e três de meses de prisão, suspensa na sua execução, por sentença datada de 13/09/2017 e transitada em julgado em 13/10/2017. Esta suspensão da pena de prisão veio a ser revogada, por decisão transitada em julgado em 19/01/2022
II- Os factos pelos quais o Recorrente foi condenado foram todos eles praticados antes de 15.05.2017.
III - E por esse motivo, deveria ser realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 179/15.... e 278/17...., conforme dispõe os artºs 77.º e 78.º do Código Penal
III- Sucede que, o tribunal da última condenação, decidiu por despacho que ora se recorre que não haveria lugar a Cúmulo, …

VI- A decisão proferida no douto despacho que ora se recorre viola o principio da legalidade, consagrado nos art. 13.º e 29.° da CRP inerente ao Estado de Direito Democrático, como consagrado no art. 2.° da CRP.
…».


3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, ….

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, ….

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso


Assim sendo, é esta a única questão a decidir por este Tribunal:
· Deve ou não ordenar-se a realização do cúmulo jurídico relativamente às penas aplicadas no âmbito dos processos 179/15.... e 278/17....?

2. Sobre a sequência de factos processuais:
a) O arguido foi alvo de condenações judiciárias de 2007 a 2009.
b) Posteriormente, e segundo o seu CRC, que consultámos no processo principal, foi alvo das seguintes condenações:
· Pº 294/16.... (processo sumário - crime de condução de veículo em estado de embriaguez):
o os factos são datados de 4/10/2016;
o houve condenação, para além da pena acessória, em 100 dias de multa a título principal, depois substituída por 100 horas de trabalho comunitário - em 6/10/2016;
o tal decisão de condenação em multa transitou em julgado em 7/11/2016;
o a pena substitutiva foi considerada extinta em 11/5/2017.
· Pº 179/15.... (processo comum colectivo - crime de incêndio):
o os factos são datados de 14/5/2015;
o houve condenação em 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, em 6/4/2017;
o tal decisão de suspensão transitou em julgado em 15/5/2017;
o tal suspensão foi entretanto revogada em 6/3/2023, com trânsito em 18/4/2023.
· Pº 278/17.... (processo comum singular - crime de violência doméstica) – O NOSSO PROCESSO:
o os factos são datados de 11/3/2017;
o houve condenação em 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa – com regime de prova - na sua execução por igual período, em 13/9/2017;
o tal decisão de suspensão transitou em julgado em 13/10/2017;
o tal suspensão foi entretanto revogada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 15/12/2021, com trânsito em 19/1/2022.
· Pº 106/19.... (processo sumário - crime de resistência e coacção sobre funcionário):
o os factos são datados de 8/5/2019;
o houve condenação em 1 ano e 1 mês de prisão efectiva, em 19/6/2019;
o o trânsito em julgado dessa sentença ocorreu em 19/6/2020;
o tal pena foi já cumprida, tendo sido considerada extinta em 17/12/2021.
c)- Segundo informação que retirámos da consulta dos autos principais, o arguido encontra-se em cumprimento da pena aplicada nestes autos nº 278/17.... desde 15/2/2022.

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Está em causa decidir se deve ser realizado cúmulo jurídico superveniente das penas aplicadas ao arguido nos presentes autos e no Pº 179/15.


3.2. O pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e o cúmulo jurídico das penas é a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles;
O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 9/2016, publicado no DR nº 111, I série, de 9/6/2016 - «O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso»).
E, assim, só se podem cumular juridicamente penas relativas a infrações que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78º não pode ser interpretado cindido do art. 77º do CP.
Portanto, a realização de cúmulo jurídico por
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