Acórdão nº 2755/14.6PYLSB-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-05-2022

Data de Julgamento10 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão2755/14.6PYLSB-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.No processo comum singular n.º 2755/14.6PYLSB, JS, melhor identificado nos autos, foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, pela prática de 3 (três) crimes de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.°, n.°1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Por despacho de 18 de Janeiro de 2022, foi revogada a suspensão da execução da pena.

2.–Do despacho que revogou a suspensão da execução da pena recorrem o Ministério Público e o condenado.

2.1.Conclui o Ministério Público (transcrição das conclusões):
1.–Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 14.05.2018, JS foi condenado pela prática dos crimes de extorsão e detenção de arma proibida, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
2.–Da análise do CRC apurou-se que o arguido foi condenado, no processo 51/19.1SULSB, por sentença transitada em julgado em 07.01.2021, por crime de detenção de arma proibida, cometido em 08.10.2019, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova.
3.–Não obstante, o Ministério Público pronunciou-se pela extinção da pena, sendo que foi proferido despacho que revogou tal suspensão e ordenou o cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
4.–Não se pode concordar com o teor deste despacho.
5.–Com efeito, a revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático.
6.–Desde a reforma do C.P. de 1995 a lei faz depender a revogação, ou não, da suspensão da pena, de um juízo de probabilidade de que o condenado, apesar de tudo, será capaz de, futuramente, respeitar o ordenamento jurídico, não sendo, pois, de aplicar automaticamente mesmo no caso de o mesmo cometer um facto ilícito no período de suspensão pelo qual venha a ser condenado.
7.–O arguido foi condenado pelo mesmo tipo de crime - detenção de arma proibida - praticado no decurso do período de suspensão da execução da pena, em pena de prisão suspensa na sua execução.
8.–Não se pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a da reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreram os condicionalismos dessa revogação, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena ainda podem ser alcançadas.
9.–Conforme tem sido entendimento maioritário, senão mesmo predominante, só a condenação em pena de prisão efetiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável.
10.–Ora, o arguido, no processo 51/19.1SULSB foi novamente condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.
11.–O juízo de prognose feito aquando da condenação foi-lhe favorável, permitindo concluir que a ameaça de prisão e a censura do facto seriam ainda suficientes para assegurar as finalidades da punição.
12.–Assim, sopesando estes elementos, entendemos que não será de revogar a suspensão da pena de prisão aplicada, sendo de todo precipitado [e contraproducente, no que concerne ao período evolutivo que o arguido tem vindo a evidenciar] sujeitar o arguido a uma situação de reclusão.
13.–Pelo que, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que considere extinta a pena aplicada ao arguido.

2.2.Conclui o condenado (transcrição das conclusões):
1.–Tendo sido o Recorrente no passado dia 24 de Janeiro do corrente ano condenado no âmbito do Processo n.º 2755/14.6PYLSB, Processo esse que correu os seus termos junto do J5 do Juízo Local Criminal de Lisboa,
2.–Diga-se em abono da verdade que a referida notificação deixou o ora Recorrente completamente confuso e estupefacto, uma vez que a referida notificação assentou basicamente na decisão em revogar a suspensão da pena relativamente à qual aquele foi condenado na pena de 03 anos e seis meses, como também a referida revogação é completamente absurda quanto à matéria e quanto à substância uma vez aquando as declarações do Recorrente o próprio Ministério Público defendeu a extinção do processo uma vez que aquele cumpriu na integra todas as regras de conduta que lhe foram impostas,
3.–Além disso o Processo relativamente ao qual o Arguido foi condenado durante o tempo da suspensão o crime em causa é diferente do crime relativamente ao qual foi condenado naqueles Autos ora referidos,
4.–Logo não faz o mínimo sentido a revogação da pena relativamente ao qual o Recorrente foi condenado no âmbito daqueles Autos, além do mais a referida revogação irá criar ao ora Recorrente danos completamente irreparáveis quer em termos pessoais quer em termos profissionais uma vez que é a única fonte de sustento da sua família,
5.–Daí que a referida revogação levada a cabo pelo Tribunal a quo é completamente errática e não faz qualquer sentido e há que ser evitada na integra,
6.–Assim sendo logo e em face do que se foi expondo ao longo do presente Recurso entende - se por sinal que haveria todas as condições para que a decisão proferida no âmbito dos presentes Autos seja revogada na integra, com a devida extinção daqueles Autos,
Nestes Termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V. Exas deve o presente Recurso:
-Ser admitido e aceite na integra;
-Deve também consequentemente ser revogada na integra a Decisão proferida pelo Tribunal a quo em relação à pessoa do Recorrente e consequente extinção daqueles Autos por ser essa a medida justa dos factos.

3.Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer em que sustenta que o recurso merece provimento (o parecer refere apenas o recurso do Ministério Público).

4.Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II–Fundamentação

1.Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quemtem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Assim, a questão a decidir em ambos os recursos consiste em saber se estavam reunidos os pressupostos para determinar a revogação da suspensão da execução da pena.

2.–Despacho recorrido

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
O arguido JS foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, pela prática de 3 (três) crimes de extorsão, previstos e punidos pelo artigo 223.°, n.°1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Por sentença transitada em julgado em 07/01/2021, proferida no processo n.° 51/19.1SULSB, a correr termos no Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 13 (cfr. fls. 928 e seguintes), o arguido foi condenado pela prática, em 08 de Outubro de 2019, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1m alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.°, n.°1, alíneas q), ae) e az) e 3.°,, n.°4, alínea a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Encontra-se junto aos autos o relatório final- cfr. fls. 1023 e seguintes.
Foram tomadas declarações ao arguido.
O Ministério Público promoveu que seja declarada extinta a pena.
O arguido acompanhou a posição do Ministério Público.

Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 55.°, do Código Penal, que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a)- Fazer uma solene advertência; b)- Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c)- Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d)- Prorrogar o período de
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT