Acórdão nº 270/23.6PESNT.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão270/23.6PESNT.L1-5
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No âmbito do processo abreviado supra identificado, foi o arguido, AA, melhor identificado nos autos, julgado pela imputada prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros) num total de € 660,00 (seiscentos euros), sobre o qual incidiu o desconto de um dia de detenção, ficando assim a multa reduzida a €590,00 (quinhentos e noventa euros) e bem assim na proibição de condução de veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 20 (vinte) dias.
2. O arguido interpôs recurso da decisão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I. A taxa que o arguido apresentava quando foi fiscalizado pela autoridade competente era de 1,46 g/l, pelo que se encontrava apenas 0,26 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta praticada.
II. Em sede de audiência de discussão e julgamento, confessou integralmente e sem reservas os factos, sempre colaborando com a justiça, sendo um cidadão honesto e cumpridor, com registo criminal e de condutor sem qualquer mácula.
III. Conduz há mais de duas décadas, sem qualquer infracção, sendo motorista de profissão e único condutor da sua sociedade unipessoal de transportes de que é o único. Trabalhador.
IV. Sem poder conduzir tal facto impede-o de auferir rendimentos e de prover a subsistência da sua família.
V. O arguido quando conduziu fê-lo sem consciência de estar sob efeito de álcool, logo sem consciência da ilicitude da sua conduta.
VI. Não bebeu anormalmente ao jantar, e com o café bebeu um digestivo, porque já não ia conduzir, pois ia dormir no interior do veículo de transporte que estava a arranjar em oficina e já não iria para casa.
VII. Dormiu a seguir ao jantar e foi acordado a meio da noite por telefonema da mulher que lhe pediu aflita para ir para casa que estava sozinha e estava receosa a chorar e em ansiedade, sendo que o cônjuge do arguido estava a sair de depressão grave que a levou a baixa prolongada e o arguido ficou temeroso do que estaria a acontecer.
VIII. Por isso levantou-se, lavou o rosto, sentiu-se bem e nunca equacionou estar influenciado pelo álcool, em medida superior ao legalmente prevista, podendo cometer um crime.
IX. Agiu sem culpa, por ter actuado sem consciência da ilicitude, não lhe sendo o erro censurável, em face das circunstâncias concretas em que estava. Não tendo culpa deve ser absolvido, o que requer.
X. Ainda que assim se não entenda, sempre a conduta do arguido, as circunstâncias do facto, o motivo pelo qual se viu forçado a conduzir, traduzem uma actuação em estado de necessidade desculpante, que excluiu a ilicitude e afasta a punibilidade, devendo levar a absolvição, o que requer.
XI. Mesmo que assim se não considera, o que se refere, sem conceder, sempre se diga que toda a conduta do arguido, a sua situação pessoal, o motivo porque agiu; a ausência de antecedentes, são determinantes de uma especial atenuação das penas, principal e acessória, e até, atento que a pena a aplicar ser inferior a 240 dias, deve ser aplicada uma pena de admoestação que abranja a pena principal e a pena acessória.
XII. O arguido recorrente é motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, pelo que a verdadeira pena que lhe foi aplicada, não é ver-se inibido de conduzir, mas de trabalhar, dado que três meses, sem poder cumprir com clientes, pode significar a perda irremediável de clientela para a concorrência e o fecho da sua actividade e o desemprego, pelo que, mesmo a manter-se, na integra o decidido, deve ser permitido ao arguido cumprir a pena acessória, durante os meses de férias.
3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, sem conclusões, no sentido de que o recurso não merece provimento.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), acompanhou a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P., foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Objecto do recurso
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, verifica-se que o arguido suscita as seguintes questões:
- a falta de consciência sobre a ilicitude ou da existência de um erro sobre a ilicitude;
- a actuação em estado de necessidade desculpante;
- a atenuação especial das penas aplicadas, principal e acessória, e a sua substituição por pena de admoestação ou a possibilidade do cumprimento da pena acessória exclusivamente em período de férias.
2. Da decisão recorrida
Ouvida a gravação da sentença oralmente proferida (artigo 389.º-A, do C.P.P.), constata-se que o tribunal a quo deu como provados os factos da acusação, que são os seguintes:
1. No dia 13 de Julho de 2023, pelas 03h.36, na ..., em ..., concelho de ..., o arguido conduzia o veículo de passageiros, da marca … e matricula ..-..-QO, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2. Devido à ingestão de bebidas alcoólicas, o arguido conduzia o veículo com um teor de álcool no sangue de 1,62g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, uma TAS de 1,49g/l.
3. O arguido sabia que ingerira bebidas com teor alcoólico em quantidade que não lhe permitia conduzir veículos automóveis na via pública, como efectivamente fez, e, não obstante, não se absteve de praticar o referido comportamento.
4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, considerou ainda o tribunal como provado que:
5. No dia 13/07/2023, o arguido esteve presente num convívio social que decorreu numa oficina onde estava também a ser realizada a reparação de uma viatura pesada da qual o mesmo é condutor, e no qual estiveram presentes dois amigos, BB e CC.
6: Findo esse mesmo jantar, os dois amigos abandonaram o local e o arguido aí ficou com intenção de pernoitar na viatura que estava a ser reparada e o mesmo, no decurso dessa noite, terá recebido um telefonema da sua esposa solicitando-lhe que se deslocasse até à sua residência.
7. A esposa do arguido já teve problemas de depressão.
8. O arguido
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