Acórdão nº 268/21.9GCBNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-05-10

Data de Julgamento10 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão268/21.9GCBNV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Abreviado n.º 268/21.9GCBNV, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido NAR condenado pela prática, como autor material e em concurso real de:
1.1. Um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.°, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de janeiro, na pena de dez meses de prisão.
1.2. Um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.° n.º 1 do CP, na pena de seis meses de prisão.
1.3. Operando o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de diligenciar pela obtenção da sua carta de condução no período da suspensão, juntando comprovativo nos autos.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epígrafe que condenou o arguido NAR pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° n.º 1 do Código Penal, na pena única de 14 ( catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de o arguido diligenciar pela obtenção da sua carta de condução no período da suspensão, juntando comprovativo nos autos.
2. Não obstante o arguido não ser titular de carta ou licença de condução, deveria ter sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.°, n.º 1, do mesmo diploma legal.
3. Resulta do normativo em menção que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 12-03-2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt) e expressando o entendimento preponderante, concluiu que deverá proceder-se à aplicação desta pena acessória ao condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução.
5. Este é o entendimento da jurisprudência largamente maioritária, perfilhado, entre outros, nos arestos da Relação de Évora, datados de 24-10-2017, proferido no processo n.º 25117.7GDSRP.E1, de 20-03-2018, proferido no processo n..º 47117.8GDSRP.E1, de 5-06-2018, proferido no processo n.º 241/14.3GTSTB.E3, da Relação de Lisboa, datado de 15-01-2019, proferido no processo n.º 217/04.9GDMTJ.Ll-5, da Relação de Coimbra, datado de 11-09-2013, no processo n.º 12/13.4GELSB.C1, da Relação do Porto de 17-04-2002, no processo n.º 0111526, da Relação de Guimarães de 11.06.2012, no processo n.º 272110.2GCVCT.G1 todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. A imposição de tal pena acessória justifica-se pela necessidade de evitar um tratamento desigual entre os agentes do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).
7. Cremos, pois, que o Tribunal interpretou, em termos manifestamente restritos e em violação do princípio da igualdade, a norma ínsita no artigo 69°, n.º l , alínea a) do Código Penal que prevê expressamente a condenação na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos do agente que incorre na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.° do mesmo diploma legal, dela excluindo os casos em que aquele não é titular de carta de condução válida que o habilite a conduzir veículos motorizados em vias públicas em território nacional.
8. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 69°, n.º l , alínea a) do Código Penal, que encerra a obrigatoriedade de condenação do agente na pena acessória de proibição de veículos com motor nas situações aí descritas, conjugado com o referido artigo 292° do mesmo diploma legal (para o qual aquele expressamente remete), que prevê e pune a condução de veículo, ainda que por negligência, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l e, ainda, o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.
9. Ao invés, na esteira da jurisprudência maioritária dos tribunais superiores, o Tribunal deveria ter interpretado os referidos normativos ínsitos no artigo 69°, n.º 1 , alínea a) e 292°, n.º l , ambos do Código Penal nos seguintes termos: A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é aplicável ao agente que cometa qualquer dos crimes mencionados nas diversas alíneas do artigo 69.°, n." I do Código Penal, ainda que não seja titular de carta de condução ou documento bastante que o habilite a conduzir.
Por tudo o exposto, deve ser parcialmente revogada a sentença proferida, determinando-se também a condenação do arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados - tendo-se em consideração os antecedentes criminais do arguido e a elevada TAS por si apresentada -, contado do trânsito em julgado da sentença, nos termos dos artigos 292.°, nº 1, e 69.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.(…)”.

2.2. Das contra-alegações do arguido
Notificado o arguido não contra-alegou.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer aderindo aos argumentos avançados pelo recorrente e concluindo no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP em 1.ª instância.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisada as conclusões de recurso, a questão a conhecer é a de saber se a pena acessória de proibição de condução de veículos pode ser aplicada a quem na altura da aplicação não era titular de carta de condução e foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª Instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 3 de julho de 2021, pelas 19h27m, o arguido conduzia o ciclomotor com a matrícula (…), na Avenida (…), após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,82 gramas/litro, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor de 2,679 gramas/litro.
3. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia e sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que por isso podia vir a apresentar uma taxa de álcool igualou superior a 1,20 gramas por litro e que não se encontrava em condições de conduzir.
4. Todavia, agiu com o propósito concretizado de conduzir nessas condições.
5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
6. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. O arguido é tractorista a tempo parcial auferindo a quantia de 420€ mensais, encontrando-se na perspectiva de passar brevemente a tempo inteiro passando a auferir 650€ mensais.
8. Vive com o pai, em casa arrendada por este, pelo valor de 500€.
9. O arguido contribui com cerca de 200€ a 300€ para as despesas domésticas. 10. Tem o 4.0 ano de escolaridade.
11. O arguido encontra-se inscrito na Escola de Condução (…), Lda. desde 15.07.2021.
12. Do certificado de registo criminal do arguido consta que:
- Nos autos de processo sumário com o n.º 24…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, por sentença proferida em 20.08.2001, transitada em julgado em 29.09.2001, foi o arguido condenado pela prática em 18.08.2001 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 800$00, o que perfaz o montante global de 40.000$00;
- Nos autos de processo abreviado com o n.º 57…, que correu termos no 3.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por sentença proferida em 29.03.2004, transitada em julgado em 16.03.2007, foi o arguido condenado pela prática em 24.02.2003 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 5€, o que perfaz o montante global de 750€, a qual foi declarada extinta por despacho de 16.03.2011;
- Nos autos de processo sumário com o n.º 18…, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, por sentença proferida em 11.04.2014, transitada em julgado em 23.05.2014, foi o arguido condenado pela prática em
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