Acórdão nº 262/12.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06-10-2022

Data de Julgamento06 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão262/12.0BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Ministério da Administração Interna, devidamente identificado como entidade demandada nos autos de acção administrativa instaurada pela Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, em representação do seu associado E…, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 27.2.2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou totalmente procedente a presente acção e, nessa medida, anulou despacho de 31.10.2011 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que negou provimento ao recurso hierárquico necessário apresentado pelo representado do autor no âmbito do processo disciplinar n.º …………., que correu termos no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública do Porto, por prescrição do procedimento disciplinar.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e, em consequência, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica.

O Recorrente deduziu reclamação para a conferência, concluindo:
«I- A douta decisão sumária conclui nos seguintes termos: “Em face do que é evidente que não assiste razão ao Recorrente, pelo que o presente recurso não pode proceder” (cf. pág. 7). Ora,
II- Não só não é evidente a decisão alcançada pela douta decisão reclamada, como o Ministério se propõe demonstrar que a interpretação esclarecida do ordenamento jurídico aponta em sentido diverso daquele que foi apontado pela douta decisão da Senhora Desembargadora.
III- E, sendo assim, impõe-se a constatação de que o coletivo do Tribunal Central deve reunir para deliberar, por não estarem reunidos os pressupostos – previstos no artigo 656º do Código de Processo Civil (CPC) – para a Senhora Desembargadora Relatora “julgar sumariamente o objeto do recurso”, nos termos do artigo 652º, nº 1, al. c), do CPC, ambos ex vi artigo 1º do CPTA.
IV- O Ministério reclama para a conferência porque a presente questão está muito longe de ser “simples” (cf. artigo 656º do CPC). E tanto assim é que o Ministério julga poder demonstrar que a douta decisão sumária se equivocou, incorrendo em erro de interpretação sobre o direito aplicável.
V- O Ministério considera que é incorreto que o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar corresponda à data em que “a decisão punitiva se tornou irrecorrível” – como refere o artigo 56º do mesmo RD/PSP, mas para tratar uma situação totalmente diferente.
VI- É inquestionável que esse deverá ser o termo inicial da contagem do prazo de prescrição da pena, mas não é correto que esse deva ser o termo final do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
VII- E também não é correto que o termo final corresponda à data em que a decisão punitiva se torna contenciosamente impugnável: “Assim, só com a decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico ou o decurso do referido prazo se porá fim à situação de indefinição acerca do exercício do poder disciplinar, pois até lá o arguido não poderá reagir contenciosamente contra o ato proferido nos termos do artigo 88º, por esta não consubstanciar uma decisão disciplinar punitiva definida e definitiva, porque pode ser revogada, mantida ou agravada pelo órgão competente para decidir o recurso hierárquico” (cf. pág. 7). Assim sendo,
VIII- Impõe-se contestar as conclusões alcançadas no douto Acórdão da 1ª Secção do STA, de 9/9/2021 (e igualmente no anterior Acórdão do STA, de 4/2/2008), que são citados pela douta decisão reclamada e que orientam a atual jurisprudência administrativa;
IX- A decisão punitiva primária – tomada perante o relatório final do Instrutor – é um ato administrativo, na aceção do artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo.
X- Este é “um conceito substantivo de ato administrativo”, dotado de “definitividade horizontal ou procedimental” (cf. “Noções fundamentais de Direito Administrativo”, de Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Almedina, 2016);
XI- A douta Decisão – e com ela a jurisprudência administrativa citada – ignorou a mudança radical operada em 1995, no conceito de ato administrativo: “Absorvendo as implicações da alteração introduzida pela revisão constitucional de 1989, o Código excluiu do conceito de ato administrativo a referência ao caráter definitivo e executório (…). Trata-se, quanto a este aspeto, de uma opção que merece aplauso e que vinha sendo sustentada de há muito por Rogério Soares e Vieira de Andrade: quanto à definitividade, por não distinguir categorias substancialmente diferentes de atos administrativos, mas apenas diferentes regimes da sua impugnação (…)”(cf. Mário Esteves de Oliveira, “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, Almedina, 1995, pág. 49 (V).
XII- A douta Decisão – e, com ela, a jurisprudência administrativa que cita – errou, porque não curou de saber que a questão sujeita a julgamento residia em identificar-se o momento em que a Administração fez cessar a situação de indefinição sobre o exercício do seu poder disciplinar, ao emitir o ato administrativo (punitivo);
XIII- Em vez disso, respondeu a uma questão completamente diferente: quando é que a decisão administrativa se tornou impugnável contenciosamente. Ao fazê-lo,
XIV- A douta Decisão – e, com ela, a jurisprudência administrativa que cita – errou porque deslocou a centralidade da questão para o momento processual, em vez de respeitar o caráter substantivo dos conceitos em análise.
XV- A este propósito, o Ministério sublinha que o douto Acórdão do STA, de 28/06/2018, ensinou que as normas sobre a prescrição do procedimento são normas de direito substantivo.
XVI- A verdade é que o arguido uma vez notificado da punição sabe que foi destinatário de uma pena disciplinar (o ato punitivo tem efeitos externos); não tem dúvidas de que a Corporação o censurou disciplinarmente; sabe que, se não recorrer, essa pena será executada; e sabe que, mesmo que venha a recorrer, essa punição disciplinar constará desde logo do seu registo individual. Ele não é presumível inocente até à decisão do último recurso, à semelhança do que se passa no direito criminal.
XVII- Face ao que se mostrou, carece de fundamento a argumentação do douto acórdão – e do conjunto da jurisprudência administrativa – que define o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento em função da natureza do recurso hierárquico. Com efeito,
XVIII- Em face do conceito de procedimento administrativo, do conceito de prescrição do exercício do poder disciplinar, do conceito (substantivo) de ato administrativo, impõe-se a conclusão de que essa discussão em torno da natureza do recurso hierárquico – e da impugnabilidade contenciosa do ato administrativo (conceito adjetivo de ato administrativo) – se mostra já alheia (posterior, diríamos) à indicação do momento que marca o termo final do prazo de prescrição do procedimento.
XIX- A douta Decisão – e, com ela, a jurisprudência administrativa que cita – incorre, pois, em erro de direito na identificação do termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, quando despreza o momento em que a decisão administrativa adquire a definitividade horizontal ou procedimental; quando despreza o momento em que essa decisão adquire a qualidade de ato administrativo, na aceção do artigo 148º do CPA.».

Notificada do requerimento da reclamação para a conferência, a Recorrida não respondeu.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT