Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 2560/21.3T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-01-12)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Faro, AA demandou a Associação de Turismo do Algarve, pedindo que:
a) seja reconhecida a transmissão da posição contratual da Região Turismo do Algarve para a Ré, no contrato de trabalho celebrado com aquela, operada em 01.07.2017;
b) seja reconhecida a existência de um único contrato de trabalho sem termo, com início a 28.11.2016;
c) seja declarada a ilicitude do despedimento promovido pela Ré;
d) seja a Ré condenada a reintegrar a A. na sua estrutura laboral ou a pagar-lhe o montante total de € 12.556,25, na eventualidade de optar, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, por uma indemnização em substituição da reintegração;
e) seja a Ré condenada a pagar as retribuições que a A. deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na presente acção;
f) seja a Ré condenada a pagar os valores devidos a título de subsídios de férias e de Natal vencidos, no total de € 15.633,32, e os vincendos desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na presente acção;
g) seja a Ré condenada a pagar os juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias anteriormente referidas, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
h) seja a Ré condenada a regularizar a situação da A. na Segurança Social, com a inscrição como trabalhador da Ré, com efeitos a partir da sua admissão, e com o pagamento de todas as contribuições em falta.

Para tanto, alega ter celebrado, em 28.11.2016, com a Região de Turismo do Algarve (RTA) um contrato visando o acompanhamento dos serviços prestados pela mesma ao nível de produção e organização de eventos culturais no âmbito do “Programa 365 Algarve – Valorização Artística e Promoção do Território”, que foi anualmente renovado até 31.12.2020. Em 01.07.2017 celebrou com a Ré (de quem a RTA é associada fundadora e para quem esta transmitiu a posição contratual) contrato com o mesmo objecto, renovado em 01.07.2018 e em 01.07.2019. No desenvolvimento de tais contratos sempre desempenhou as funções na sede da Ré, que é comum à RTA, sempre usou os instrumentos de trabalho disponibilizados pela Ré, tinha horário de trabalho determinado pela Ré, a mesma atribuía-lhe um período de férias remunerado (não lhe pagando, contudo, subsídio de férias e de Natal) e pagava-lhe, por transferência bancária, uma remuneração fixa e periódica, sendo que a Ré lhe impunha tarefas obrigatórias e dava-lhe instruções. Tal relação veio a findar em 31.12.2020, através de comunicação unilateral da Ré, o que constitui despedimento ilícito.
Contestando, a Ré alegou que a RTA é hoje um dos seus 400 associados, e que contratou a A. apenas para prestação de serviços no âmbito do programa 365 Algarve, celebrado com o Turismo de Portugal, I.P., o qual não teve continuidade a partir de 31.12.2020. Alega que a A. não estava sujeita ao dever de assiduidade, nem tinha qualquer horário de trabalho, não marcava férias, não estava sujeita ao poder disciplinar da Ré, não usava instrumentos que lhe pertencessem, nem prestava serviço nas suas instalações, tinha liberdade para prestar serviços a partir de local que entendesse, nunca lhe foi pago subsídio de férias ou de Natal, não estava integrada hierarquicamente, nem reportava a qualquer trabalhador ou membro da Ré sendo coordenada pela comissária do programa, nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura. Mais referiu que a A. só lhe prestava serviços no âmbito do programa 365 Algarve, suportando a sua própria alimentação, deslocação e chamadas telefónicas, não tinha endereço electrónico da Ré e era paga mediante a apresentação de recibos verdes. Mais referiu que não estava submetida a ordens ou instruções da Ré e a sua actividade não era controlada nem fiscalizada.
Após julgamento, a sentença julgou a causa improcedente.

Inconformada, a A. recorre e coloca as seguintes questões:[1]
· Impugnação da decisão da matéria de facto, devendo ser alterada a resposta aos factos dados como provados sob os pontos 19, 20, 21, 22, 23, 25, 28, bem como a resposta dada aos factos dados como não provados sob os pontos 2, 3, 4, 5 e 6;
· A relação estabelecida entre as partes consubstancia uma relação laboral, com início em 28.11.2016.
· O contrato de trabalho tem como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
· Subordinação essa que se encontra reflectida no próprio clausulado dos contratos celebrados entre A. e Ré.
· A não tinha autonomia no exercício da sua actividade; exercia a sua prestação em local pertencente à Ré – a sua sede – e por si determinado; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados no exercício da actividade pertenciam à Ré e eram por esta fornecidos; observava um horário de trabalho determinado pela Ré, das 09h às 17h, com intervalo de 1 hora para almoço, de segunda a sexta-feira; a Ré atribuía, anualmente, um período de férias remunerado; auferiu sempre uma remuneração fixa e mensal, em contrapartida da actividade prestada; e estava sujeita às instruções e ordens emanadas pela Ré e pela comissária designada para o programa 365 Algarve.
· Estão verificados os indícios previstos nas als. a), b), c) e d) do art. 12.º do Código do Trabalho, pelo que é de operar a presunção de laboralidade constante dessa norma.
· Operando a presunção de laboralidade, competia à Ré a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
· A Ré não logrou ilidir tal presunção, ou seja, não demonstrou que, a despeito de se verificarem todas aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.
· Os indícios eminentemente formais atinentes à denominação dos contratos celebrados, à emissão dos designados “recibos verdes”, ao regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores independentes, ao não registo de faltas e presenças, à não integração da trabalhadora nos mapas de férias, etc., são irrelevantes.
· Com efeito, tais indícios são consentâneos com a aparência jurídica que – precisamente – se pretende ajuizar se tem correspondência na efectiva relação jurídica querida e executada pelos outorgantes dos denominados “contratos de prestação de serviços”, não assumindo, na apreciação global, relevância para afastar o modo convencionado de execução do contrato da figura de contrato de trabalho.
· Tais indícios apenas reforçam a intenção da Ré não querer assumir a existência da relação laboral, munindo-se de aspectos formais que não correspondem aos termos reais em que a relação contratual se desenvolvia.
· Tendo a A. provado factos que permitem ter por verificadas quatro das características do contrato de trabalho previstas no art. 12.º do Código do Trabalho, deverá ser reconhecida a existência de contrato de trabalho.

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Ponderando que se encontram reunidos os pressupostos do art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil para se conhecer da impugnação fáctica deduzida pela Recorrente, procedamos à respectiva análise, consignando que se procedeu à audição dos depoimentos gravados em audiência.
*
No ponto 19 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A A. não estava sujeita a controlo de assiduidade”, pretendendo a A. que a resposta seja alterada em sentido precisamente oposto, i.e., de estar sujeita a tal controlo.
Nas suas declarações de parte, a A. reconheceu que não registava em suporte papel a sua presença nas instalações da Ré, possuindo um cartão magnético que lhe permitia abrir a porta do edifício, embora desconhecesse se tal cartão efectuava o registo de entradas e saídas.
Acresce que os demais depoimentos que incidiram sobre esta matéria – BB, que também prestava serviços para a Ré no âmbito do mesmo programa 365 Algarve, CC, gestora financeira da Ré, e DD, director executivo da Ré – confirmaram que tal controlo de assiduidade não era realizado em relação às três pessoas que trabalhavam no dito programa. A simples circunstância do legal representante da Ré, EE, ter enviado à A. um SMS desejando rápidas melhoras à filha e não se preocupar com o trabalho, podendo ficar em casa, não revela, apenas per se, que ocorria uma sistemático controlo de assiduidade, motivo pelo qual a resposta a este ponto da matéria de facto não deve ser alterada.
*
No ponto 20 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A R. nunca solicitou à A. a justificação de ausências”, pretendendo a A. que a resposta seja alterada no sentido dessa justificação ser solicitada, ainda que tacitamente.
Argumenta a A. que os depoimentos prestados acerca desta matéria pelas testemunhas FF, CC e DD, não se revelaram imparciais e isentos, devendo considerar-se os depoimentos prestados sobre esta matéria pela A. e pela testemunha BB.
Analisando a documentação junta aos autos, não consta qualquer recibo de entrega de justificações, nem qualquer exigência de entrega das mesmas. Certo é que a comissária do programa 365 Algarve, FF, com quem a A. trabalhava directamente, declarou que não exigia tais justificações, apesar da A. lhe dizer quando faltava e porque faltava.
Ponderando que a testemunha BB também confirmou que nunca lhe foi solicitada a entrega de justificações de ausências, apesar de trabalhar no mesmo programa 365 Algarve com idêntico contrato de prestação de serviços, e ainda que as testemunhas CC e DD também declararam
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