Acórdão nº 246/22.0GASEI.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-07-2023

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão246/22.0GASEI.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE GOUVEIA)

Relatora: Alcina Ribeiro
1.º Adjunta: Isabel Valongo
2.º Adjunto: Jorge Jacob

I. RELATÓRIO

1. Na sentença proferida no âmbito destes autos, consta o seguinte dispositivo:

a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Violência Doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, n.º 1 al. a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e (oito) meses de prisão;

b) suspender na sua execução a pena de 2 (dois) anos e (oito) meses de prisão por igual período, com regime de prova, assente em plano de reinserção social, executado com a vigilância e apoio da DGRSP, durante o tempo de duração da suspensão, incluindo como deveres/regras de conduta:

b.1) a obrigação de responder a convocatórias dos serviços de reinserção social; b.2) a obrigação de receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição, informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;

b.3) encaminhamento para programa destinado a agressores em contexto de violência doméstica;

b.4) avaliação da necessidade de realização de tratamento para o alcoolismo e subsequente realização de tratamento caso este se viesse a revelar necessário ao qual o arguido já deu o seu assentimento.

b.5) proibição de se aproximar e de contactar BB, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, seja presencialmente, seja telefonicamente através de mensagens escritas ou voz, ou de qualquer tipo de comunicação possibilitado pelas redes sociais e proibição de se aproximar da residência de BB a uma distância inferior a 500 metros, sendo tais proibições a fiscalizar por meios de controlo à distância, sem prejuízo dos contactos relativos ao exercício das responsabilidades parentais.

c) Condenar o arguido no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 3 UC (cf. artigos 513º, n.º 1, 2 e 3; 514º, n.º 11, 524º do Código de Processo Penal e 8º, n.º 5 16º do Regulamento das Custas Processuais);


*

d) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido a pagar a BB a quantia de 1.200,00EUR (mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da notificação do arguido da dedução de tais pedidos e às taxas legais desde então em vigor até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais contra si peticionado;

(…)

2. Inconformado com esta condenação, dela recorre o arguido, formulando as seguintes Conclusões:

« …

2. O Arguido não se conforma com a decisão, no que se refere à imposição como condição de suspensão da regra de conduta de “proibição de se aproximar e de contactar BB, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, seja presencialmente, seja telefonicamente através de mensagens escritas ou voz, ou de qualquer tipo de comunicação possibilitado pelas redes sociais e proibição de se aproximar da residência de BB a uma distância inferior a 500 metros, sendo tais proibições a fiscalizar por meios de controlo à distância, sem prejuízo dos contactos relativos ao exercício das responsabilidades parentais”.

3. Porquanto, resulta da Douta sentença, que vigora um regime imperativo no que respeita ao crime de violência doméstica, no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão, sendo assim imperativo que esta seja “subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.”, nos termos do artigo 34.º - B da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

4. No entanto, no que concerne ao controlo por meios de controlo à distância do cumprimento da regra de conduta de afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos por qualquer meio, o regime não é imperativo e de aplicação automática, sendo o regime regra o previsto no artigo 51.º do Código Penal, o qual prevê que “ Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.”, tal como igualmente resulta do artigo 18.º da Constituição da Republica Portuguesa, ou seja este regime de controlo de regra de conduta é o regime excecional.

5. A intenção do Legislador foi salvaguardar o direito à reserva da intimidade da vida privada do arguido, da vítima e das pessoas enunciadas no artigo 36.º, n.º 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro, com assento legal no art.º 26.º da Constituição da Republica Portuguesa.

6. A referida regra de conduta não tem como finalidade alcançar as finalidades punitivas da pena, mas sim proteger a vítima e se tal se demonstrar imprescindível para atingir tal finalidade, requisito de verificação obrigatório, só sendo possível nesse caso restringir os direitos do arguido, da vítima e das pessoas previstas no citado normativo legal.

7. Pelo que é obrigatório que resulte do acervo factual dado como provado, bem como da fundamentação da sentença ser tal controlo por aqueles meios imprescindível para a proteção da vítima.

8.Ainda, prevê o artigo 36.º n.º 1da Lei 112/2009, de 16 de Setembro que “A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta”, e no n.º 2 do mesmo artigo que “A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local”.

9. Pelo que mesmo que o regime excecional de controlo á distancia da referida regra de conduta se venha a desmontar imprescindível para a proteção da vítima a sua utilização só poderá ter lugar se o arguido, a vítima e as pessoas referidas no artigo 36.º, n.º 2 do citado diploma consentirem nessa utilização.

10. Só podendo o Tribunal prescindir dos referidos consentimentos se o juiz, de forma fundamentada, de direito e de facto, determinar que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima, cf. n.º 7 do mencionado dispositivo legal.

11. Pelo que nesse caso deverá igualmente resultar do acervo factual dado como provado, bem como da fundamentação da sentença, os motivos de facto e de direito que levaram o Tribunal a considerar imprescindível para a proteção dos direitos da vítima que o controlo seja efetuado por meios à distância, prescindindo dos consentimentos a que se reportam o artigo 36.º n.º 1 e n.º 2 da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.

12.O dever constitucional e legal de fundamentação, consagrados nos artigos 205.º da CRP, no artigo 97.º n.º 5 do CPP prevêem, respetivamente, que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”.

14. Embora não se desvalorize os argumentos enunciados pelo Tribunal, consideramos, ser a fundamentação insuficiente nesta matéria, por não descrever factos que determine necessariamente que este meio de controlo da regra de conduta é imprescindível para a proteção da vítima, bem como ser imprescindível para a proteção dos seus direitos, que justifique prescindir dos consentimentos das pessoas referidas no artigo 36.º n.º 1 e 2 da Lei 112/2009 de 16 de setembro.

15. Na verdade resulta do próprio factos dados como provados na sentença e do próprio texto da mesma e da prova produzida em julgamento, nomeadamente a documental, não ser imprescindível efetuar por meios de controle à distância a regra de conduta.

Pois resultou provado e resulta dos autos:

16.Conforme consta da Sentença, no ponto 30 dos factos dados como provados, que o arguido não tem antecedentes criminais.

17. Conforme consta da Sentença, no ponto 25 da factualidade dada como provada, que o arguido é trabalhador, o qual continua a exercer as funções de mecânico…

18.… o arguido refez a sua vida tendo nova namorada, …

19.Conforme resulta do texto da sentença, no ponto 2.3 - Da convicção do Tribunal-folha6, último parágrafo, referindo-se este às declarações da vitima/assistente, que os factos dados como provados pelo Tribunal – agressões verbais e físicas- circunscreveram ao período em que se encontravam a coabitar, pois após a vitima se ausentar da residência nunca mais sucederam.

21.Ausência de factualidade que demonstre que o arguido tenha comportamentos obsessivos, persecutórios para com a vitima, resultando exatamente o contrário quer da versão da vitima, das testemunhas e do arguido, não constando assim da factualidade dada como provada na Sentença.

23.Ausência de factualidade que demonstre intenção do arguido de retaliar ou vingar-se ou repetir qualquer facto – agressão verbal ou física -, não constando da factualidade dada como provada tal facto.

24.Ausência de factualidade que demonstre que o Arguido tenha demonstrado interesse em reconciliar-se com a vítima o que pudesse proporcionar uma aproximação à vitima, …

25.A vitima quando questionada sobre esta questão diz que tem medo, sentimento do foro intimo da vitima, subjetivo, o qual veio a dar lugar ao facto dado como provado no ponto 23 da matéria dada como provada, mas do qual não se pode concluir que ela está efetivamente em perigo, até porque é das declarações da própria conforme já referido, que se conclui que o arguido nunca mais a contactou e que não se verificou qualquer episódio de agressão após a data de 2.04.2022, data em que deixou de coabitar com o...

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