Acórdão nº 245/22.2T8ETZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25-01-2023

Data de Julgamento25 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão245/22.2T8ETZ.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 245/22.2T8ETZ.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora
Juízo de Competência Genérica de Estremoz


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Banco (…), S.A requereu contra (…) Transportes, Lda., em 14-09-2022, o presente procedimento cautelar especificado de entrega judicial de bem locado, nos termos do artigo 21.º do DL 149/95, de 24-06, sustentando ter celebrado com a requerida, em 26-02-2019, um contrato de locação financeira relativo à viatura – marca Renault, modelo Master III Fase II (2016) – com a matrícula (…), o qual posteriormente resolveu por falta de pagamento de rendas, no contexto que descreve, procedendo ao cancelamento do registo da locação financeira averbado na titularidade da requerida, não tendo esta restituído o veículo pertencente à requerente, cuja apreensão e entrega peticiona.
Citada, a requerida não deduziu oposição.
A requerida veio aos autos requerer a suspensão do procedimento cautelar, invocando a previsão do artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), com fundamento na nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização que corre termos sob o n.º 258/22.4T8ETZ no Juízo de Competência Genérica de Estremoz, em que é devedora.
Notificada, a requerente pronunciou-se no sentido do indeferimento da requerida suspensão do procedimento cautelar.
Por despacho de 07-11-2022, foi determinada a suspensão do procedimento cautelar, nos termos seguintes:
(…)
Prescreve o artigo 17.º-E/1, do CIRE, na redacção actualmente em vigor e introduzida por via da Lei 9/22, de 11/01, que a decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C, ou seja, a decisão de nomeação de administrador judicial provisório, obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as acções em curso com idêntica finalidade.
Ora, tal como se adiantou já, a questão do âmbito de aplicação de tal preceito, tendo em conta a sua redacção anterior (em que se utilizava a expressão “obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade”), não tem sido pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, nomeadamente no que respeita à inclusão ou não, na previsão do preceito, os procedimentos cautelares previstos no artigo 21.º do DL 147/95[1].
Tendo o legislador optado pela clarificação das dúvidas anteriormente existentes quanto à inclusão ou não das acções declarativas em tal âmbito de aplicação ao mencionar expressamente, que a suspensão apenas atinge as acções executivas e acções com idêntica finalidade – alterando, inclusivamente, a epígrafe do preceito – subsiste a questão de saber, em concreto e no que, para os presentes, releva, se aquela tipologia de procedimentos se encontra abrangida por tal preceito, ou seja, saber se o legislador teve em vista, apenas e tão-somente, as acções executivas para prestação de quantia pecuniária ou, de igual modo, as destinadas à prestação de coisa ou de facto, bem como procedimentos com idêntica finalidade.
E a este propósito, ponderados os argumentos esgrimidos num e noutro sentido, cumprirá referir que acompanhamos o entendimento de Maria do Rosário Epifânio[2], ainda que proferido ao abrigo da redacção anterior, afirmando que no citado artigo 17.º-E, n.º 1, “estão abrangidas apenas as acções executivas, ou as diligências executivas e ainda as providências cautelares de natureza executiva, propostas contra o devedor, e respeitantes a quaisquer dívidas”, aqui se incluindo “quaisquer ações executivas para cobrança de dívidas, prestação de coisa ou de facto, prestação de quantia em dinheiro ou de outra coisa”.
Na verdade, tal interpretação surge como a mais consentânea com as finalidades do legislador com a introdução, através da Lei 16/2012, de 20/04, do PER, ou seja, com o objectivo salientado por Ana Prata / Jorge Morais Carvalho / Rui Simões[3], de “(…) colocar a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores” e, desta forma, viabilizar a manutenção em actividade da empresa recuperanda, satisfazendo, do mesmo passo, razões de interesse público.
No caso vertente, peticiona o Requerente a entrega de um veículo de Renault, modelo Master III Fase II (2016-), com a matrícula (…) e respetivos documentos, com a sua entrega ao seu legal representante, mais requerendo, ainda, que, decretada a providência cautelar, seja antecipado o juízo sobre a causa principal.
Trata-se, assim, de uma providência cautelar de natureza executiva, pois que, apurados os pressupostos da providência, deve o Tribunal ordenar a entrega imediata do bem locado, integrando-se a execução da entrega na própria providência.
Nesta medida, em face do acima exposto e tendo, ainda, em conta que decorrem negociações no âmbito do processo especial de revitalização da Requerida e que esta se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, utilizando, na sua laboração, veículos automóveis, entre os quais aquele cuja entrega é peticionada, consideramos que o disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é aplicável no presente procedimento cautelar de entrega.
Aliás, ainda que assim não fosse, sempre haveria, ao abrigo do disposto no artigo 272.º/1, do Código de Processo Civil, motivo justificado para decretamento de tal suspensão.
(…)
Em face de todo o exposto, e nos termos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determina-se a suspensão do presente procedimento cautelar.
Notifique.

Inconformada, a requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«I. O Tribunal a quo cometeu um erro na apreciação da norma de Direito aplicável ao presente caso, nomeadamente ao considerar que os efeitos da norma do artigo 17.º-E, n.º 1, são subsumíveis aos procedimentos cautelares.
II. O Recorrente Banco (…), S.A. celebrou em 26.02.2019 com o Recorrido (…), Transportes Lda. um contrato de locação financeira n.º 5056531 que tinha por objecto a locação de um veículo automóvel de marca Renault, com matrícula (…), mediante o pagamento de 60 rendas mensais no valor de € 469,47, cada.
III. Contrato esse que veio a ser incumprido por falta de pagamento das rendas, ou seja, das 60 rendas contratualizadas, a Requerida/Recorrida apenas liquidou 33 rendas.
IV. Nesse sentido, o Recorrente diligenciou ativamente pela regularização da situação de mora, ao interpelar para proceder ao pagamento do valor vencido e não pago, mediante carta registada datada de 02.08.2022. Contudo, o incumprimento manteve-se, pelo que não restou outra alternativa ao Recorrente senão a resolução do contrato de locação financeira.
V. Até ao momento a viatura locada não foi entregue ao seu legitimo proprietário, pois, o Banco (…), S.A. é e sempre foi o legitimo proprietário deste bem.
VI. Pelo que, intentou o presente procedimento cautelar no dia 14.09.2022 no qual requereu que fosse ordenada a entrega do veículo em apreço bem como as suas chaves e documentação.
VII. Sucede que, na pendência da ação, mais propriamente, quando já se encontrava aprazada a audiência de discussão e julgamento veio a Requerida/Recorrida informar o douto Tribunal que havia sido nomeado administrador judiciário no âmbito do PER sob o n.º 258/22.4T8ETZ.
VIII. Tendo o Tribunal após pronuncia das partes, entendido que decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C do CIRE, ou seja, a decisão de nomeação de
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