Acórdão nº 2431/22.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão2431/22.6BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

A……, representado pelos progenitores M….. e T…., devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 16.9.2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente a excepção dilatória de impropriedade do meio processual e, consequentemente, absolveu a entidade requerida da instância.
O Recorrente requereu que fosse conferido efeito suspensivo ao recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«I. O recorrente é apátrida porque não tem nenhuma nacionalidade, em razão do facto do recorrido lhe recusar o reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
II. O recorrente tem direito à nacionalidade portuguesa ope legista, por força do disposto no artº 1º, 1 al. g) da Lei da Nacionalidade Portuguesa que determina que são portugueses de origem “os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.”
III. O recorrente tem, apenas, seis meses de idade e os seus representantes legais não querem que ele fixe residência no Brasil durante a menoridade nem querem registar o respetivo nascimento no registo civil brasileiro, porque não querem que o recorrente adquira a nacionalidade brasileira.
IV. O artº 12º,1 al. c) da Constituição do Brasil estabelece uma forma de aquisição da nacionalidade por efeito das vontade, que só poderia ser exercida pelos progenitores do recorrente, os quais declaram expressamente que nunca exercerão esse direito como representantes legais do menor, por entenderem que tal exercício é prejudicial aos interesses do recorrente, o qual nasceu em território português e trem[sic] direito à nacionalidade portuguesa, por força do citado artº 1º, 1, al. g) da Lei da Nacionalidade Portuguesa.
V. Esta norma é atinente a diretos fundamentais, que tem o seu fulcro no direito à cidadania portuguesa (artº 4º da Constituição), os quais estão brutalmente ofendidos pelo recorrido.
VI. A denegação do direito à nacionalidade portuguesa e a criação de uma situação de apatridia tem efeitos diretos atuais e permanentes, cuja violação só pode ser atacada por via da ação a que se refere o artº 109º do CPTA.
VII. Não estamos, por natureza, perante qualquer quadro de convolação, mas perante um quadro em que único maio[sic] processual adequado a pôr termo à agressão xenófoba e racista do direito à nacionalidade portuguesa e à identidade pessoal do recorrente é o referido processo especial.
VIII. O direito à nacionalidade é o mais importante direito da pessoa humana; é o que separa os cidadãos dos párias.
IX. A, aliás, douta sentença procura, perante as evidências, criar um pária ou forçar os pais do recorrente a requerer a aquisição da nacionalidade brasileira para o mesmo, como forma de evitar que ele seja português, o que constitui uma brutalidade jurídica e ofensa aos direitos do recorrente e dos seus pais.
X. O direito à nacionalidade é o mais importante direito dos portugueses, na medida em que os qualifica como cidadãos de primeira grandeza tanto em Portugal, com no Mundo e, especialmente, na União Europeia.
XI. A ofensa a este direito fundamental merece tutela urgente que só pode ser exercida por via do processo a que se refere o artº 109º do CPTA.
XII. Não há, efetivamente, outro meio que permita reagir ao confisco do direito à nacionalidade portuguesa ou pôr termo à chantagem, para que os progenitores do recorrente requeiram a aquisição da nacionalidade brasileira, como forma de o mesmo perder a nacionalidade portuguesa, ainda não reconhecida e de, obter, por meios mais simples e céleres um passaporte para o recorrente.
XIII. A douta sentença recorrida ofende, para além do próprio artº 109º do CTPA, as seguintes disposições legais, no quadro contextual destas alegações:
o O artº 1º, 1 al) g da Lei da Nacionalidade Portuguesa;
o O artº 21º da Lei da Nacionalidade Portuguesa;
o O artº 3º,1 al. c) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa;
o O artº 26º da Constituição da República, por relação aos artº 1648 4º, 16º e 18º da mesma Lei Fundamental;
o O artº 2º da Lei nº 7/2007, de 5 de fevereiro;
o O artº 41º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa;
Termos em que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que ordene o processamento do registo de nascimento em termos que reconheçam atribuição da ancianidade[sic] portuguesa ao recorrente, por força do disposto no artº 1º, 1 , al. g) da Lei da Nacionalidade Portuguesa.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I – Deve o recurso apresentado ser declarado improcedente e manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, porque é válida, inexistindo qualquer vício de violação da lei que lhe possa ser imputado;
II – Deve o Mandatário do recorrente ser responsabilizado por má-fé, uma vez que faz dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir objetivo ilegal, e, por violar o dever de recíproca correção, usando expressões injustificadamente ofensivas, faltando ao respeito devido ao Tribunal e Instituições – artigos 542º, nº 2, alínea d) e artigos 8º e 9º, todos do CPC, aplicáveis ex.vi artigos 1º e 35º do CPTA
III – Tudo com as demais e legais consequências!».

O juiz a quo proferiu despacho, admitindo o recurso com efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com divulgação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter decidido julgar procedente a excepção da inidoneidade do meio processual.

Importará ainda apreciar da questão prévia do efeito de subida do recurso e o pedido formulado nas contra-alegações pelo Recorrido de responsabilização do mandatário do Recorrente por má fé.

i) Da questão prévia:
O Recorrente, no requerimento de recurso, limita-se a referir que o mesmo deve subir com efeito suspensivo porque o efeito meramente devolutivo causará enorme dano.
O tribunal recorrido admitiu o recurso e fixou o efeito de subida como meramente devolutivo, por referência ao disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 143º do CPTA.
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, a atribuição do efeito meramente devolutivo que possa causar danos – devidamente alegados e fundamentados -, apenas determina o tribunal a adoptar providências adequadas a evitar ou a minorar esses danos, não implicando a alteração do efeito do recurso para suspensivo.
Mas mais importante, tal norma só opera quando a atribuição do efeito meramente devolutivo não resulta do disposto da lei, mas de despacho do juiz do processo.
No caso em apreciação, está em causa decisão proferida numa acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pelo que o recurso dela interposto tem efeito meramente devolutivo ope legis, não sendo aplicável o disposto no referido nº 4.
Donde é de manter o efeito meramente devolutivo do presente recurso.

ii) Do recurso:

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. O Requerente nasceu no dia 23.03.2022 na freguesia do A…., concelho de B….., em Portugal – cfr. doc. nº 1 junto com o requerimento inicial;

2. O Requerente é filho de M…… e T…….., ambos de nacionalidade brasileira - cfr. doc. nº 1 junto com o requerimento inicial;

3. Em 26.04.2022 o progenitor do requerente enviou ao Consulado Geral do Brasil em Lisboa a seguinte mensagem, através de correio eletrónico:

- cfr. doc. n.º 3 junto com o requerimento inicial;

4. A mensagem enunciada em 3) obteve a seguinte resposta por parte do Consulado Geral do Brasil em Lisboa:


- cfr. doc. n.º 3 junto com o requerimento inicial;

5. Em 20.06.2022 foi emitida Certidão Negativa de Naturalização da qual consta que:
O Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça CERTIFICA, a pedido de T………, que não CONSTA, até à presente data, registro de naturalização em nome de A………., filho de T……… e de M…….., natural de Portugal, nascido em 23/03/2022”.
- cfr. doc. nº 8 junto com o requerimento inicial;

6. Em 23.06.2022, o Oficial de Registos da Conservatória do Registo Civil do B……, emitiu declaração de presença, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
Para os devidos efeitos se declara que o Senhor M….., portador do Passaporte nº F….., emitido em 2018-04-04, esteve hoje presente nesta conservatória, entre as 15.02 horas e as 15:40 horas, a fim de tratar de assuntos relacionados com o pedido de nacionalidade do seu filho, pedido este que está em estudo”.
- cfr. doc. nº 2 junto com o requerimento inicial;

7. No dia 5.08.2022 foi lavrado termo de autenticação, perante advogado, relativamente ao documento com a denominação de Declaração de Vontade Irrevogável, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:


(…)”
- cfr. doc. nº 4 junto com o requerimento inicial;

8. A capa do processo respeitante ao registo de nascimento nº ………./2022 lavrado no Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil com o nº ………/2022 apresenta como estado arquivado, sem registos associados ao processo, assim como, quaisquer...

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