Acórdão nº 2410/23.6T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-08

Ano2024
Número Acordão2410/23.6T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Proc. n.º 2410/23.6T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A requerente AA interpôs procedimento cautelar comum contra a requerida “Associação Social e Cultural da ...”, com inversão do contencioso, solicitando, a final, que seja decretado o presente procedimento cautelar comum e, em consequência, seja ordenado o deferimento do pedido de horário flexível solicitado pela requerente, fixando-se tal horário nos dias úteis, de segunda a sexta-feira das 7h às16h30, devendo tal horário vigorar até aos 12 anos da menor.
Alegou, em síntese, que, por ter uma filha menor de 12 anos, solicitou à requerida a atribuição de horário flexível, o qual deveria ser fixado nos dias úteis, de segunda a sexta-feira das 07h00 às 16h30, devendo o horário vigorar a partir de 7 de agosto de 2023 até aos 12 anos da menor.
Mais alegou que, em resposta, apesar de a requerida ter referido que deferiu o seu pedido, na realidade indeferiu o mesmo, aplicando-lhe um horário completamente diferente daquele que a requerente propusera e ainda mais gravoso do que aquele que estava a praticar.
Alegou igualmente que solicitou à requerida que submetesse a sua resposta à entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres para o devido esclarecimento, tendo a própria requerente enviado a tal comissão toda a situação, requerendo a elaboração do respetivo parecer, tendo, porém, recebido a resposta de que a comissão não tinha competência para elaborar parecer a pedido do trabalhador, informando-a de que a entidade empregadora não tinha solicitado qualquer parecer.

A “Associação Social e Cultural da ... – Instituição Particular de Solidariedade Social” veio opor-se à providência cautelar, requerendo a sua improcedência.
Invocou, em síntese, que a petição inicial é inepta, uma vez que existe contradição entre o pedido e a causa de pedir, visto que apesar de pretender que lhe seja fixado um horário flexível o horário que pretende é fixo.
Mais alegou que o pai da menor não possui qualquer constrangimento para ir buscar a menor à escola e a requerida não contrata trabalhadores que não possam trabalhar aos fins-de-semana e por turnos.
Concluiu, por fim, que se opõe à inversão do contencioso.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 05-10-2023, que julgou improcedente a invocada ineptidão da petição inicial e terminou com o seguinte teor decisório:
Em face do exposto julgo improcedente a providência cautelar peticionada.
Custas pela Requerente (cfr. art. 527º do CPC ex vi art. 1º nº 2 al. a) do CPT).
Fixo à providência o valor de € 30 000, 01 ( cfr. art. 303º nº 1 do CPC ex vi art. 1º nº 2 al. a) do CPT).
Notifique.
Registe

Inconformada com tal despacho, veio a requerente interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1. Em primeiro lugar o direito que a Requerente invoca a ter um horário de trabalho flexível existe claramente consagrado na lei e é em concreto admissível em face das provadas responsabilidades familiares, encontrando-se devidamente preenchidos os requisitos legais para a admissibilidade do procedimento cautelar, emanando dos autos que da postura de recusa da Requerida resulta lesão grave e prejuízo sério e de difícil reparação no âmbito da esfera jurídica da Requerente,
2. Existe a clara probabilidade da existência do direito (“fumus boni iuris”) da Requerente, sendo suficiente a prova produzida que permite um adequado juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado, atenta a instrumentalidade e provisoriedade da medida cautelar e sem prejuízo das regras relativas ao pedido de inversão do contencioso.
3. E dada a recusa e a postura da Requerida existe igualmente o fundado receio de lesão ou prejuízo grave e difícilmente reparável ao direito (“periculum in mora”), devendo-se atender à repercussão na esfera jurídica da Requerente e à dinâmica familiar existente de forma a lograr evitar a continuação da situação danosa e a garantia do efeito útil da possível acção (conforme resulta do n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil).
4. A Douta Decisão recorrida aceita claramente a existência do direito da Requerente a ter um horário flexível, dado resultar provado que tem uma filha menor de 12 anos e também resulta provado que o horário escolhido pela Requerente corresponde a um dos vários horários existentes e praticados pela Requerida.
5. A boa aplicação da lei ao caso em análise implica que se considere as concretas dinâmicas familiares da Requerente, sendo evidente que cada agregado familiar tem direito às suas próprias circunstâncias e não tem que viver em função de posturas mais ou menos generalizadas e de parâmetros, procedimentos e hábitos externos.
6. Independentemente de ser mais ou menos frequente e generalizado é inequívoco que a Requerente tem direito a em concreto escolher um horário em que sai às 16:30 horas, sendo certo que a proposta da Requerente contempla a entrada às 7 horas (contrariamente à maioria dos trabalhadores que saem às 18 ou às 19 horas), assim perfazendo o pedido normal de trabalha diário.
7. Sendo importante frisar que o pretendido horário corresponde a um dos horários/turnos existente na instituição Requerida e por ela estipulado há muito na decorrência do poder diretivo e regulamentar.
8. Embora o contrato de trabalho celebrado entre as partes preveja o trabalho por turnos, mas não é menos evidente que a maternidade da Requerente é claramente uma circunstância superveniente que permite o exercício do direito previsto nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho.
9. Por outro lado não se pode aceitar que a existência e presença do marido da Requerente seja impeditivo da pretensão de esta terminar o trabalho às 16:30 horas, já que o número 1 do artigo 56.º do Código do Trabalho refere expressamente que o horário flexível pode “ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos” (sublinhado nosso), prevendo a lei a possibilidade de ambos os progenitores possuírem flexibilidade de horário e — consequentemente — de ambos estarem habitualmente presentes no dia a dia da menor de 12 anos, não sendo tal circunstância motivo para a recusa do direito a um horário flexível.
10.Sendo a divisão de tarefas e a entre-ajuda entre os progenitores uma componente da harmonização entre profissão e vida familiar que a lei quer proteger, acrescendo que em concreto o marido da Requerente na qualidade de gerente de uma empresa não está sujeito a horários fixos nem a responsabilidades que se limitam ao período de funcionamento e atendimento da empresa, sendo que o mesmo assume na organização familiar outras responsabilidades igualmente necessárias e distintas da elaboração da alimentação e dos banhos da menor.
11.De acordo com o previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho as características próprias do agregado da Requerente e as dinâmicas familiares existentes justificam o direito a um horário flexível, que possa fixar o inicio e o término do período normal de trabalho diário e semanal nas horas e dias em concreto mais convenientes,
12.Não havendo prejuízo para a organização da Requerida que possui entre os vários horários precisamente o escolhido pela Requerente (e já antes praticado por ela) e que não recusou o pedido com base na existência de exigências imperiosas de funcionamento conforme prevê o n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho.
13.De acordo como texto e o espirito da lei, a Requerente tem direito a escolher horário flexível que permita o convívio de todo o agregado familiar nos fins de semana, e inclusive demonstrou sinceridade e boa-fé quando nas suas declarações no Tribunal “a quo” demonstrou disponibilidade para trabalhar alguns fins de semana.
14.A Douta Decisão merece clara censura quando refere que a possibilidade de a admissão do direito da Requerente implicar a atribuição de idêntico direito a outras trabalhadoras, em geral (?) e em particular na instituição da Requerida, sendo evidente que o previsto na lei não pode ser cerceado com base em factos hipotéticos ou situações conjeturais,
15.Sendo consabidamente a lei geral e abstrata, a aplicação do disposto nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho deve ser feita pontualmente e de forma atual quer ao presente quer a qualquer similar e futuro pedido, atendendo às circunstâncias de cada caso e sem preocupações repressivas ou limitadoras do direito e de ideias de “prevenção geral” próprias do Direito Penal,
16.Sendo manifesto que em nada releva na boa decisão desta situação a possibilidade de idênticos e futuros pedidos, dado que a Requerida para alem dos poderes diretivo e regulamentar tem o dever e a obrigação de dar legal e fundamentada resposta a toda e qualquer vicissitude que possa advir, desde faltas a pedidos de horário flexível.
17.O direito da Requerente a um horário flexível não pode ser prejudicado pelas circunstâncias familiares, especialmente porque foram as circunstâncias, necessidades e dinâmicas familiares próprias do agregado que levaram ao pedido formulado junto da Requerida e posteriormente junto do Tribunal,
18.Sendo evidente que — existindo manifestamente o direito previsto nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho — a postura de recusa por parte da Requerida e de manutenção do horário anteriormente praticado (ou mesmo da imposição de um horário mais prejudicial) corresponde a situação de notório prejuízo e lesão grave e de difícil ou impossível reparação, devendo claramente proceder o procedimento cautelar.
!19.Em segundo lugar e de acordo com a correta aplicação do Direito, o pedido de horário flexível formulado pela Requerente — dias úteis, de segunda a sexta-feira das 7 às 16:30 horas — foi na verdade aceite pela Requerida e como tal deve ser fixado.
20.O direito comunitário e internacional, a Constituição
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