Acórdão nº 241/22.0T8LRS.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão241/22.0T8LRS.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
I.1 No âmbito dos autos de recurso de contra-ordenação n.º 241/22.0T8LRS que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 4, em que é arguida “F…….., Lda.”, com os demais sinais nos autos, foi proferida sentença, em 16-03-2022, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“(…)
E) DISPOSITIVO
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por provado, o recurso interposto pela arguida/recorrente, e em consequência decido manter integralmente a decisão administrativa quanto à condenação pela prática das infracções imputadas e fixar a coima única no montante de €5.000,00 (cinco mil euros).
(…)”
I.2 Recurso da decisão
Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a arguida recorrente “F…., Ldª” (que anteriormente utilizou a denominação social de “F…, Limitada”) para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
EM CONCLUSÃO:
a) Ao omitir os factos subjectivos subjacentes á infracção imputada, a acusação é nula, nulidade essa não sanada, antes agravada, pelo facto de a decisão administrativa pretender suprir tal nulidade com a consideração como provados de factos que nem sequer foram aflorados pela acusação/auto de noticia, o que determina, contrariamente ao que a sentença recorrida considera, que a decisão impugnada viole o disposto no art. 58º do DLCO, ferindo a mesma de nulidade, por aplicação do disposto no art. 379º, nº 1, al. b) e c) do Cod. Proc. Penal e em obediência ao princípio do contraditório, este de dignidade constitucional;
b) Sendo que, a considerar-se que a acusação/auto de noticia não carece de conter os elementos subjacentes a uma acusação e está a violar o principio da defesa vertido no art. 32º da Constituição da Republica Portuguesa;
c) A consideração de elementos legais gera uma interpretação sobre a não inserção na moldura legal cominatória, porquanto tratando-se de uma farmácia em hospital publico, com um regime legal próprio e um enquadramento geográfico específico, não se lhe pode considerar direccionada a previsão contida no art. 8º, nºs 3, als. a) e b) e 4º do REASP ao estabelecimento em causa nos presentes autos, sob pena de erro sobre os pressupostos de direito;
d) A coima aplicada revela-se desproporcional em face dos fins específicos da mesma, devendo a mesma reverter em admoestação – arts. 20º, nº 1, e 51 do RJCO;
e) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou os comandos legais e princípios constitucionais invocados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de
JUSTIÇA!
(…)”
O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido a 02/05/2022.
I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela sua improcedência, alegando o seguinte [transcrição]:
“(…)
IV- CONCLUSÕES
1) O recorrente foi condenado por decisão proferida pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, que a condenou pela falta de instalação de sistema de videovigilância e de dispositivo de detenção de intrusão, pela prática negligente, de duas contra-ordenações graves, p. e p. pelos artigos 8.º n.º 3 alíneas a), b) e 4 do REASP e artigo 100.º n.º 1 alíneas a) e b) da Portaria nº 273/2013 de 20 de agosto, na coima única de €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros);
2) Tendo impugnado judicialmente a decisão administrativa, a sentença recorrida confirmou a prática das mencionadas infrações, tendo reduzido a coima aplicada, em cúmulo, numa coima única no valor de € 5.000,00.
3) Inconformada com a sentença, a recorrente recorreu de direito, e apresentou as suas alegações de recurso dar cabal cumprimento ao disposto no artigo 412.º nºs 2 do Código de Processo Penal. Não o tendo feito, deve o recurso do recorrente ser rejeitado nos termos do artigo 417.º n.º 6 alínea b), por violação do disposto no artigo 412.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a) b) e c) do Código de Processo Penal.
4) A recorrente invoca a nulidade do auto de notícia e da notificação recebida para exercício do direito de audição e defesa, por falta de elemento subjectivo, bem como da decisão administrativa por ter acrescentado factos que não constavam do auto de notícia.
5) Sucede que não só o auto de notícia e a notificação não estão feridas de nulidade, como não enfermam de qualquer vício por apresentam todos os elementos de facto e de direito exigíveis e necessários ao exercício do direito de defesa, tanto mais que a defesa foi exercida tempestiva e assertivamente, deixando claro que a recorrente compreendeu o teor das imputações que lhe foram feitas.
6) Tendo a recorrente apresentado defesa escrita, e estando assistida por advogado, não invocou a nulidade do auto de notícia nem da notificação recebida para exercer a sua defesa, o que impede que o possa invocar em sede de impugnação judicial.
7) O recorrente põe ainda em crise a sentença recorrida, bem como a decisão administrativa, alegando que o normativo que prevê as infrações que lhe são imputadas não lhe é aplicável por o estabelecimento em causa ser uma farmácia hospitalar (regida pelo disposto no Decreto-Lei nº 241/2009, de 16 de setembro) e não uma farmácia comum de oficina.
8) Sucede que pese embora devido às suas especificidades as farmácias hospitalares estivessem sujeitas a algumas regras próprias, as diferenças de regime caracterizavam-se pela adoção de num regime mais exigente para as hospitalares do que o das farmácias de oficina sendo que, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/2009, lhes seria aplicável o regime destas farmácias com as necessárias adaptações, sendo que, no que à instalação de equipamentos de segurança se refere não há qualquer razão de facto ou de direito que exija ou justifique regras distintas, ou qualquer tipo de adaptação.
9) A recorrente insurge-se também contra a medida da coima aplicada na sentença recorrida, que reputa de desproporcional, pugnando pela aplicação de uma mera admoestação.
10) Sendo a coima uma sanção com expressão pecuniária, deve implicar uma efetiva agravação da situação económica do infrator, sob pena de a pena não satisfazer as exigências e os objectivos subjacentes à punição.
11) A sentença recorrida atendeu a todos os critérios legais aplicáveis, sem descurar as circunstâncias de facto, sendo que estas não admitem a aplicação de uma mera admoestação por não estarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 51.º do RGCO.
12) Atenta a situação em concreto, se o valor da coima fixado na sentença peca, seguramente é por defeito e não por excesso, pelo que bem andou o Tribunal a quo na decisão sobre esta matéria.
13) A Juiz a quo estribou a sua decisão nos critérios legalmente estabelecidos para encontrar a medida concreta da pena ajustada, o que fez sempre a favor do recorrente em conformidade com a lei.
14) Destarte, bem andou o Tribunal a quo, sendo a decisão recorrida conforme à lei e à constituição, não tendo sido tomada em atropelo de qualquer norma jurídica nem de quaisquer direitos ou garantias que assistem ao recorrente, razão pela qual não merece qualquer reparo, devendo manter- se inalterada.
Em face do exposto, deverá o presente o recurso ser considerado totalmente improcedente e, consequentemente, a sentença recorrida ser mantida nos seus exatos termos, com o que se fará JUSTIÇA!
(…)”
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição do Digno Magistrado do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, o que fez nos seguintes termos [transcrição]:
“(…)
Vem, pela arguida, pessoa colectiva, sociedade comercial, “F….., Ldª”, por dissentir, em vários segmentos, de direito, da douta Sentença que, em 16.03.22, confirmou decisão da autoridade administrativa- SGMAI-, embora com redução da sanção (coimas parcelares e única), dela interpor Recurso, estribando a sua impugnação em 3 grandes vectores (objecto recursório: art 412º,1, CPP, aplicável “ex vi” do art 74º,4, RGCO), a saber:
- nulidade (por omissão do elemento subjectivo, desde o auto de notícia, à notificação deste, até à decisão, final e condenatória, administrativa, abrangendo respectiva notificação): arts 379º, b) e c), CPP ; e
- inaplicabilidade, em concreto, da L 34/13, 16.05 (REASP) ao tipo de estabelecimento versado nos autos de contra-ordenação: art 8º, 3, a) e b), e 4, desse diploma; e
- desproporcionalidade sancionatória, que se bastaria com a mera admoestação (art 51, RGCO).
Todas estas questões, seu argumentário e pretensões associadas, mereceram uma muito bem estruturada Resposta da Exmª Magistrada afecta ao JLCriminal e processo respectivo, que, cirúrgica e proficuamente, respaldando-se em razões de facto e de direito, desmontou a tese recursória, alinhamento racional a que aderimos integralmente, no fundo, pois, secundando a solução judicial ora posta sob censura, imerecidamente, como, porventura redundamente, destacaremos, em jeito de breve síntese.
Assim, sem conceder pelo incumprimento, “in casu”, do ritualismo próprio da impugnação da matéria de direito, por força da ausência, mormente, da indicação das normas violadas e das que deveriam ter sido relevadas, bem como o sentido com que foram aplicadas e o que lhes deveria ter presidido (art 412º,2, a) a c), CPP), sufragamos a insusceptibilidade legal de ser conhecida e ponderada a questão da aplicabilidade do REASP (no seu art 8º, 3 e 4, justamente o segundo ponto recursório acima referido) ou, no
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