Acórdão nº 2245/18.8TXLSB-G.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-02-2023

Data de Julgamento02 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão2245/18.8TXLSB-G.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO

ACÓRDÃO
No apenso F foi proferida decisão ao abrigo do preceituado no artigo 2.º, n.º 7, da Lei nº 9/2020, revogando o perdão concedido ao arguido A e, em consequência, determinando a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
Não se conformando com tal decisão veio o arguido interpor recurso, tendo, após a motivação, apresentado as seguintes CONCLUSÕES
1. Por decisão proferida a 14-04-2020, transitada em julgado, foi perdoado o período remanescente de prisão que o Arguido cumpria à ordem do processo n.º 1326/12.6PBLSB, do Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 2;
2. O perdão genérico foi concedido nos termos da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, o qual tinha uma condição resolutiva – o Arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente –, sendo que tal normativo derivava de um regime excepcional tendo em conta a Pandemia da doença COVID-19;
3. O Arguido está inserido socialmente, ganhando cerca de 1.100€ líquidos com horas extraordinárias, bem como a sua companheira, tendo ambos uma criança de 3 anos, e a referida família abandonou o bairro de Alfama, tendo ido viver para a Estrela, de forma que não houvesse qualquer ligação ao anterior mundo do crime e dos ilícitos anteriormente praticados;
4. Igualmente se refira que o Arguido foi condenado por sentença transitada em julgado a 21-02-2022, numa pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos com regime de prova, sendo que os factos que estão na base de tal condenação aconteceram em 10-09-2021 e o Arguido tinha sido libertado através do referido perdão genérico no dia 14-04-2020, pelo que desde uma data à outra passou 1 ano, 4 meses e 27 dias, ou seja, caso estivesse em vigor a condição resolutiva, esta já tinha sido cumprida na sua totalidade, o que o Tribunal a quo não considerou e em nossa opinião houve desde logo e por tal facto, erro na aplicação no Direito;
5. Porém, a 02-12-2021 foi promulgado pelo Presidente da República o Decreto da Assembleia da República que determina a cessação de vigência do regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, aprovado pela Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, procedendo consequentemente à sua revogação;
6. Assim sendo, a 16-09-2022, altura da decisão do presente incumprimento que agora se recorre, a Lei aplicada já não se aplicava em vigor, sendo que em Direito Penal vigora o Princípio da Legalidade e o da Proibição da Retroactividade em tudo o que opere “contra reum”;
7. Explica-nos o artigo 127.º do Código Penal que “a responsabilidade criminal extingue-se pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto”, atendendo ainda que, em razão do artigo 128.º, n.º 3 deste mesmo diploma, “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte;
8. Daqui nasce um outro princípio da mais elevada importância - o princípio da aplicação da lei mais favorável - não só previsto na Lei Penal portuguesa, no seu artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, como previsto na nossa Lei Fundamental, no artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa;
9. Tendo em conta o que supra ficou dito foi concedido um perdão do remanescente da pena de prisão ao Arguido no âmbito do processo n.º 1326/12.6PBLSB. Este perdão, nos termos supra referidos do Código Penal é um perdão genérico e como tal extingue a pena bem como a responsabilidade criminal;
10. Concluindo, não estando em vigor o referido normativo (Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril), não há responsabilidade criminal e como tal não pode haver qualquer pena nem qualquer revogação do referido perdão genérico.
Nestes termos nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exa., deve o presente recurso ser aceite, e dado por provado e em consequência ser a douta decisão recorrida revogada.
*
A Digna Magistrada do Ministério Público veio responder apresentando as seguintes:
CONCLUSÕES
1. A decisão recorrida de 15-09-2022, proferida no apenso F, resolveu o perdão concedido a A, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, e determinou a execução do remanescente da pena ainda não cumprida à ordem do processo n.º 1326/12.6PBLSB, por verificação da condição resolutiva, concretamente o cometimento de um crime doloso no decurso do ano subsequente à sua concessão.
2. Tal decisão fundamentou-se no facto de o recorrente ter sido condenado no processo n.º 130/20.2SHLSB, por sentença transitada em julgado em 21-02-2022, pela prática, no ano subsequente à sua libertação, em 10-09-2020, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), ex vi artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos,
3. A situação do recorrente é de resolução de perdão que opera automática e obrigatoriamente por se ter verificado a condição resolutiva prevista na lei especial e da qual o recorrente foi advertido aquando da libertação, concretamente o cometimento de crime doloso no ano subsequente à concessão do perdão.
4. O recorrente invoca erro na aplicação no Direito, alegando que o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado a 21-02-2022, numa pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos com regime de prova, sendo que os factos que estão na base de tal condenação aconteceram em 10-09- 2021 e o Arguido tinha sido libertado através do referido perdão genérico no dia 14-04-2020, pelo que desde uma data à outra passou 1 ano, 4 meses e 27 dias, ou seja, caso estivesse em vigor a condição resolutiva, esta já tinha sido cumprida na sua totalidade, o que o Tribunal a quo não considerou.
5. Ora, desde logo, relativamente ao fundamento apresentado pelo recorrente ora apreço, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que o mesmo incorre em lapso manifesto.
6. Com efeito, decorre da factualidade dada como provada que, na sentença proferida no processo n.º 130/20.2SHLSB, o ora recorrente veio a ser condenado, pela prática, em 10-09-2020, e não em 10.09.2021, conforme é referido pelo recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
7. Por decisão de 13-04-2020, proferida no apenso A, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, foi perdoado o remanescente do somatório das penas que A cumpria, concretamente 1 ano e 28 dias de prisão, tendo a libertação ocorrido no dia 15-04-2020.
8. O perdão foi concedido sob a condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente, ou seja, até 15-04-2021, como determina o art.º 2.º n.º 7 da citada lei, da qual o ora recorrente foi advertido e ficou bem ciente.
9. Destarte, atento o supra exposto, infere-se que o recorrente cometeu o referido crime no período de vigência da condição, nomeadamente em 10.09.2020, ou seja, no período do ano subsequente ao perdão, não assistindo, assim, razão ao recorrente quando alega que os factos objecto da sentença proferida no processo n.º 130/20.2SHLSB foram praticados após o decurso da condição resolutiva.
10. Outra das questões a resolver reporta-se ao seguinte fundamento: a 16-09-2022, altura da decisão do incumprimento ora recorrida, “ (…) a Lei aplicada já não se aplicava em vigor, sendo que em Direito Penal vigora o Princípio da Legalidade, o da Proibição da Retroactividade em tudo o que opere “contra reum”, bem como (…) o princípio da lei mais favorável (…)”, concluindo o recorrente que, “(…) não estando em vigor a Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, não há responsabilidade criminal e como tal não pode haver pena nem qualquer revogação do referido perdão genérico (…)”.
11. A Lei 9/2020, de 10.4 estabelece um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no
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