Acórdão nº 2237/18.7T9LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-02

Ano2022
Número Acordão2237/18.7T9LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Inconformado com a decisão de não pronuncia proferida nos presentes autos veio recorrer para este Tribunal da Relação de Lisboa o Ministério Público formulando, após as competentes motivações recursais as seguintes conclusões:
“1. Foi proferida acusação contra os arguidos: PMPF________ , por três crimes de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo art.371°, n°1 do Código Penal por referência ao art. 86°, n°8 b) do Código de Processo Penal, um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.382º, por referência ao art. 386º, n°1 a) do Código Penal, um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, p. e p. pelo art. 360°, n°1 e 3 do Código Penal, CDRL________ , por três crimes de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo art.371º, n°1 do Código Penal por referência ao art.86º, n° 8 b) do Código de Processo Penal e aos art. 30° e 31°, n°1 da Lei da Imprensa (Lei n°2/99 de 13.01); HRSLM ________ , por um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo art. 371°, n°1 do Código Penal por referência ao art. 86°, n°8 b) do Código de Processo Penal e aos art. 30° e 31°, n°1 da Lei da Imprensa (Lei n°2/99 de 13.01).
2. O arguido PMPF ________ coordenou a 2ª secção da UNCC da PJ onde se investigaram os processos que ficaram conhecidos como E-TOUPEIRA e E-MAILS, cobertos por segredo de justiça. Neles interveio, assinando informações de serviço, despachos, propondo a realização de diligências, participando na preparação dessas diligências, articulando com o Ministério Público, com os inspectores titulares desses processos e com a Directora da UNCC, fornecendo os dados quanto aos meios necessários e envolvidos nas operações que neles foram realizadas, elementos que vieram a integrar, pelo menos, o comunicado da Polícia Judiciária publicado a propósito da operação E- TOUPEIRA, realizada em 6.3.2018.
3. O arguido PMPF ________ soube antecipadamente da operação que veio a chamar-se LEX, no âmbito de processo que corria na 1ª Secção da UNCC, designadamente uma semana antes, porque foi convocado pela sua Directora, da UNCC, para participar numa busca a realizar no âmbito daquele processo coberto por segredo, em cuja operação ia também ser feita busca ao Estádio do SLB, que importava articular com busca que se revelava necessária ao mesmo local no âmbito do processo dos E-MAILS, tanto que, logo no dia 25.1.2018, o arguido subscreveu uma informação que continha proposta de emissão de mandados de busca ao Estádio do SLB neste último processo.
4. Em momentos-chave dessas operações - nos dias 24, 27, 29, 30 de Janeiro de 2018 e 3,2.2018 (LEX e E-MAILS), e no dia 6.3.2018 (E-TOUPEIRA), o arguido PMPF ________ contactou com o arguido CDRL ________ o qual, em primeira mão, em directo, e de modo pormenorizado, fez e escreveu, publicando-as, logo no dia 30.1.2018 e depois em 1.2.2018 e 8.2.2018 (LEX e E-MAILS) e nos dias 6.3.2018 e 8.3.2018 (E- TOUPEIRA), peças jornalísticas que detalharam as operações, o objecto, os detidos, os buscados, o apreendido, o ocorrido nessas diligências, os meios de prova que as fundamentaram.
5. O arguido HRSLM ________ elaborou e fez publicar, às 8h51 do dia 6.3.2018, notícia cujo texto reproduz o teor de actos contidos no processo E-TOUPEIRA coberto por segredo de justiça - a saber da informação policial de proposta de buscas e detenções, dos despachos que ordenaram as detenções e as buscas, concretamente com identificação dos alvos e dos visados.
6. Num momento inicial da fase de inquérito deste processo, em que não estava identificado o suspeito do fornecimento da informação processual coberta por segredo de justiça aos jornalistas, o arguido PF ________ , enquanto coordenador de investigação criminal da secção onde corria pelo menos um dos processos, foi inquirido como testemunha e prestou juramento, com as devidas advertências legais. Instado a responder se, por ocasião da operação E-TOUPEIRA, houve contacto com algum jornalista e concretamente com alguns que foram nomeados, entre os quais CDRL ________ respondeu que não. Com o desenvolvimento da investigação foi recolhida prova que demonstrou que essa afirmação não era verdade.
7. Esta factualidade encontra-se descrita na acusação e suportada na prova reunida nos autos, em moldes que sustentam a sua suficiência indiciária, tal como exigida pelo art.283º, n°2 do Código de Processo Penal. As diligências instrutórias não infirmaram tal juízo probatório que subjaz à acusação, nos estritos moldes em que a mesma foi deduzida.
8. A prova reunida nos autos engloba a certidão das peças dos processos cobertos por segredo de justiça referentes às operações em causa, incluindo despachos que impuseram o segredo de justiça - promoções e despachos que ordenaram as buscas e detenções, mandados, autos de busca, relatórios policiais; as peças jornalísticas publicadas - publicações online e em edições escritas, vídeo e sua publicação; facturação detalhada e conteúdos de mensagens apagados e recuperados pericialmente; auto de inquirição de PMPF ________ como testemunha, em momento precoce da investigação, com juramento, legais advertências e declarações; inquirição, na qualidade de testemunha, de magistrados, polícias e peritos intervenientes nas buscas referidas na acusação, bem como de magistrados, polícias e funcionários que tiveram contacto com os respetivos processos em momento anterior às operações.
9. Nos autos foi possível aceder a conteúdos de conversas mantidas entre o arguido PMPF ________ e o arguido CDRL ________ como entre o primeiro e outros jornalistas, relativamente a período distinto daquele a que se reportam as notícias descritas na acusação.
O interesse probatório desses elementos suporta a prova indiciária de que:
i. os arguidos PMPF ________ e CDRL ________ para além de chamadas e SMS e de conversações do chat do Whatsapp, falavam amiúde através do telefone fixo da Polícia Judiciária (o “fixo da escravatura”) e que este era um meio privilegiado de contacto,
ii. o conteúdo das conversas entre esses arguidos teve sempre que ver com processos pendentes e aos quais o arguido PMPF ________ tinha acesso, por força das funções que exercia, e que o arguido CDRL ________ pretendia obter.
10. Neste contexto, é mais plausível que o teor dos dois SMS enviados pelo arguido PMPF ________ ao arguido CDRL ________ às 8h40, fossem a confirmar a concretização da operação do que fossem “smiles ou emojis” ou mesmo um mero “rechaçar contactos". O arguido CDRL ________ estava previamente avisado pelo arguido PMPF ________ e os SMS serviram, com toda a probabilidade, para confirmar que a operação estava em marcha. Neste contexto, a relevância da fita do tempo ganha robustez, mesmo não tendo os conteúdos, não sendo admissível, em nosso entender, a conclusão do Mm° Juiz de Instrução, várias vezes repetida, de que “neste caso foram apresentadas explicações circunstanciadas para as comunicações entre os arguidos”. Porque as explicações dos arguidos, no exercício do seu direito, variam entre negar, dizer não se recordar, não saber e afirmar que, sem conteúdos, não sabem dizer o que disseram.
11. A decisão instrutória, na apreciação do preenchimento dos elementos do tipo do crime de violação de segredo de justiça, incorre em equívocos de ordem jurídica, porquanto, ao invés do que entendeu o Mmº Juiz de Instrução, para o preenchimento do tipo, não é necessário que os agentes tenham tido acesso às peças do processo, este aspecto aplica-se, in casu, igualmente ao arguido PF ______, nem que as reproduzam no texto de divulgação. Basta que os agentes; (i) tenham tido e dado conhecimento de teor de acto de processo penal; (ii) coberto por segredo de justiça; (iii) e que o tenham feito ilegitimamente.
12. Incorre, ainda, a decisão em equívoco na apreciação dos factos e da prova, porquanto a determinação de uma busca ou a detenção de um determinado indivíduo encontram-se corporizados em actos do processo - relatório policial, sob a forma de proposta, despacho ou promoção do Ministério Público, despacho judicial e mandados, tal como a existência de escutas decorre dos despachos que as ordenam e validam. Porque não é só a ocorrência do acto processual que é noticiada (que no caso, e ainda mais grave, até foram noticiadas buscas que ainda não se tinham iniciado) - o que tanto se aplica à peça de HRSLM ________ como às de CDRL ________ é a identificação dos visados, dos alvos e o objecto do processo, os factos e os crimes investigados - o quem, o quê, quando, onde, como e porquê - que se extraem das peças dos processos, que são a informação contida e o teor dos actos processuais de inquéritos cobertos por segredo de justiça.
13. Uma busca que ainda não se realizou, uma detenção que está acontecendo, que emanam de uma ordem no processo, corporizada em despacho e mandado, não são “facto histórico", tal como foi entendido pelo Mm° Juiz de Instrução. Correspondem ao teor de actos processuais. In casu, a busca ao gabinete do assessor jurídico do SLB, no Estádio da Luz, ocorreu na sua presença, já depois de ser buscado em casa e detido, as buscas aos Tribunais de Fafe e de Guimarães e ao Estádio do SLB, iniciaram-se depois das 9h00, em momento em que os arguidos CDRL ________ e HRSLM ________ já tinham publicado as suas notícias, e que a busca à residência da juíza desembargadora RR______ iniciou-se também depois de estar noticiada a operação, tudo nos moldes mais bem descritos na acusação.
14. A informação que circulava no espaço público, decorrente da divulgação no blogue da informação de serviço que deu origem ao processo E-TOUPEIRA, apontava para o programa informático CITIUS e para que o tipo de informação estaria ao alcance de funcionários a exercer funções no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Não apontava para técnico do
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