Acórdão nº 2225/21.6T8MTS-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-05-2022

Data de Julgamento04 Maio 2022
Número Acordão2225/21.6T8MTS-A.P1
Ano2022
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 2225/21.6T8MTS-A.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos presentes autos de ação declarativa, com processo comum, que AA e BB instauraram contra CC e DD e EE e FF, vieram os Autores deduzir incidente de despejo imediato contra os Réus.

A seu tempo, foi proferido o seguinte despacho:

(…) Os Réus foram notificados para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poder ser deferido o seu despejo imediato.
Os Réus não procederam ao pagamento, nem ao depósito das rendas vencidas na pendência da presente ação, nem apresentaram contestação ao incidente. Cumpre decidir:
Os Autoras sustentam a presente ação num contrato de arrendamento que celebraram com os Réus, no qual os Réus CC e BB e DD intervieram como arrendatários e os Réus EE e FF como fiadores e principais pagadores e peticionam a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e a condenação destes no pagamento de rendas e indemnização pela mora.
Dispõe o art. 14º, nº 3, do NRAU – D.L. nº 6/2006, de 27/02 -, que na pendência da ação de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositada nos termos gerais.
Por seu turno, no nºs 4 e 5 da mesma disposição legal prevê-se que se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos e que, caso o não faça, pode o senhorio requerer o despejo imediato.
Os Autores deduziram incidente de despejo imediato, alegando que os réus não procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação.
Os Réus, apesar de notificados para procederem ao pagamento ou depósito das referidas rendas, nada disseram, nem juntou aos autos documentos comprovativos do pagamento ou depósito.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 5, do citado diploma legal, decreto o despejo imediato do locado identificado na petição inicial, ou seja, do imóvel sito na Rua ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob o art... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o nº ....
DESTE DESPACHO APELARAM OS RR QUE LAVRARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
2º - - A defesa da R. em sede de contestação da ação principal obsta ao deferimento do incidente de despejo imediato;
(…)

5º - Contudo, tendo em conta a redação do nº 5, do art. 14º, do NRAU (introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto) – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” – conclui-se que, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação não implica a procedência automática do incidente de despejo imediato (cfr. Maria Olinda Garcia, cit., pág. 194). 6º - Nesse sentido, há que dar relevância ao teor da contestação apresentada pela R..
7º - Com efeito, desde novembro de 2021, até hoje, que os RR se encontram a pagar as rendas, na proporção de uma renda e meia por mês, por forma a ir abatendo o atrasado.
8º - Ora, tal situação, carece naturalmente de ser provada.

9º - Motivo pelo qual não deveria ter sido deferido o Incidente de Despejo imediato, antes de ser dada a possibilidade à R. de fazer a prova.
(…)

12º - A este propósito ver Ac TC 327/2018 de 27 de Junho.

13º - É inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º da Constituição, a interpretação do art. 14º, nº 4, do NRAU, no sentido de, no incidente de despejo imediato, apenas ser admitida como defesa a alegação e prova de pagamento ou depósito das rendas em mora.
(…) Além disso, para que sejam pagas ou depositadas as rendas e outros montantes que a elas estejam associadas, é necessário que elas sejam, realmente, devidas e, consequentemente, existentes e exigíveis.
16º - Deve assim julgar-se inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 14.º n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia se as rendas são ou não devidas se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida.
17º - O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art. art. 14º n.º 4 e 5 da NRAU e, artºs 2º, 9º, 13º, 18º e 20º da CRP.
RESPONDERAM OS AUTORES A SUSTENTAR A IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO. Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância, as questões colocadas são as de saber se:
1.Foi proferida decisão de despejo sem ter sido dada possibilidade aos recorrentes de fazer prova de que procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação;
2. Se o tribunal recorrido procedeu a uma restrição inadmissível do direito à prova e como tal violadora do disposto o artigo 20º da CRP.

O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

I NO QUE À PRIMEIRA QUESTÃO IMPORTA:

Flui dos autos e do despacho recorrido que os RR, ora recorrentes, foram notificados do requerimento de incidente de despejo imediato para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poderá ser deferido o seu despejo imediato art. 14º, 4 e 5, do NRAU”.
Não obstante, os RR nada fizeram ou disseram.

Ora, parece-nos evidente, em face da letra do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5, que: se não forem pagos ou depositados os valores em dívida, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5- Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.”
Caberia, consequentemente, aos RR contestar a matéria incidental, apresentando prova do pagamento das rendas vencidas.

Os RR não deduziram oposição, pelo que se verificou a cominação consagrada no artigo 574º nº 2, ex vi, artigo 293º, nº 3, ambos do CPC, do que decorre que os factos do requerimento incidental estão admitidos por acordo.
Estamos no âmbito da autorresponsabilidade das partes que está intimamente relacionado com os ónus e cominações. Com efeito, as partes têm uma responsabilidade para consigo mesmas que implica a necessidade de agirem de determinada forma para atingirem um resultado, “que tanto pode consistir na não produção duma desvantagem como na produção de uma utilidade ou de uma vantagem para o titular” (…) Consideramos no nosso direito o caso da contestação (…) o réu tem o ónus de contestar (…) a inobservância deste ónus dá lugar a preclusões (…) Lebre de Freitas Introdução ao Processo Civil- Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª edição Gestlegal p. 183.
Acresce que os RR não podem invocar um “direito à prova” que não pretenderam exercer, tempestivamente.
Nem se pode falar em despejo automático, uma vez que lhes foi concedida a faculdade de demonstrarem o facto impeditivo.
Não se trata aqui de privação de qualquer direito. O que se trata é do não exercício pelos RR do direito que lhes competia e da correspondente sanção processual, a qual é cominatória –artigo 14º, nº 5, citado, conjugado com o disposto nos artigos 15º e ss. da Lei 6/2006, redação da Lei 31/2012 e artigos 574, nº 2 e 293º, nº 3, do CPC.

II QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO: INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20º DA CRP:
O tribunal constitucional tem-se pronunciado pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, que não corresponda ao “sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa. (ver, Decisão Sumária n.º 101/2010, na qual se aplicou a jurisprudência do Acórdão n.º 673/2005 decidindo pela inconstitucionalidade da norma na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente p
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