Acórdão nº 2209/22.7T8PDL.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão2209/22.7T8PDL.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Recorrente:
Autora: GS, S.A, pessoa coletiva nº xxx, com sede em Lisboa
Recorridos:
Réus: SB e MC, residentes nos Açores
A autora recorrente instaurou ação de condenação sob a forma comum de declaração peticionando a condenação de cada um réus no pagamento, solidariamente, da quantia de 26 419,73€ (vinte e seis mil quatrocentos e dezanove euros e setenta e três cêntimos), o que traduz o valor total de 52 839,46€ (cinquenta e dois mil oitocentos e trinta e nove mil euros e quarenta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da interpelação a 15/03/2022.
Para fundamentar o pedido a autora alegou que por sentença judicial de 22/09/2022 – proferida no âmbito de um processo crime cujos factos decorriam de um acidente de viação, sendo a autora demandada cível em virtude de ser a seguradora do veículo conduzido pelo arguido -, foi condenada a pagar aos réus a quantia de 52.500,00€, acrescida de juros de mora. A autora não recorreu da decisão e fez o pagamento de tal quantia, apesar de a decisão ter sido objeto de recurso por parte do arguido. Na sequência do recurso do arguido, a decisão da 1ª instância foi revogada pelo Tribunal da Relação, que absolveu o arguido do crime pelo qual vinha acusado e tinha sido condenado, absolvendo também a demandada cível, aqui autora. Tal decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em face deste desfecho da ação em sede recursiva, a autora entende que a quantia que pagou aos autores lhe deve ser restituída.
Os réus contestaram, pugnando pela improcedência do pedido. SB alegou que a autora procedeu ao pagamento da indemnização sem acautelar o trânsito em julgado da decisão, bem sabendo que a Ré é uma pessoa de fraca escolaridade e que não tinha consciência dos trâmites do processo. MC alegou que a autora efetuou o pagamento na sequência de um acordo celebrado com os réus segundo o qual aquela efetuaria o pagamento da quantia determinada na sentença e os réus renunciariam ao recurso da decisão do Tribunal, o que efetivamente aconteceu.
Realizou-se a audiência prévia na qual proferido despacho saneador tabelar a julgar verificados os pressupostos processuais. Mais foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência final.
*
Foi proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte:
Nestes termos, julgo a ação improcedente por não provada, e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos contra si formulados”.
*
Inconformada com o decidido, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
QUANTO À REVISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
1- Entendemos que, para resolução do presente pleito torna-se necessário, aditar ao facto n. 9, a data em foi lida e depositada a sentença proferida no processo termos correram no Tribunal da Comarca da Ribeira Grande sob o n. 159/18.0 PGRGR.
2- Ainda e no que concerne à matéria assente descrita em 12 e 13 dos factos provados, a mesma deve ser alterada e complementada com a prova junta aos autos:
3- Na verdade, os RR assinaram os recibos juntos com a PI como docs 6 e 7 nos quais se encontra declarada a razão do pagamento daquelas quantias, e passamos a citar: “O titular aceita receber a quantia indicada como indemnização fixada na decisão judicial (…)”
4- Pelo que, fazendo fé nestes documentos assinados pelos RR que não foram impugnadas e foram aceites pelos mesmos, o número 12 e 13 dos factos provados deverá sofrer alteração e passar a ter a seguinte redação:
“12. Em consequência da sentença proferida e descrita em 9, a 30/11/2020 a Autora procedeu à transferência bancária de 26 419,73€ para o Réu MC.
13.Em consequência da sentença proferida em 9., a 31/12/2020 a Autora procedeu à transferência de 26 419,73€ para a Ré SB.”
5- Com esta alteração a matéria provada ficará de acordo com a prova documentada junta aos autos e consequentemente de acordo com o direito, devendo o tribunal ”ad quem“ proceder a esta alteração nos termos do disposto no Art. 662 do C. Processo Civil.
QUANTO AO DIREITO:
6. Ainda, entende a douta sentença que os RR não devem repetir o indevido e devolver os montantes recebidos por estarmos perante uma obrigação natural.
7. Ora, parece-nos ser esta uma interpretação errónea na medida em que tal obrigação pressuporia que a obrigação cumprida não fosse judicialmente exigível, e sabemos que era.
Senão vejamos,
8. A X/Y/2018, pelas 19h45m, ocorreu um acidente de viação entre um veículo ligeiro de passageiros e um ciclomotor no Caminho da Furna, Pico da Pedra, Ribeira Grande.
9. Do embate dos dois veículos resultou a morte de DC que era filho dos RR, SB e de MC, os quais constituíram-se assistentes e deduziram pedido cível no processo comum singular já referido. A responsabilidade pelos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo conduzido por AD (viatura com a matrícula 00-00-XX) estava, à data do evento, transferida para a recorrente, seguradora, por força do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel
10. Quanto ao pedido de indemnização civil formulado por SB e MC (aqui RR), o Tribunal julgou-o parcialmente procedente, condenando a seguradora (aqui A.) ao pagamento:
i.da quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a SB e MC, na qualidade de herdeiros da vítima DC, pela lesão do direito à vida de DC;
ii.da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, SB e MC, pelo desgosto que cada um sofreu pela morte de DC;
“tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da prolação da presente decisão até efetivo e integral pagamento.”
11. Inconformado com a decisão, a 27/10/2020, AD interpôs recurso da sentença proferida
12. Em consequência da sentença a 30/11/2020 a A. procedeu à transferência bancária dos valores devidos ao R. MC, e a 31/12/2020 a A. procedeu à transferência bancária dos valores devidos à R. SB, (conforme consta dos recibos juntos aos autos)
13. A 19/05/2021 o Tribunal da Relação de Lisboa (3ª Secção) concedeu provimento o recurso interposto pelo arguido, revogando a decisão proferida em 1º Instância no âmbito do processo nº 159/18.0PCRGR que correu os seus termos no Juízo Local Criminal da Ribeira Grande do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, absolvendo o ali recorrente, AD, do crime por negligencia pelo qual foi condenado e, consequentemente, absolvendo a demandada cível (ora A.), da condenação no pedido de indemnização cível.
14. Inconformados com a decisão proferida em 2ª instância, SB e MC interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e tendo o Supremo Tribunal de Justiça concluído (vide doc. 11):
«Nos termos do artigo 402º, nº2, alínea b) do Código de Processo Penal – “Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto: Pelo arguido, aproveita o responsável cível;” Assim, a absolvição do réu (segurado) implica, necessariamente, que a seguradora não tenha nenhuma responsabilidade e, consequentemente, nada a pagar aos demandantes.»
15. Conforme o provado nos artigos 473º e 474º do CC decorre, em termos gerais, que a obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa exige a verificação da existência de um enriquecimento que, carecendo de causa justificativa, tenha sido obtido à custa de outrem, não sendo a este último facultado outro meio de reação.
16. É o caso dos presentes autos.
17. Deste regime inferem-se, os seguintes requisitos cumulativos para a verificação de uma situação de enriquecimento sem causa:
i.O enriquecimento, que consistirá numa vantagem de caráter patrimonial, nas suas múltiplas vertentes;
ii.Que esse enriquecimento careça de causa justificativa. Dito por outras palavras, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando à luz das regras ou dos princípios aceites no sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime esse enriquecimento, quer porque essa relação ou facto que legitima o enriquecimento (a causa) nunca existiu, ou porque, tendo-a num primeiro momento, a veio a perder;
iii.Que o mesmo seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição. No fundo, a ideia que a vantagem patrimonial que advém ao “enriquecido” deverá corresponder ao valor que saiu do património do “empobrecido”.
iv.Não exista outro meio jurídico para que o Autor possa obter o respetivo ressarcimento (em razão da subsidiariedade do instituto, artigo 474º do Código Civil)
18. Estatui o artigo 473º do Código Civil que: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”
19. Do nº 2 do mesmo artigo resulta que a “obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”
In casu,
20. A A. pagou aos RR., a título de indemnização cível, um total de 52 839,46€ (€26.419,73 a cada um).
21. O que, cumulativamente, se traduziu num incremento/enriquecimento patrimonial para os RR. e numa diminuição/empobrecimento do património da Recorrente.
22. A obrigação do pagamento, da Recorrente a os RR decorria de uma condenação proferida em 1ª Instância, no âmbito proc.159/18.OPCRGR.
23. No âmbito desse referido processo, em sede de recurso, concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa pela inexistência de qualquer obrigação de pagamento pela Recorrente aos RR., absolvendo-a do pedido de indemnização cível.
24. A absolvição da Recorrente no pedido de indemnização cível foi confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que especificou:
“A razão subjacente à condenação da demandada cível deixou de existir, tendo em conta a decisão da Relação de Lisboa. Ao deixarem de existir os pressupostos que estão na base da
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