Acórdão nº 2161/21.6T9VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-28

Ano2024
Número Acordão2161/21.6T9VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 2161/21.6T9VFR.P1

Sumário (da responsabilidade do relator):

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Relator: William Themudo Gilman

1ª Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

2º Adjunto: Francisco Mota Ribeiro


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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1-RELATÓRIO

No Processo sumário n.º 2161/21.6T9VFR.P1 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1, foi proferida sentença que condenou o arguido AA pela prática como autor material, de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º Código Penal por referência ao artigo 69º do Código Penal na pena de oito meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano e dois meses, sujeita a regime de prova, com vista à interiorização do desvalor da conduta e ao desenvolvimento de estratégias de prevenção da prática de factos similares àqueles pelos quais vai condenado e sujeita aos deveres e regras de conduta previstos no nº3 do art. 54º CP, a saber: c.1)Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; c.2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c.3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; c.4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.


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Não se conformando com esta sentença, o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):

«CONCLUSÕES

1) Circunscreve-se o objeto do presente recurso à matéria de direito da sentença que condenou o arguido pela prática como autor material, de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º Código Penal por referência ao art.º 69º do Código Penal na pena de 8 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 2 meses;

2) O Tribunal “a quo” incorreu num erro de julgamento na decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido;

3) O arguido já sofreu 11 condenações (com a deste processo 12) pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (9) e de violação de proibições (1);

4) Nenhuma das anteriores condenações – designadamente, as cinco condenações em penas suspensas e as quatro em prisão (por dias livres, RPH ou efetiva) – constituiu suficiente estímulo para que o arguido não voltasse a praticar factos típicos, manifestando uma total indiferença perante os valores tutelados pelas normas penais e pela ameaça das respetivas sanções e, portanto, evidenciando incapacidade para entender a oportunidade que a suspensão da execução da pena significa;

5) Em pleno decurso do período de suspensão de execução da pena que resultou do cúmulo jurídico de penas efetuado no processo n.º 379/19.0GAVFR (que tinha englobado duas penas de prisão suspensas na sua execução) o arguido voltou a incorrer na prática de crimes;

6) A sentença cumulatória do processo n.º 379/19.0GAVFR transitou em julgado no dia 06/05/2021 e menos de 1 mês depois (no dia 01/06/2021) o arguido voltou a incorrer na prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (processo n.º 269/21.7GAVFR) e de violação de proibições (deste processo);

7) No passado duas das penas de prisão suspensas (nos processos n.ºs 11/12.3PAESP e 106/12.3PAESP) aplicadas ao arguido foram revogadas;

8) O arguido já tinha sido condenado anteriormente pela prática do crime de violação de proibições no processo n.º 618/12.9PAESP pelo qual foi condenado numa pena de 4 meses e 15 dias de prisão por dias livres;

9) Embora sendo de diferente natureza face à maioria das condenações que o arguido sofreu (por condução de veículo em estado de embriaguez), no caso concreto, o crime de violação de proibições está intrinsecamente relacionado com a prática dos crimes rodoviários pelos quais o arguido foi condenado;

10)O argumento de que o arguido “está familiar e profissionalmente inserido” tem um valor relativo, pois se assim o é no presente e foi no passado (visto trabalhar há vários anos), tais factos deveriam ter constituído um fator suficientemente dissuasor para que ele, após os múltiplos contatos que teve com o sistema judicial, não voltasse a incorrer na prática de crimes, o que não aconteceu;

11)O arguido tem uma “instabilidade pautada pela dependência de ingestão de bebidas alcoólicas” e “admitiu parcialmente os factos”, circunstâncias quenão favorecem igualmente a formulação de um juízo de prognose favorável;

12)Daí que sejam elevadas as necessidades de prevenção especial;

13)Por outro lado, as necessidades de prevenção geral são também acentuadas pois o crime de violação de proibições que atenta contra a chamada autonomia intencional do Estado, protegendo a não frustração de sanções impostas por sentença judicial aplicadas, designadamente, a título de pena acessória, vem sendo cometido de forma cada vez mais frequente na sociedade;

14)A comunidade num caso de, numa situação destas (após 11 condenações, duas em cúmulo jurídico superveniente de penas), não compreenderia que fosse aplicada novamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, porque a repetição dessa pena colocaria em causa a manutenção e o reforço da confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal;

15)Por tudo o exposto, não se vê como possa ser formulado um juízo de prognose favorável, pressuposto material da aplicação do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal e, em consequência, deverá ser aplicada uma pena de prisão efetiva;

16)Não obstante, deverá a pena de 8 meses de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação com a permissão de ausências por razões de saúde e conexas, devidamente comprovadas, assim como para o exercício da sua atividade laboral (cf. ponto 8 da matéria de facto provada), sendo tais saídas controladas através dos mecanismos de fiscalização eletrónica;

17)De facto, o arguido exerce uma atividade profissional e atualmente está a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no processo n.º 269/21.7GAVFR;

18)Ao decidir aplicar uma pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 2 meses, o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 40.º, n.º 1, 50.º, n.ºs 1 e 2 e 70.º todos do Código Penal.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida e o arguido ser condenado numa pena de 8 meses de prisão efetiva a cumprir em regime de permanência na habitação. V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão, JUSTIÇA »


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O arguido, nas suas alegações de resposta, apresentou as seguintes conclusões:

«1.ª É materialmente inconstitucional o artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa;

2.ª Atenta a inconstitucionalidade parcial quantitativa, do segmento de norma “30 anos”, salvando-se a restante norma, deverá ser declarado extinto o procedimento criminal, relativo ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por amnistia, pelo qual o Arguido veio a ser condenado, nos termos do disposto no artigo 4.º da Lei 38-A/2023, de 2/8;

3.ª Não é verdade que o Arguido se mostre, conforme resulta da conclusão 17 do recurso, «atualmente a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no processo 269/21.7GAVFR», uma vez que a mesma já se mostra extinta desde 10/05/2022;

4.ª A pena aplicada ao Arguido não merece reparo ou censura, tendo sido devidamente ponderada e mostra-se proporcional, adequada, justa e indicada;

5.ª Nenhum princípio fundamental ou regra processual penal foi violada pela sentença recorrida;

6.ª Deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a Douta Decisão recorrida nos seus precisos termos.

FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA! »


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Nesta instância o Ministério Público apôs visto.

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Ainda nesta instância, após exame prévio do processo pelo Juiz relator, foi determinado se notificasse o arguido para em 5 dias vir aos autos expressamente dizer se dá o seu consentimento para (na eventualidade de vir a ser procedente o recurso do Ministério Público) o cumprimento da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.

O arguido veio dar o seu consentimento para o cumprimento da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.


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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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2-FUNDAMENTAÇÃO

2.1-QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a pena de prisão aplicada deve ser efetiva e, nesse caso, a sua execução ser levada a cabo em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPHVE).

Entretanto, o arguido na resposta ao recurso veio colocar a aplicação da inconstitucionalidade do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser declarado extinto o procedimento criminal, relativo ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por amnistia, pelo qual o Arguido veio a ser condenado, nos termos do disposto no artigo 4.º da Lei 38-A/2023, de 2/8.

A extinção do...

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