Acórdão nº 2130/22.9T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-07

Ano2024
Número Acordão2130/22.9T8LLE.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Apelação n.º 2130/22.9T8LLE.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Loulé - Juiz 1
Apelantes: (…), (…) e (…)
Apelada: (…)
***
Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
***
Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
(…), residente no Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia de (…), instaurou a presente ação declarativa constitutiva, com processo comum, contra (…), residente na Praceta (…), n.º 4, 2.º andar, porta B, em Faro, (…) e esposa, (…), ambos residentes Praça da (…), n.º 56, 1.º andar, Loulé, pedindo que:
- seja determinado que os réus não adquiriram a propriedade do prédio sito na Rua (…), n.º 86, em Loulé, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na CPP de Loulé, sob o artigo (…), da freguesia de Loulé (…), porque a escritura é ineficaz para o efeito pretendido com a mesma, uma vez que não existem os factos constitutivos do direito arrogado com tal escritura.
- Seja determinado o cancelamento do registo predial do mesmo prédio, eliminando a Ap. (…), de 08/09/2021 a favor dos 1.º e 2.º réus, uma vez que a ineficácia da escritura a torna inapta a produzir qualquer efeito.
Para o efeito alegou, em síntese, que em 02/07/2021, os Réus outorgaram escritura de justificação no Cartório Notarial em Vilamoura, através do notário (…) tendo prestado declarações que não correspondem à realidade material e que vieram permitir o registo do prédio melhor identificado nos autos a seu favor.
Citados os Réus os mesmos alegaram que em 1996 o referido prédio lhes foi doado verbalmente por (…) e que, desde esse momento, sempre exerceram poder de facto sobre o imóvel.
Ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, foi dispensada a realização da audiência prévia e, em cumprimento do prazo constante do artigo 593.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, foi fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, identificou-se o objeto de litígio, enunciaram-se os temas da prova, foram admitidos os requerimentos probatórios e agendou-se a audiência final.
Foi realizada a audiência final a que se seguiu a prolação de sentença, que contem o seguinte dispositivo:
“VII - DECISÃO
Nestes termos, pelo exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, julgo a ação procedente, por provada e, em consequência:
a) Declaro impugnados os factos justificados na escritura pública de justificação outorgada no Cartório Notarial em Vilamoura, através do notário (…), datada de 02/07/2021, por não terem os justificantes, aqui réus, (…), (…) e (…), possuído, sem oposição de ninguém, o prédio urbano sito na Rua Dr. (…), n.º 86, freguesia de (…), Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), daquela freguesia e inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), melhor identificado nos autos, na plena convicção de que o faziam em nome próprio e sem lesar o direito de ninguém, de forma ostensiva, pública, pacífica e contínua.
b) Declaro ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial (identificada na alínea a), por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado.
c) Ordeno o cancelamento de quaisquer registos operados com base na referida escritura.
Custas pelos réus.
Notifique e registe.
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Em momento prévio ao trânsito em julgado, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial, determina-se a comunicação da instauração da presente ação à competente Conservatória do Registo Predial (por lapso, tal ainda não foi feito).
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De forma a evitar uma decisão surpresa, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, notifique os réus para, no prazo de 10 dias, virem pronunciar-se sobre uma eventual condenação como litigantes de má-fé.
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Após o término do prazo, oportunamente conclua.
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Após trânsito em julgado:
- Comunique a presente decisão ao Cartório Notarial no qual foi lavrada a referida escritura de justificação notarial, por via eletrónica (nos termos do artigo 131.º, n.º 1, alínea d) e artigo 202.º, alínea c), do Código do Notariado).
- Comunique ainda a presente decisão ao registo predial de Loulé e ao Serviço de Finanças de Loulé.
- Extraia certidão da presente sentença, da escritura de justificação notarial impugnada, anexa à petição inicial e remeta aos serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes, desde já se deferindo, caso venha a ser solicitado, a consulta ou envio de certidão de quaisquer elementos dos presentes autos.”
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Os Réus pronunciaram-se sobre a eventual condenação como litigantes de má-fé rematando a sua peça processual do seguinte modo:
“Nestes termos e nos demais de Direito deverá ser considerado que os RR não litigaram de Má Fé e serem absolvidos da condenação como litigantes de Má Fé.”
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De seguida o Tribunal a quo proferiu decisão com o seguinte teor:
“DECISÃO
Incidente de Litigação de Má-Fé
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I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 28/04/2023, foi a ação julgada procedente, por provada e, em consequência foram declarados impugnados os factos justificados na escritura pública de justificação outorgada no Cartório Notarial em Vilamoura, através do notário (…), datada de 02/07/2021, por não terem os justificantes, aqui réus, (…), (…) e (…), possuído, sem oposição de ninguém, o prédio urbano sito na Rua Dr. (…), n.º 86, freguesia de (…), Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), daquela freguesia e inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), melhor identificado nos autos, na plena convicção de que o faziam em nome próprio e sem lesar o direito de ninguém, de forma ostensiva, pública, pacífica e contínua; foi declarada ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado; foi ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base na referida escritura.
Foram ainda os réus notificados para virem pronunciar-se sobre uma eventual condenação como litigantes de má-fé.
Os réus vieram exercer o contraditório, entendendo que não agiram de má-fé.
Cumpre apreciar e decidir já que a isso nada obsta.
II – DOS FACTOS
Os constantes do relatório e da sentença proferida em 28/04/2023, para a qual remetemos, apenas será agora decidido o presente incidente de forma a permitir o cabal cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil – que impede que o tribunal profira decisão surpresa sem o exercício do contraditório pela parte visada.
III – DA CONDENAÇÃO DOS RÉUS COMO LITIGANTES DE MÁ-FÉ
Em face dos factos dados como provados e não provados na sentença proferida nos presentes autos, o tribunal entendeu oficiosamente suscitar o presente incidente.
Dispõe o artigo 542.º do Código de Processo Civil que será condenada em multa a parte que tiver litigado de má-fé, entendendo-se que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer; alterar a verdade dos factos ou ocultar factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação (conforme artigo 8.º do mesmo diploma) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Assim, a litigância de má-fé traduz-se na violação do dever de probidade que uma leitura conjugada dos referidos do Código do Processo Civil, impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.
A litigância de má-fé consiste, assim, numa utilização abusiva do processo, cujos traços fundamentais são definidos no artigo 542.º do Código do Processo Civil onde se estipulam quatro situações que a integram: (i) dedução de pretensão/oposição, cuja falta de fundamento a parte não ignore; (ii) ter a parte, conscientemente, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (iii) prática de omissão grave do dever de cooperação; (iv) e, uso do processo ou dos meios que este lhe coloca à disposição, de forma manifestamente reprovável, de modo a conseguir um objetivo ilegal, entorpecer a ação da justiça, impedir a descoberta da verdade, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Só se pode condenar como litigante de má-fé a parte que conscientemente alterou a verdade dos factos, nomeadamente, fazendo um pedido a que sabe não ter direito ou que contradiga uma obrigação que deve cumprir.
Para a condenação das partes como litigantes de má-fé seria necessária a comprovação de que as mesmas não acreditam na possibilidade de vencimento das teses que defendem nos autos e que adotem um comportamento processualmente reprovável, isto é, exige-se mais que uma simples lide imprudente, ousada, ou uma conduta meramente culposa. Uma interpretação distinta levaria a uma restrição incomportável dos direitos, constitucionalmente consagrados, de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 09B0681, de 25 de Maio de 2009, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues refere-se “a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando a «mala fides» sempre que a versão oposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha
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