Acórdão nº 2110/22.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-09-28

Ano2023
Número Acordão2110/22.4T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Maria da Conceição Bucho
2º Adjunto: José Manuel Flores
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AA, melhor identificado nos autos, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra “F... S.A.”, também melhor identificada nos autos, pedindo a condenação da ré no pagamento do valor de € 87.280,00, acrescido de juros em dobro da taxa legal, ou, subsidiariamente, à taxa legal.
Para tanto alegou, em suma, que no dia 26 de Abril de 2017, cerca das 15.30 horas, ocorreu um acidente de viação, no qual interveio um veículo ligeiro de passageiros seguro na ré, e o velocípede por si tripulado.
Imputou a culpa do sinistro ao condutor do veículo seguro na ré, e alegou que lhe advieram danos no valor que peticiona, sendo que a ré lhe apresentou uma proposta de ressarcimento, apenas em 08.02.2018, e pelo valor de € 7.044,66, razão pela qual são devidos juros no dobro da taxa legal, na parte referente à diferença entre aquela proposta (irrazoável) apresentada no referido dia 08.02.2018, a partir dessa data. Se assim se não entender, os juros deverão calcular-se à taxa legal, contados desde a citação.
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A ré contestou, aceitando a existência do acidente e do seguro, assim como a responsabilidade pelo sinistro, mas impugnando os danos verificados.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida, a final, a seguinte decisão:

“…Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando a ré “F..., S.A.” a pagar ao autor AA:
1) A quantia de € 53.614,00 (…), acrescida de juros calculados:
a. à taxa legal, sobre o montante de € 7.280,00 (…), desde a citação da ré até efectivo e integral pagamento;
b. à taxa legal, sobre o montante de € 46.334,00 (…), desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
2) A quantia de € 20.311,45 correspondente à sanção resultante da aplicação de uma taxa de juro em dobro ao montante de € 49.110,23 (…), calculada no período compreendido entre 8 de Fevereiro de 2018 e a data da prolação da presente sentença (10 de Abril de 2023).
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento (art. 527º do Código de Processo Civil)”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“I. Para dar como provados os factos constantes dos pontos 32), 33) e 34) da sentença proferida, o tribunal a quo baseou-se apenas nas declarações de parte do Autor e nos depoimentos das testemunhas BB e CC, respectivamente esposa e amigo do Autor e no documento nº ...3 junto com a petição inicial.
II. Tais elementos probatórios, pela sua fragilidade, e porque não corroborados por qualquer entidade competente ou documento emitido pela mesma, não são suficientes para prova dos factos em causa, em especial com a especificidade com que o foram.
III. Por outro lado, mesmo que se considere a perda de antiguidade e a descida na ordem da lista de antiguidades, tal não implica, sem mais, a espera para a promoção nem, muito menos, a perda de rendimento, pois que a antiguidade é apenas um dos factores relevantes para a promoção, não sendo o único nem operando a mesma de forma automática, mas mediante concurso
IV. Sendo que, de todo o modo, não consta provado nos autos o rendimento efectivamente auferido pelo Autor, face ao que se tornará desde logo impossível aferir de eventual perda de rendimento. E, de resto, fazendo fé no doc. nº ...3 junto com a petição inicial, resulta do mesmo que o vencimento de um agente principal pode atingir os mesmos € 1.476,49 que corresponderão ao cargo de agente coordenador. Assim sendo, não ocorrerá qualquer acréscimo salarial em virtude da subida de categoria.
V. O tribunal recorrido, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 32), 33) e 34) da sentença recorrida foi muito mais além da prova produzida e do que a lei lhe permite, em clara violação do ónus da prova, do disposto no artigo 342º do Código Civil e dos princípios do inquisitório (artigo 411º CPC) e da aquisição processual (artigo 413º CPC), razão pela qual a resposta aos mesmos deverá ser alterada, passando aqueles a serem considerados como não provados.
VI. Por ter sido alegado, aceite pela recorrente, resultar da perícia médico legal realizada nos autos e ser relevante para a decisão da causa, deverá ser acrescentado ao elenco de factos provados o seguinte: A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente em causa nos autos é fixável em 27.11.2017.
VII. Dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 32) a 34) da sentença recorrida, e mesmo que assim não se considere, ainda assim a condenação da ré no pagamento do montante de € 7.280,00 a título de perda de rendimentos por atraso na promoção a agente coordenador, não poderá ocorrer, muito menos nos termos em que foi preconizada pelo tribunal recorrido.
VIII. Isto porque, qualquer promoção do Autor ao posto de agente coordenador mais não é do que uma expectativa, que o tribunal a quo deu (erradamente, dizemos nós), como certa. Mas que não o é, estando, inclusivamente, dependente de outros factores/requisitos que se desconhece se, na prática, se encontravam ou não preenchidos.
IX. A promoção a agente coordenador depende também, mas não só, da antiguidade. Sendo usados como parâmetros de avaliação, simultaneamente, o desempenho e o registo disciplinar – cfr. artigo 75º do DL 243/2015 de 19 de outubro. E o acesso ao próprio procedimento está sujeito a condições cumulativas expressamente previstas no artigo 91º do mesmo diploma legal: a) Ter, pelo menos, o tempo mínimo de 14 anos de serviço efetivo na categoria de agente principal; b) Estar na classe de comportamento exemplar ou na 1.ª classe de comportamento. Que se ignora se o Autor cumpria ou não pois que não provado ou sequer alegado.
X. Não tendo resultado também provado nos autos qualquer perda salarial mesmo no caso de se considerar o atraso no acesso ao procedimento concursal.
XI. Mal esteve, pois, o tribunal recorrido ao considerar este dano como um dano provado e efectivo, em clara violação do ónus da prova e dos mais elementares princípios indemnizatórios e do nexo causal (artigos 342º e 562º e seguintes do CC), condenando a ré no ressarcimento do Autor quanto a ele, o que tudo deverá aqui ser corrigido, absolvendo-se a recorrente desta parte do pedido.
XII. Mesmo que assim não se considere e se decida pela existência do dano em causa, ainda assim, o montante indemnizatório não poderá ser calculado nos termos em que o foi, devendo ser necessariamente utilizado para efeitos de cálculo o rendimento líquido (e não o bruto) e sujeito o mesmo a redução face ao pagamento desta quantia de uma só vez e de forma antecipatória, tudo para montante não superior a € 4.400,00.
XIII. A condenação da ré no pagamento de juros em dobro carece de qualquer fundamento, sendo mesmo contrária quer à letra da lei quer ao espírito do legislador ao elaborar a mesma.
XIV. Resultou provado nos autos que “A ré declarou aceitar a responsabilidade do sinistro e apresentou uma proposta indemnizatória ao autor, em 08.02.2018, para ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, no valor global de € 7.044,66, decomposto nos seguintes itens: € 3.503,77 a título de dano biológico por consideração de um défice permanente de 5 pontos; € 1.000,00 a título de dano não patrimonial, por referência ao internamento de 24 dias e às dores sentidas, consideradas de grau 4; € 2.354,39 de perdas salariais e € 186,50 de despesas médicas e transportes.”
XV. O que é exigido e imposto à entidade seguradora é que apresente ao lesado uma proposta “nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.” – nº 3 do artigo 39º do DL 291/2007, de 21 de agosto.
XVI. Nos termos do nº 5 do mesmo artigo “5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspectiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.”. A portaria em causa é a Portaria 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho e a tabela anexa à mesma, com as respectivas actualizações, sendo o objectivo da mesma o de fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo iii do título ii do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.” – artigo 1º, nº 1 da referida Portaria.
XVII. O que se impõe à seguradora é, pois, que apresente ao lesado uma proposta de acordo com a incapacidade determinada e os valores definidos pela portaria em causa. Limitando-se a aplicação da sanção prevista no nº 3 do artigo 39º, apenas às situações em que a proposta não é apresentada de acordo com os valores orientadores da mesma.
XVIII. Ou seja, o que terá de servir de base à apreciação da razoabilidade da proposta apresentada, são os parâmetros e valores fixados em sede de portaria, e não o valor indemnizatório fixado pelo tribunal.
XIX. A proposta apresentada pela recorrente ao recorrido foi feita com base nos valores constantes da tabela anexa à referida portaria em vigor à data de 2018, ano da apresentação da proposta, e do défice funcional permanente que foi aferida, na altura, para o Autor (ligeiramente inferior – 5 pontos – do que foi depois fixado em sede de perícia médico legal).
XX. Não tendo o Autor logrado provar – nem, em bom rigor, alegar, pois que o fez genericamente e não por referência aos parâmetros constantes da...

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