Acórdão nº 2103/22.1T9LSB-B.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-09

Ano2024
Número Acordão2103/22.1T9LSB-B.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO


1.Decisão recorrida

No âmbito destes autos, mediante despacho de 5setembro2023 (ref. ...), no que de momento se cuida, em sede de apreciação de requerimento de alteração/revogação/substituição de medida de coação formulado pelo Arguido (art. 212.ºCPP) AA, manteve-se a prisão preventiva que lhe havia sido aplicada por despacho de 30junho2023 (ref. ...).

2.Recurso

Inconformado com o referido despacho (que por lapso reporta como sendo de 6setembro2023, com a ref. 8524208, sendo certo que tal data e referência antes se reportam à notificação à Ilustre Mandatária do Arguido recorrente do dito despacho de 5setembro2023, com a ref. ...), do mesmo o Arguido junto do Tribunal a quo interpôs recurso (entrado a 20setembro2023 - ref. ...), motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (sintéticas e adequadas) que se transcrevem (SIC, com exceção do itálico):
a.-“O arguido foi presente a primeiro interrogatório de arguido detido, tendo-lhe sido aplicado a medida de coação de prisão preventiva, que seria substituída por OPHVE, se fosse obtido relatório favorável da DGRSP.
b.-Na elaboração do relatório a Sra. técnica da DGRSP, indicou que o arguido apesar de ter condições para aplicação da medida, a mesma não devia ser aplicada, atento que pôr o mesmo ser um cidadão Guineense e com familiares na Guiné-Bissau, isso traduzia-se num perigo de fuga.
c.-Não tem a técnica da DGRSP, qualquer fundamento para escrever no relatório tal afirmação que prejudicou gravemente os direitos constitucionais do arguido, artigo 9º alínea b), 13º, 18º, 20º.n.º 4 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.
d.-Mais acresce que o arguido solicitou junto do Tribunal a quo o acesso ao relatório social, para se prenunciar sobre o mesmo, o que até a data não lhe foi dado conhecimento e nem existiu nenhum despacho que se prenuncia-se sobre esse assunto.
e.-Por esse motivo estamos perante uma de uma nulidade dependente de arguição nos termos do artigo 120º n.º 2 alínea C) do Código de Processo Penal.
f.-O Douto Tribunal a quo fez uma errada valoração do relatório social do arguido.
g.-O mesmo tem a sua vida alicerçada na área da sua residência, esposa e filhos em idade escolar, e inclusive até entregou o passaporte em Tribunal.
h.-Por isso encontra-se sanado o motivo erradamente alegado pelo Douto Tribunal a quo quanto ao perigo de fuga.
i.-Nem se encontra o juiz vinculado a informação prestada pela técnica da reinserção social.
Assim nestes termos demais de direito sempre com o douto suprimento de V.Exa
Deverá ser substituída a medida de prisão preventiva pela medida OPHVE, atento que não existir nenhum indício de perigo de fuga, tanto mais o arguido já entregou o seu passaporte a justiça.”

3.Resposta ao recurso

Regularmente admitido o recurso (a 21setembro2023, ref. ...), o Ministério Público junto do Tribunal a quo (a 26outubro2023 - ref. ...) respondeu ao mesmo de forma direta e sintética, pugnando no sentido de que o despacho recorrido não merece censura, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem (SIC, com exceção do itálico):
1.“Encontra-se fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21. 0 n. 0 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
2.Foi aplicada ao ora recorrente a medida coactiva de prisão preventiva, com possibilidade de ser substituída pela medida de OPHVE.
3.O TCIC, após o recebimento do relatório da DGRSP, decidiu manter a medida de prisão preventiva, por despacho prolatado a 31.07.2023 e rectificado em 04.08.2023.
4.O arguido AA não interpôs recurso desse despacho.
5.O recorrente interpôs recurso do despacho proferido a 05.09.2023, que indeferiu um requerimento com vista à aplicação da medida de OPHVE.
6.Esse despacho não se pronunciava sobre o relatório da DGRSP, mas sim sobre patologias de que o recorrente alegava padecer.
7.Não se verifica, por conseguinte, a nulidade invocada pelo recorrente.
8.Os pressupostos de facto e de direito conducentes à aplicação da prisão preventiva encontram-se intactos e inexiste qualquer atenuação das exigências cautelares que o caso requer.
9.A medida coactiva de OPHVE seria incapaz, pela sua configuração legal, de afastar o perigo de continuação da actividade criminosa que se verifica (art. 204. 0, alínea c), do CPP).
10.A medida coactiva de prisão preventiva não devia ter sido substituída por nenhuma outra, pelo que o despacho recorrido não merece censura.”

4.Tramitação subsequente

Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual, com concreta, cirúrgica e circunstanciada explanação, acompanhando a posição exarada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer (a 27novembro2023 - ref. ...) pugnando pela improcedência do recurso interposto.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, existindo resposta do Arguido (a 9dezembro2023 - ref. ...) em que o mesmo, em apertada súmula no essencial diz que reitera todas as suas motivações e conclusões do recurso.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se o julgamento do recurso em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO

1.Objeto do recurso

Sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, é a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua fundamentação de motivação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem na sede de recurso (arts. 402.º;403.º;412.º/1CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19outubro1995, in DR I-Série-A, de 28dezembro1995).
Nos termos do disposto no art. 428.º/1CPP [a]s relações conhecem de facto e de direito.”
Excluída pelo recorrente a impugnação da matéria de facto, nada invocando em termos de vício previsto no art. 410.º/2CPP e nada se vislumbrando oficiosamente nesses diferenciados campos, o recurso versa em exclusivo matéria de direito -, sendo que o recorrente, nem em sede de fundamentação, nem em sede de conclusões inerentes, dá cumprimento ao determinado nas alíneas a) a c) do art. 412.º/2CPP.
Certo, porém, é que se logra percecionar – como infra se circunscreverá – qual é o final, delimitado, possível e concreto objeto do recurso, assim se permitindo a este Tribunal conhecer do Direito, quão mais não seja porque à luz do concreto teor do despacho do Tribunal a quo e do quanto se colhe como objeto do recurso, qualquer convite nos limites do art. 417.º/3CPP tão só significaria um formal e desnecessário protelar da decisão (sempre a evitar dado o tempo já decorrido e o facto de se estar perante processo que reveste natureza urgente) mais quando, em última linha, sempre está em causa um superior célere quadro de obtenção de trânsito em julgado duma decisão material que sempre fixa medida de coação privativa da liberdade – seja a da decisão sob recurso, seja a pugnada em sede de recurso.
Concluindo, no caso em apreço, não nos ancorando em argumentos formais e atendendo ao que ainda assim se vislumbra das conclusões da motivação de recurso, no caso vertente enunciam-se as seguintes questões que importa decidir:
a)-Da “nulidade” arguível nos termos do art. 120.º/2c)CPP;
b)-Da alteração /revogação /substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, por inexistência de indício de perigo de fuga.

2.Apreciação do recurso

A)Ocorrências processuais antecedentes com relevo

Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas importa verter aqui as ocorrências processuais com relevo que culminam no despacho recorrido, assim como firmar o estado presente dos mesmos em 1.ª instância.

1–FACTOS IMPUTADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COM VISTA A 1º INTERROGATÓRIO JUDICIAL DE ARGUIDO DETIDO

(ref. ..., de 30junho2023) (SIC, com exceção do itálico, com anonimização dos demais arguidos, por salvaguarda, para além de em concreto tais dados não interessarem à boa decisão da causa)
1.º Em data não apurada, anterior a 04.11.2022, o arguido DC e outros indivíduos, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de estupefacientes em Portugal, por via aérea e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias.
2.º O arguido AA era uma das pessoas que recebia os produtos estupefacientes do apontado grupo e que os vendia a diversos indivíduos na zona de Lisboa.
3.º Na prossecução do apontado projecto, no dia 28.06.2023, o arguido AA e FP contactaram entre si por via telefónica.
4.º No decurso dessa comunicação ficou acordada a entrega de haxixe, por parte do arguido AA a FP.
5.º Nessa sequência, na mesma data e cerca das 17h00, o arguido AA e FP encontraram-se no ... em ....
6.º O arguido AA entregou a FP haxixe com o peso de 1,47g e recebeu em troca a quantia de €5.
7.º Na mesma data, pelas 18h05m, o arguido AA regressou à sua residência, sita na ...
8.º Nessas circunstâncias o arguido AA tinha no interior da habitação, entre outras coisas, o seguinte:
1. Sete embalagens que continham cocaína com o peso de 34,70g, dissimuladas num recipiente metálico com arroz;
2. Diversos sacos herméticos que continham haxixe com o peso de 22,45g, dentro de uma bolsa;
3. Três embalagens com sacos herméticos;
4. Uma balança de precisão;
5. A quantia de €280, fraccionada em 10 notas de €20, três notas de €10 e uma nota de €50.
9.º O arguido agiu com o propósito concretizado de ter consigo os mencionados estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conhecia, com o fito de os entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias.
10.º O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as
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