Acórdão nº 2093/15.7TXLSB-K.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-27

Ano2022
Número Acordão2093/15.7TXLSB-K.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
No âmbito do Processo n.º 2093/15.7TXLSB, do Tribunal de Execução de Penas, Juízo de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 8, por decisão proferida no dia 27.9.2021, foi decidido, na parte que ora releva:
“A – Com efeitos a partir do trânsito em julgado desta sentença, conceder a liberdade condicional ao recluso AA pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir da pena em execução (in casu Proc. 267/15.0PAPTS), ou seja, até 27/11/2024.
B – Ficará, porém, vinculado, sob pena de eventual revogação, ao cumprimento das seguintes obrigações:
1 – Fixar residência, que não poderá alterar por prazo superior a 5 (cinco) dias, sem prévia autorização do Tribunal de Execução de Penas competente, na …………………, Ribeira Brava;
2 – Apresentar-se a Técnico da Equipa de Reinserção Social da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Madeira (Rua do Bom Jesus, n.º 8, C. C. Europa, sala 311, 3.º andar; 9050-028 – Funchal), no prazo de 8 (oito) dias após a libertação e sempre que lhe foi solicitado e, aceitando a sua tutela, comparecer às entrevistas de acompanhamento, cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam transmitidas;
3 – Manter bom comportamento moral, social e cívico e dedicar-se ao trabalho, fazendo-o de forma regular e honesta, sem praticar infracções/crimes;

4 – Não acompanhar com pessoas ligadas de qualquer modo à prática de actividade ilícitas ou que, de algum modo, possam contribuir para neutralizar os efeitos da ressocialização que a liberdade condicional visa alcançar.
C – Oportunamente, após trânsito, passe mandados de libertação, com a salvaguarda de interesse de prisão à ordem de outros autos.
D – Notifique o recluso, com a expressa advertência que, na decorrência do artigo 64.º, n.º 1 do Código Penal, a liberdade condicional será revogada, com a consequente execução da pena de prisão ainda não cumprida, no caso de:
1 – infringir grosseira ou repetidamente as obrigações e regras de conduta acima fixadas;
2 – cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da liberdade condicional não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
E – Notifique o Ministério Público.
F – Notifique o mandatário/defensor oficioso, se existir.
G – O estabelecimento prisional de afectação deve juntar cópia da presente decisão ao processo individual único do condenado.
H – De imediato comunique à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e, sendo caso, aos demais serviços/entidades com intervenção na concedida liberdade condicional.
I – A Equipa de Reinserção Social da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Madeira deverá remeter aos autos, até 20 dias após a libertação do condenado, comprovativo de apresentação tempestiva nos termos supra (B2), bem como o elaborado Plano de Execução da Liberdade Condicional; posteriormente, deverá remeter aos autos, semestralmente, os elaborados relatórios de acompanhamento da execução da liberdade condicional, fixando-se o primeiro deles para 01/05/2022 (todos a darem entrada nos autos em 10 dias após a respectiva data); igualmente deverá remeter aos autos os elaborados relatórios de anomalias da execução da liberdade condicional, sempre que tal se justifique.
J – Após trânsito em julgado, comunique ao tribunal da pena em execução.

K – Após trânsito em julgado, remeta boletim ao registo criminal – artigo 6.º, al. b) da
Lei n.º 35/2015, de 5 de Maio e 12.º do Decreto-Lei n.º 171/2015, de 25 de Agosto.”
Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“1. A decisão recorrida, contrariando os pareceres desfavoráveis do conselho técnico e do Ministério Público, concedeu a liberdade condicional a AA, por referência ao meio da pena de 9 anos de prisão, referente à condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado.
2. A concessão da liberdade condicional ao meio da pena, nos termos do art. 61.º nº 2 alíneas a) e b) do Código Penal, tem carácter excecional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas.
3. AA está a cumprir pena pela prática de crime muito grave, cometido com foros de muito intensa gravidade e contornos de grande violência, tem antecedentes criminais também por crime contra as pessoas, mantém fragilidades relevantes ao nível da capacidade de descentração e de empatia face à vítima.
4. A evolução recente que agora apresenta não é ainda suficiente pois que o recluso mantém as fragilidades em termos da capacidade de descentração e de empatia, importando que consolide, em meio prisional, recursos pessoais que lhe permitam enfrentar e gerir eventuais adversidades.
5. Essa é também a perceção expressa pela DGRSP, sendo que o Conselho Técnico por maioria (voto de qualidade), emitiu parecer desfavorável à libertação antecipada e as declarações prestadas pelo recluso na audição, não só, são inverosímeis, como corroboram a percecionada manutenção de fragilidades relevantes ao nível da consciência crítica e da interiorização do desvalor da sua grave conduta criminal.
6. Demonstrado está assim que não alcançou vetores essenciais no processo de evolução que se pretende que atinja em ordem a uma bem sucedida reinserção social, de

forma a minimizar o elevado risco de reincidência criminal presente.
7. Pois que, enquanto não interiorizar por completo o desvalor da sua conduta e
não adquirir capacidade de descentração e crítica, não se encontra intrinsecamente preparado
para em liberdade manter comportamentos responsáveis, aumentando o risco
de repetição de conduta criminosa quando colocado em contexto facilitador.
8. De concluir é, pois, que o recluso carece de mais tempo de prisão, de modo a que
pena produza o seu efeito inibitório de evitar que volte a delinquir, isto é, que reforce,
pela consolidação de competências pessoais em meio prisional e provimento de modo mais
consistente as suas necessidades de reinserção social, as naturais contra-motivações
éticas no sentido do respeito pela lei e o direito.
9. Impõe-se consolidar a evolução positiva do seu percurso prisional e a interiorização do sentido da reclusão, de modo a ser atingido o patamar de segurança que
permita ao Tribunal, fazer o juízo de prognose favorável à liberdade condicional do recluso, e confiar que o mesmo não voltará a cometer crimes.
10. Ponderando a natureza do ilícito objeto destes autos, o circunstancialismo da
sua execução e a necessidade de consolidação do processo de readaptação social do recluso, a libertação antecipada não deixaria de ter reflexos negativos na comunidade, designadamente quanto à confiança na validade das normas da ordem jurídica que pelo recluso foram violadas, além de deixar a proteção dos bens jurídicos, a um nível que não é comunitariamente suportável.
11. Nesta conformidade e com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que não fez correta aplicação do direito, mormente, do artigo 61º, nº 2 als. a) e b) do Código Penal.”
Cumprida a notificação prevista no art. 413.º, n.º 1 do CPP, não foi apresentada resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que aduziu o seu entendimento de que o recurso deve ser julgado procedente.

Cumprido o disposto no Art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao
sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo conhecer e decidir.
II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)1 2.
Assim sendo, no caso vertente enuncia-se a seguinte questão que importa decidir:
A – Se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional ao condenado.
III – APRECIAÇÃO:
A – Da alegada não verificação dos requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional ao condenado.
Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão desta concreta questão suscitada pelo ajuizado recurso, importa verter aqui quer os factos que o Tribunal a quo considerou e valorou na fundamentação de direito, bem como esta, o que se transcreve da decisão recorrida (omitindo-se, para facilidade de leitura e compreensão, as notas de rodapé). Assim:

“2 – Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como provados:
A. O condenado encontra-se a cumprir, pela prática do indicado crime, a seguinte
pena:
9 anos de prisão pela prática do seguinte crime:
(Juízo Central Criminal do Funchal – Proc. 267/15.0PAPTS)
Homicídio qualificado tentado [artigos 131.º e 132.º do Código Penal].
B. Factos ocorridos em Novembro de 2015.
C. Cumpriu metade da pena em 27/05/2020, os 2/3 ocorrem em 27/11/2021, os 5/6 em 27/05/2023 e tem termo previsto para 27/11/2024.
D. Em 21 de Julho de 2020 viu ser-lhe apreciada a liberdade condicional, com negação, decisão com a qual se conformou.
E. Como antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal regista uma condenação pelo crime de ofensa à integridade física qualificada.
F. Cumpre pena pela primeira vez.
G. Referências constantes do SIPR
...

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