Acórdão nº 2060/19.1T8PDL.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-06

Data de Julgamento06 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão2060/19.1T8PDL.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. AAA intentou a presente acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho contra a BBB, peticionando a condenação da Ré no pagamento de uma pensão pela IPP de que ficou a padecer, das despesas com transporte para tratamentos, no valor de € 440,00, de diferenças salariais no valor de € 6179,20, assim como de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 5000,00, acrescidos de juros de mora.
Para tanto alegou, em síntese: que em 4 de Julho de 2019, trabalhava por conta de …., a exercer as funções de serralheiro; que nesse exercício desequilibrou-se e caiu de cima de um escadote e, como consequência, sofreu lesões que lhe determinaram um período de incapacidade temporária absoluta; que após a alta ficou com uma incapacidade permanente parcial (IPP) e que, na ocasião, a sua empregadora tinha a responsabilidade por acidente de trabalho transferida para a Ré.
O … veio pedir a condenação da demandada no reembolso da quantia devida por conta do subsídio de doença pago ao Autor por força do período de baixa, no valor de € 17.793,44, acrescido de juros de mora.
A R. contestou a acção, defendendo a sua improcedência e alegando, em síntese, que o acidente se deveu a inobservância de regras de segurança pelo sinistrado que instalava vigas de aço leve e, para confirmar uma medida, acedeu à prateleira superior de uma estante e colocou os dois pés em cima da prateleira que cedeu e o sinistrado caiu, tendo o mesmo violado os artigos 36.º, n.º 1 e 38.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.° 50/2005, de 25 de Fevereiro, pelo que o acidente se mostra descaracterizado nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LAT.
A seguradora contestou ainda o pedido do Instituto da Segurança Social, pugnando, com a mesma argumentação, pela sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador e foram, também, seleccionados os factos assentes e elencados os temas da prova, bem como determinada a realização de exame por junta médica (fls. 165 e ss.).
Procedeu-se ao julgamento com observância das formalidades legais, após o que o Mmo. Juiz a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção nos seguintes termos:
a) fixa-se, em favor do Autor, AAA, pelo período de incapacidade temporária, uma indemnização no valor de € 1700,77, e, pela incapacidade permanente parcial (IPP) determinada, o capital de remição calculado tendo por base uma pensão anual no valor de € 1244,22;
b) condena-se a Ré, BBB, a pagar ao Autor a indemnização e o capital de remição fixados em a);
c) condena-se a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre estas prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
d) absolve-se a Ré do que mais foi peticionado;
e) julga-se improcedente o pedido de reembolso apresentado por ….
[…]»
1.2. A R. seguradora, inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso de apelação.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de que ao recurso não deve ser dado provimento, devendo, antes, ser mantida a decisão recorrida, que se mostra bem fundamentada, tendo feito correcta apreciação da prova produzida e adequada aplicação do direito.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da impugnação da decisão de facto quanto aos pontos 3., 4. e 5. dos factos provados e alíneas a), b) e c) dos factos “não provados”;
2.ª – de saber se o acidente sub judice se deve considerar descaracterizado enquanto acidente de trabalho nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT)[1].
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3. Fundamentação de facto
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Em suma, uma vez reapreciada a prova produzida nesta instância, decide-se:
- manter o ponto 3 dos factos provados;
- alterar os pontos 4 e 5. dos factos provados, que passarão a ter a seguinte redacção:
4. Em tais circunstâncias, o Autor apoiou um dos seus pés em cima da prateleira de uma estante de ferro fixada à parede com cerca de 2 metros de altura;
5. Nesse instante, o material da prateleira cedeu o Autor desequilibrou-se e caiu ao chão”;
- manter a alínea b) dos factos não provados;
- alterar as alíneas a), e c) dos factos “não provados”, passando delas a constar não se ter provado que:
“a) o Autor, nas circunstâncias descritas em 3) e 4), tenha acedido à prateleira superior desta estante com vista a confirmar uma medida;
c) tenha sido todo o peso do corpo do Autor a levar a prateleira a ceder e provocar a queda”.
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3.2. Os factos provados a atender para a decisão jurídica do pleito são os seguintes (destacam-se a traço grosso os que foram objecto de alteração neste Tribunal da Relação):
1. No dia 4 de Julho de 2019, AAA exercia funções no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização de …., com a categoria profissional de ‘serralheiro 1ª’.
2. Recebendo uma retribuição anual de € 16736,88.
3. Na data assinalada em 1), o Autor, nas instalações de um cliente de ….., localizadas no concelho de …, no exercício das suas funções no âmbito do acordo descrito nos números anteriores, encontrava-se a instalar umas chapas (‘madres’) na cobertura de um armazém, em cima de um escadote, numa altura não concretamente determinada.
4. Em tais circunstâncias, o Autor apoiou um dos seus pés em cima da prateleira de uma estante de ferro fixada à parede com cerca de 2 metros de altura;
5. Nesse instante, o material da prateleira cedeu o Autor desequilibrou-se e caiu ao chão;
6. Como consequência do descrito no número anterior, o Autor: a) ‘perdeu os sentidos’; b) sangrou do nariz; c) foi transportado para o Hospital …; d) sofreu fractura cominutiva no radio esquerdo distal e pequena fractura linear no osso nasal direito, com desvio da pirâmide nasal para a esquerda; e) esteve sujeito a um período de incapacidade temporária absoluta (ITA), desde 5 de Julho a 26 de Agosto de 2019 (data da alta); f) ficou, após a alta, com rigidez no punho esquerdo, com limitação dos movimentos na flexão, extensão e lateralidade cubital, e desvio no septo nasal da narina direita; g) e ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial (IPP), com o coeficiente de 10,62%.
7. O Autor, na altura, havia recebido formação relacionada com ‘segurança de trabalhos em altura’.
8. Na data assinalada em 1), …. tinha sua ‘responsabilidade emergente de acidente de trabalho’ transferida para BBB, mediante a apólice nº 8167635000001.
9. O Autor nasceu no dia 1 de Março de 1977.
E considera-se “não provado” que (destacam-se igualmente a traço grosso os factos que foram objecto de alteração neste Tribunal da Relação):
a) o Autor, nas circunstâncias descritas em 3) e 4), tenha acedido à prateleira superior desta estante com vista a confirmar uma medida;
b) e tenha colocado os dois pés em cima desta prateleira;
c) tenha sido todo o peso do corpo do Autor a levar a prateleira a ceder e provocar a queda”.
d) como consequência do descrito em 4), 5) e 6):
- o Autor tenha despendido a quantia de € 440,00 no transporte para consultas no Hospital …, a partir da sua residência;
- o … tenha entregue ao Autor, a título de ‘subsídio de doença’, a quantia de € 17793,44 (pelo período de 28 de Agosto de 2019 a 1 de Março de 2021);
e) o Autor tenha recebido qualquer quantia a título de retribuição relativa a Agosto e Setembro de 2019, assim como de retribuição do período de férias e respectivo subsídio relativos ao mesmo ano;
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4. Fundamentação de direito
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4.1. É pacífico nos autos que o acidente sofrido pelo sinistrado AAA reveste a natureza de acidente de trabalho, porque ocorrido no local e no tempo de trabalho, tendo produzido directamente lesões corporais de que resultou redução na capacidade de trabalho, nos termos do artigo 8º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
Invoca a recorrente que o acidente se mostra "descaracterizado" nos termos do artigo 7.º, n.º1, alínea a), segunda parte, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro porquanto o sinistrado deveria ser mais prudente e consciente quanto ao risco de se colocar em cima de uma prateleira de uma estante, quando a tarefa deveria ter sido efectuada com recurso a um escadote ou escada, conforme decorre do art. 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 50/2005 e artigo 38.º nº2 do Decreto-Lei n.º 50/2005. Segundo alega, caso o sinistrado não utilizasse a estante para ir confirmar uma medida, mas sim escadote ou escada, o acidente teria sido evitado, pois o nexo de causalidade foi o facto de o sinistrado ter-se colocado em cima de uma estante e esta ter cedido devido ao seu peso.
Vejamos.
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4.2. De harmonia com o preceituado no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da LAT de 2009, não existe direito de reparação dos danos decorrentes do acidente que “[f]or dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”.
Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1, estipula o n.º 2 do
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