Acórdão nº 205/23.6T8ELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-20

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão205/23.6T8ELV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 205/23.6T8ELV.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca ..., ... - JL Cível - Juiz ...
Apelante: Ministério Público
Apelado: Conservatória do Registo Predial ..., Instituto dos Registos e Notariado - I.P.


Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em 30-11-2022, ao abrigo do artigo 140.º, n.º 1, do Código do Registo Predial (C.R. Predial) veio impugnar judicialmente a decisão da Sr.ª Conservadora do Registo Predial de ..., proferida em 10-11-2022, que lavrou como provisório por natureza e por dúvidas, o registo do arresto preventivo do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37, decretado por decisão proferida em 01-10-2022, já transitada em julgado, no âmbito do procedimento cautelar que correu os seus termos por apenso (B) ao inquérito n.º 309/20.....
A Sr.ª Conservadora do Registo Predial de ... proferiu despacho de sustentação, dando cumprimento ao disposto no artigo 142.º-A, n.º 3, do C.R.Predial.
O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Juízo Local Cível ... - J..., aderiu integralmente aos fundamentos da impugnação judicial.
Em 21-05-2023, foi proferida sentença, constando da sua parte dispositiva, o seguinte:
«Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas supra, concede-se provimento parcial à impugnação judicial deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão proferida em 10-11-2022 pela Sr.ª Conservadora do Registo Predial de ... (referente à Ap. ...45 de 2022/10/04), substituindo-a por decisão que:
i) Rectifique a inscrição do registo requerido através da Ap. ...45 de 2022/10/04 de procedimento cautelar de arresto para arresto preventivo (decretado por decisão judicial proferida em 01-10-2022 no âmbito do procedimento do cautelar que correu os seus termos no Juízo Local Criminal ... sob processo n.º 309/20....), em conformidade com as disposições contidas nos artigos 2.º, n.º 1, al. o), 3.º, n.º 1, al. e), 8.º-B, n.º 3, al. a), e 8.º-C. n.º 3, todos do C.R.Pred..
ii) Considere removidas quaisquer dúvidas quanto provisoriedade do referido registo por natureza (por não estar em causa o registo de facto previsto no artigo 92.º, n.º 1, al. a), do C.R.Pred.),
Mantendo-se, no mais, a decisão impugnada, nomeadamente no que respeita as dúvidas opostas ao registo por violação do princípio do trato sucessivo.»

O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso de apelação desta sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1- Na decisão recorrida decidiu-se pela improcedência da impugnação judicial deduzida pelo Ministério Público do despacho exarado pela Conservadora do Registo Predial no dia 10 de novembro de 2022 (apresentação n.º ...45 de 04.10.2022) e que lavrou o registo de arresto preventivo (art.º 228º do Código de Processo Penal) determinado judicialmente no processo NUIPC 309/20...., como sendo provisório por dúvidas, ao abrigo do disposto no art.º 34º, n.º 4 do Código de Registo Predial.
2- Considerou-se que a decisão da Conservadora em obediência ao princípio de legalidade (art.º 68º do Código de Registo Predial) não atenta contra a decisão judicial que determinou o arresto e respetivo registo, nem que a condicione dado que oportunamente comunicou a forma pela qual as dúvidas opostas ao registo poderiam ser removidas, concretamente, que o Ministério Público, como interessado no registo, providenciasse pela remoção, requerendo ao Tribunal que decretou o arresto preventivo a citação da cônjuge do arguido, de nome AA (também titular inscrita no registo do imóvel arrestado preventivamente) para que, nos termos do disposto no art.º 740º, n.º 1 , «ex vi» art.º 391º, n.º 2 do Código de Processo Civil, requeresse a separação de bens ou comprovasse a pendência de ação com esse objetivo.
3- Considerou ainda que a decisão da Conservadora não coloca entraves e condicionamentos ao registo do arresto preventivo ou que afronte a estabilidade registal e respetivo título de suporte, entravando a ação penal do Estado, levando à inconsequência de eventual execução com vista a cobrar o valor em dívida em que o arguido venha a ser condenado a título de perda de vantagens do facto ilícito, caducando entretanto o registo e possibilitando a sua venda por este, uma vez que as dúvidas opostas podem ser removidas naqueles termos e que ainda que se esteja longe da fase executiva, a circunstância de estar em causa arresto preventivo de um bem comprovadamente comum, enquanto apreensão judicial que é, nunca dispensaria o cumprimento do disposto no art.º 740, n.º 1 do Código de Processo Civil.
4- O Tribunal “a quo” ao decidir nestes termos fez uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 34º do Código do Registo Predial, 228º do Código de Processo Penal, 391º e 740º, ambos do Código de Processo Civil.
5- E assim é porque o arresto preventivo é uma medida cautelar inserida num processo penal, não coincidindo e apresentando características diferenciadoras do arresto da lei civil (art.º 619 e ss. Do Código Civil), tendo por objetivo que a futura condenação do arguido na perda da vantagem ou seu pagamento seja assegurada, razão pela qual se lhe aplica aquele regime no decretamento mas mantém a sua natureza e desideratos intocados, assumindo um poder reforçado enquanto emanação da ação penal do Estado, do Ius Imperii, distinguindo-se também por isso do regime da insolvência, motivo pela qual também não se lhe aplicam as regras da penhora sobretudo numa fase de inquérito em que ainda não existe uma decisão definitiva de condenação na perda da vantagem ilícita cuja garantia visa garantir.
6- Esta sua natureza, inconfundível com o processo civil, visa que o arguido não possa retirar da ação ilícita quaisquer proventos e bem assim recolocar ordem patrimonial no estado anterior ao desvio, suscitando especial ponderação na aplicação do regime civilista ao arresto preventivo.
7- A imposição preconizada pela M.ª Juiz de se forçar a citação do cônjuge não arguido, cotitular do registo do imóvel, para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa de ação de separação (art.º 740º do Código de Processo Civil), seguindo o entendimento da Conservadora do Registo Predial, como forma de remover as dúvidas do registo do arresto preventivo, é desacertada porque decalca e aplica de forma absoluta e sem adaptada conformação as regras da fase executiva quando ainda nem sequer existe uma condenação na perda das vantagens do facto ilícito, estando num momento meramente cautelar em que ainda não se coloca a retirada efetiva e forçada de bens da esfera patrimonial do titular.
8- Razão porque se entende que no caso do arresto preventivo não haverá de imediato e nesta fase processual, lugar à referida citação do art.º 740º, n.º 1 do Código de Processo Civil, quer porque tal não está legalmente previsto mas também porque não se afere como possa funcionar o mecanismo da separação de bens comum do casal nesta fase de inquérito dado que o arresto é um mero procedimento cautelar, com natureza preventiva e conservatória, esgotando-se os seus efeitos na reserva de preferência na disponibilidade dos bens sobre que incide, mantendo intocada a propriedade de raiz, com a garantia de que qualquer alteração desta necessariamente envolve a intervenção de todos os titulares inscritos no registo.
9- Porque o arresto não se confunde com a penhora, somente perante um incumprimento da decisão condenatória na perda da vantagem do facto ilícito, seguindo-se a conversão do arresto em penhora, entrando na fase executiva, nos termos do disposto no art.º 762º do Código de Processo Civil, é que o cônjuge (titular registal) não arguido deverá ser citado para então, se quiser, requerer a separação de bens, sem prejuízo de outros meios processuais de defesa e oposição, assim se assegurando a salvaguarda do seu direito patrimonial, razão porque o art.º 740º, n.º 1 do Código de Processo Civil não se pode aplicar sem mais e diretamente ao arresto preventivo antes de essa fase executiva.
10- Ao decidir como decidiu, a Mª. Juiz fez uma aplicação cega e plena do regime civilista do arresto civil e da penhora ao arresto preventivo, sem considerar as especificas particularidades que giram em torno desta medida de garantia.
11- Não existe paralelo entre o arresto preventivo e a apreensão de bens na insolvência porque para além de servirem propósitos vincadamente distintos, podendo até conflituar, o arresto preventivo é uma emanação do Estado na sua veste de garante da ação penal e se sobrepõe à apreensão de bens para a massa insolvente.
12- Razões pelas quais se entende que a decisão e os fundamentos invocados pela M.ª Juiz violam o disposto nos artigos 34º do Código do Registo predial, 228º do Código de Processo Penal, 391º e 740º, ambos do Código de Processo Civil, significando uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso, e não devem proceder.
13- Pelo exposto, considera-se que a decisão e os fundamentos invocados pela M.ª Juiz violam o disposto nos artigos 34º do Código do Registo Predial, 228º do Código de Processo Penal, 391º e 740º, ambos do Código de Processo Civil, significando uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso, e não devem proceder.
14- A M.ª Juiz entendeu ainda que a qualificação do registo do arresto preventivo como provisório por dúvidas não coloca em causa a ação penal do Estado e que o Ius Imperii não pode «subjugar» o princípio registal do trato sucessivo que obedece a normas com a mesma força do Código de Processo Penal, com o que discordamos.
15- Na verdade, o arresto preventivo assume-se como uma emanação de atuação do Estado na sua veste impositiva, num paradigma diferente do arresto civil, refletindo-se por exemplo na norma constante do n.º 4 do art.º 228º do Código de
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