Acórdão nº 2045/10.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-04-21

Data de Julgamento21 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão2045/10.3BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório.
R… recorre da sentença proferida na presente ação administrativa especial de impugnação do despacho, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que, a 23.4.2010, lhe aplicou pena disciplinar de suspensão graduada em 240 dias, por conversão da que lhe havia sido aplicada, em 18.4.2008, de inatividade por um período de 2 anos.
O tribunal julgou a ação improcedente.
Nas alegações de recurso que apresenta, a recorrente formula as seguintes conclusões:
I. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de Nulidade por omissão de pronúncia. No caso sub judice o Meritíssimo Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia e podia apreciar, cometendo, assim, a nulidade prevista no artigo 615º, n.º1, alínea d) do C.P.C.
II. A Recorrente alegou e defendeu que antes da entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, tinha aplicação, no que ao regime de prescrição de procedimento diz respeito, o artigo 118º do Código penal.
III. A Recorrente invocou, ainda, a seguinte inconstitucionalidade: sendo certo que, sempre seria inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 13º e 29º, nº4 da Constituição, o artigo 4º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro quando interpretado com os seguintes sentidos:
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro o prazo de prescrição do respetivo procedimento é superior a 2 anos.” Ou que
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, não existe prazo de prescrição.”
Inconstitucionalidade que desde já se argui.
IV. Acontece, porém, que apesar da argumentação despendida pela Recorrente, o Tribunal a quo pura e simplesmente ignorou esta concreta e relevantíssima questão colocada, não se pronunciando sobre a mesma.
V. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que o Procedimento Disciplinar 4…/DRL/2004 há muito que se encontra prescrito.
VI. A Lei n.º 58/2008 tinha aplicação imediata a todos os processos, inclusive aqueles que estivessem já em curso, como é o processo em apreciação nos presentes autos.
VII. A referida Lei declarou expressamente que tinha aplicação aos processos pendentes, pelo que, evidentemente, em 01/01/2019, tendo há muito decorrido o prazo de 18 meses, sem que tivesse sido proferida uma decisão disciplinar, teria que se considerar nessa data o procedimento disciplinar prescrito.
VIII. Se a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar apenas se iniciasse, como defende o Tribunal a quo, no dia 01/01/2009, ou seja, com a entrada em vigor da Lei 58/2008, então onde estaria o efeito retroativo da Lei?
IX. Como se referiu no Acórdão do STA, de 21/04/83, Rec. 012730, citado por Carlos Fraga in “O Poder Disciplinar no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, Petrony Editora, 2011 pág.387: “São subsidiariamente aplicáveis ao direito disciplinar os princípios e normas do direito penal sobre prescrição do procedimento.”
X. Temos, portanto que, conforme resulta do Acórdão do STA acima citado, ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, como é o caso em apreciação nos presentes autos, se defendida, na falta de legislação específica a aplicação subsidiária do Código penal.
XI. Atendendo ao disposto no artigo 9º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, é necessário considerar aplicáveis os prazos de prescrição do procedimento previstos no art 118.° do Código Penal e não apenas prazos de prescrição do direito de instaurar procedimento, através de uma interpretação sistemática e atualista do Estatuto Disciplinar, compatibilizando-o com as normas de prescrição previstas naquele Código.
XII. De outra forma, verificar-se-ia uma contradição inadmissível entre as normas de prescrição do procedimento criminal e as normas de prescrição do processo disciplinar, caindo-se no absurdo de admitir ser mais vantajoso para o Arguido que a infração disciplinar fosse igualmente considerada uma infração penal.
XIII. Como acima se referiu é o próprio Estatuto Disciplinar que abre portas à aplicação supletiva das disposições relativas à prescrição previstas no Código Penal no seu art. 4.°, n.º 3 e outra interpretação, além de sistematicamente incompatível, seria também contrária à estatuição de apertados prazos de tramitação do processo disciplinar previstos pelo legislador.
XIV. Sendo aplicável a alínea d) do art. 118.° do Código Penal, verifica-se que há muito que decorreu o prazo de prescrição, inclusivamente se considerássemos o referido prazo acrescido de metade (cfr. art. 121.°, n.º 3 do Código Penal). Aliás, só esta interpretação é admissível e consentânea com a posição assumida pelo legislador, o qual na Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro estabeleceu um prazo inferior aos 2 anos estabelecidos no Código penal.
XV. Sendo certo que, sempre seria inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 13º e 29º, nº4 da Constituição, o artigo 4º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro quando interpretado com os seguintes sentidos:
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º24/84 de 16 de janeiro o prazo de prescrição do respetivo procedimento é superior a 2 anos.” Ou que
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, não existe prazo de prescrição.”
Inconstitucionalidade que desde já se argui.
XVI. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo é manifesto e gritante que a decisão administrativa que aplicou à A. a pena disciplinar de inatividade, por um período de 2 anos, encontra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação.
XVII. No caso Sub Júdice, a quase generalidade dos factos imputados à A. não se encontram temporalmente enquadrados, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo;
XVIII. Para além disso a Decisão Administrativa não procede a qualquer análise da prova;
XIX. Não se pretende, naturalmente, que uma Decisão no âmbito dum procedimento disciplinar tenha o mesmo rigor na fundamentação que uma Sentença judicial, contudo, não pode ser elaborada de modo completamente discricionário e arbitrário, para mais quando se propõe uma sanção gravíssima como é a inatividade por um período de 2 anos.
XX. O Tribunal a quo com o devido respeito, considerou que a Administração se pronunciou “implicitamente” sobre as Nulidades Arguidas pela Recorrente em sede de defesa Administrativa…
XXI. A Recorrente na resposta à nota de culpa arguiu, nomeadamente, a nulidade de todos os atos praticados pela Senhora Instrutora Dr.ª M... P…, em virtude do incidente de suspeição por si levantado;
XXII. Está provado no ponto 12 da matéria de facto que, “A Instrutora Dr.ª M… L…” foi nomeada “em substituição da Dr.ª M… P…”
XXIII. A Recorrente tinha o Direito de ver apreciadas as nulidades e questões colocadas em sede de defesa. Pelo que, encontram-se tanto a proposta de Decisão como a própria Decisão proferidas feridas de nulidade nos termos do artigo 133º, n.º 2, alínea d) do C.P.A., nulidade que desde já se argui.
XXIV. Todas as testemunhas ouvidas no âmbito do procedimento disciplinar foram-no sem a presença da ora recorrente. A Recorrente nunca teve possibilidade de interrogar as testemunhas indicadas no procedimento disciplinar;
XXV. Nem a Administração nem o Tribunal a quo permitiram que a Recorrente pudesse contraditar os testemunhos proferidos em sede de inquérito.
Foi, assim, violado o artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento e em consequência, deve a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser declarada nula, ou, caso assim não se entenda, deve a mesma ser substituída por douto Acórdão que declare prescrito o procedimento disciplinar iniciado em 2004.

O recorrido Ministério da Educação contra-alegou o recurso e formulou as seguintes conclusões:

A. Falta lógica, coerência e pertinência ao recurso interposto pela Recorrente.

B. Ao contrário do que seria suposto, no seu recurso a recorrente questiona muito menos a sentença e muito mais o procedimento disciplinar, pretendendo por via do Recurso proceder a uma nova reabertura, renovação, ou revisão do procedimento disciplinar, quando é sabido não ser essa a finalidade da impugnação contenciosa.

C. No recurso, não são verdadeiramente enunciados fundamentos justificativos da alteração ou da anulação da decisão proferida.

D. A decisão a quo não padece de nulidade por omissão de pronúncia, porque as matérias em causa ficaram prejudicadas, em consequência da solução dada pelo Tribunal à questão da prescrição, como o determinado no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

E. O Tribunal fez uma análise aturada sobre esse assunto e tomou uma posição juridicamente bem sustentada e difícil de ser posta em causa, motivo pelo qual não assiste razão à Recorrente naquilo que alega.

F. Pese embora a Lei n.º 58/2008 e o EDTEDP, aprovado por aquela Lei, tivessem, a partir de 01/01/2009, passado a aplicar-se ao processo disciplinar aqui em apreço, por força do regime transitório constante no artigo 4.º e em especial no seu n.º 3, da referida Lei n.º 58/2008, os prazos de prescrição do procedimento e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto, contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, isto é, a partir de 01/01/2009.

G. É esta concreta disposição legal que, incompreensivelmente, a Recorrente teima em ignorar e desenvolve todo o seu raciocínio como se a mesma não existisse, quando é esta disposição legal que contém a chave do problema.

H. Ao contrário do que sucedia no ED de 1984, o EDTEFP de 2008 veio, no seu artigo 6.º, n.º 4, determinar que o procedimento disciplinar prescrevia...

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